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Sábado, 28 Mai 2022 11:24

Diplomacia e geopolítica

Os golpes de Estado em África e a fraca actuação da União Africana na resolução dos actos inconstitucionais e anticonstitucionais

Por Leonardo quarenta

Resumo: O artigo destaca prevalentemente a questão dos golpes de Estado no Continente africano colocando em evidência os elementos relaccionados e interligados entre si, que motivam diferentes grupos de interesse e outros actores executando actos inconstitucionais e anticonstitucionais, tais como: a fragilidade das instituições públicas e dos órgãos de soberania do Estado, a intolerância política, a desorganização e o subdensevolvimento social, as violações dos direitos fundamentais do Homem, a fraca participação do cidadão na vida política, econômica, cultural, social e diplomática dos seus repectivos países, a ausência da segurança pública eficiente, a não convivência pacífica e tolerante entre as diferentes comunidades étnico-tribais e religiosas e a fragilidade das lideranças. Por outra o presente artigo apresenta de forma concreta quais os requisitos à seguir para que a África cresça e se desenvolva significativamente através de uma série de mecanismos e de dinâmicas baseadas na elaboração de projectos de sociedade e na criação de políticas de Estado racionalizadas, tendo a «meritocracia» como elemento primário e fundamental para o progresso do Continente no seu todo.

Palavras chaves: União Africana, golpes de Estado, Meritocracia, Progresso, Liderança, Segurança, Projecto de sociedade, Democracia, Participação política.

1 - Introdução

A ausência da democracia consolidada, a falta de políticas públicas eficazes e estáveis, a pobreza social, o baixo nível formativo e tecnológico e a falta de boa administração do Estado por parte dos governantes, fazem com que muitas das vezes surjam a nível do Continente africano dinâmicas adversas aos princípios democráticos e constitucionais na busca do poder, coisa que directa ou indirectamente desestabilizam a integridade, a organização e o bom funcionamento das instituições públicas.

A União Africana sendo uma organização supranacional tem a responsabilidade de gerir toda a dinâmica política, econômica, diplomática, jurídica e militar do Continente, e em casos de situações complexas ligadas à ameaças de segurança e outras adversidades graves a União Africana deve procurar formas de colocar em prática os seus instrumentos e mecanismos estratégicos de prevenção e de combate contra os grupos de insurreição e grupos anti stabilishment, que tentam tomar o poder por vias ilegais passando por cima das normas constitucionais e do direito internacional.

O Presidente do Ghana que foi também Presidente da CEDEAO (Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental) Sua Excelência Nana Akufo Addo, afirmou meses atrás que existem actores internacionais que estão por detrás dos recorrentes golpes de Estado no Continente africano, vale lembrar que muito recentemente, isto é, em Janeiro de 2022 houve golpe de Estado no Burkina Fasso e em Fevereiro de 2022 houve tentativa de golpe de Estado na Guiné Bissau.

Há décadas que a África tem sido palco de constantes práticas inconstitucionais e anticonstitucionais na busca do poder, só para termos uma visão cronológica apresento-vos (sem entrar em detalhes) o paronama histórico geral desses golpes:

Em Fevereiro de 1966 houve golpe de Estado no Ghana; Setembro de 1969 golpe de Estado na Líbia; em 1971 golpe de Estado no Uganda; Julho de 1975 e Janeiro de 1996 golpes de Estado na Nigéria; Junho de 1977 golpe de Estado em Seychelles; Setembro de 1979, Março de 1999 e Março de 2003 golpes de Estado na República Centro-Africana; Dezembro de 1984 e Agosto de 2008 golpes de Estado na Mauritânia; Abril de 1985 e 30 de Junho de 1989 golpes de Estado no Sudão; Setembro de 1987 e Julho de 1996 golpes de Estado no Burundi; Abril de 1992, Janeiro de 1996 e Maio de 1997 golpes de Estado na Serra Leoa; Julho de 1994 golpe de Estado na Gâmbia; Agosto de 1996 e Julho de 2003 golpes de Estado em São Tomé e Príncipe; Setembro de 1996 e Abril de 1999 golpes de Estado na República de Comores; Maio de 1997 golpe de Estado no Zaíre actual República Democrática do Congo; Outubro de 1997 golpe de Estado no Congo-Brazzaville; Abril de 1999 golpe de Estado no Níger; Maio de 1999 e Setembro de 2003 golpes de Estado na Guiné-Bissau; Dezembro de 1999 houve golpe de Estado na Costa do Marfim[1].

Nos anos recentes, isto é, em Novembro de 2017 houve golpe de Estado no Zimbabwe, e países africanos que já tiveram sofrido golpes de Estado no passado voltarão a sofrer o mesmo acto, portanto em Abril de 2019 e Outubro de 2021 houve golpes de Estado no Sudão; Agosto de 2020 e Maio de 2021 houve golpes de Estado no Malí; Março de 2021 golpe de Estado no Níger; Abril de 2021 golpe de Estado no Tchad; Setembro de 2021 houve golpe de Estado na Guiné-Conacri; Janeiro de 2022 golpe de Estado no Burkina Fasso, no mesmo ano em Fevereiro houve tentativa de golpe de Estado na Guiné Bissau. Neste último os envolvidos na tentativa do golpe estão sendo até hoje torturados dentro das prisões guineenses.

2 - O Papel da União Africana perante os actos inconstitucionais e anticonstitucionais

Perante esses actos que violam claramente os princípios constitucionais e republicanos, a União Africana devia posicionar-se com firmeza e como autoridade superior em relação aos Estados que à compõem, tendo em conta as normas do seu próprio Estatuto, que estabelece no artigo 3º do seu Acto Constituitivo, quais os objectivos da organização, objectivos estes que são:

Realizar maior unidade e solidariedade entre os países e povos de África; respeitar a soberania, a integridade territorial e a independência dos seus Estados Membros[2]; acelerar  a integração política e sócio-económica do Continente; promover e defender posições africanas comuns sobre as questões de interesse para o Continente e os seus povos; encorajar  a cooperação internacional, tendo devidamente em conta a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos do Homem[3]; promover a paz, a segurança e a estabilidade no Continente; promover os princípios e as instituições democráticas, a participação popular e a boa governação; promover e proteger os direitos do homem e dos povos, em conformidade com  a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos povos, e outros instrumentos pertinentes relactivo aos direitos do Homem[4]; criar as condições necessárias que permitam ao Continente desempenhar o papel que lhe compete na Economia mundial e nas negociações internacionais; promover o desenvolvimento duradouro nos planos econômico, social e cultural, assim como a integração das economias africanas; promover a cooperação em todos os domínios das actividades humanas, de modo a elevar o nível de vida dos povos africanos[5]; coordenar e harmonizar as políticas entre as Comunidades Econômicas Regionais existentes e futuras, para a gradual realização dos objectivos da União; fazer avançar o desenvolvimento do Continente através da promoção da investigação em todos os domínios, em particular em ciência e tecnologia; trabalhar em colaboração com os parceiros internacionais relevantes na erradicação das doenças, susceptíveis de prevenção e na promoção da boa saúde no Continente[6].

           A União Africana precisa de reformas concretas, pontuais e eficazes, de modo a contribuir significativamente para o crescimento e desenvolvimento dos países Membros, porque do jeito que se encontra a actual estrutura organizativo-funcional da União Africana jamais conseguirá progredir ou ir adiante, jamais conseguirá exercer com eficiência as suas grandes funções e responsabilidades, e os constantes golpes de Estado, as constantes violações dos direitos humanos, dos princípios constitucionais e das leis ordinárias estatais tanto por parte dos governantes quanto por parte dos grupos terroristas, grupos de insurreiçao e mercenários, faz com que a África não dê passos relevantes seja a nível local, regional ou internacional.

3 - Tipos de golpes de Estado e os vários interesses por detrás desses golpes de Estado

Existe uma série de modalidade de golpes de Estado, a forma comum entre os golpes de Estado, são aqueles golpes executados por exércitos, por grupos militares, juntas militares, por mercenários e rebeldes. As revoluções populares são também formas de golpes de Estado, o autoritarismo judiciário pode ser considerado também uma forma de golpe de Estado, quando este órgão de soberania Nacional demonstra não ser mais a favor do dirigente da Nação, esta instituição através de manobras constitucionais estratégicas movidas nos bastidores por grupos de poderes e grupos de interesses, o dirigente democraticamente eleito ou não, pode ser derrubado ou afastado eminentemente das suas funções políticas[7].

Este último tipo de golpe de Estado acima referido não é muito comum nos regimes políticos (sobretudo nos regimes africanos), a prática comum de derrubar um governante é mesmo por via da força militar, terrorismo e revolução popular, apesar que nem mesmo as revoluções populares são assim tão frequentes no nosso Continente, com exepção da primavera árabe nos finais de 2010 e inícios de 2011 no Norte de África.

Os golpes de Estado não acontecem por a caso, os terroristas não existem por a caso, ninguém nasce terrorista, ninguém nasce kamikaze, é tudo um processo, as rebeliões e os mercenários também não existem por a caso, tudo é ensinado, tudo é programado e financiado por alguém, ou por grupos de poderes ou por grupos de interesses nacionais ou internacionais. Em política não existem a casos, por detrás de qualquer revolução existe sempre alguém que financia e apoia tal revolução, existe sempre quem traça tais manobras, tais tácticas e estratégias, há sempre alguém movendo as peças do xadrez através dos bastidores.

Um povo por si só tem muita força, mas por si só não tem assim tanta força ao ponto de derrubar um líder ou um ditador (somente em casos excepcionais), pra tudo isso é necessário que haja alguém apoiando tais revoluções, sejam elas revoluções populares ou sociais, revoluções militares ou políticas, postas em acção por grupos insurgentes ou por instituições de soberania, tais como o Parlamento, a Magistratura ou por intermédio dos partidos políticos com o objectivo de afastar ou promover esse ou aquele candidato hóstil ou preferencial. Por detrás disso tudo há sempre um actor principal comandando as coisas a partir das sombras, é assim que funciona a política, tudo é programado e financiado por alguém, tudo é milimetricamente calculado. Para um estratega político até mesmo os imprevistos devem jogar ao seu favor.

Os seguidores da “Teoria Elitista e do Realismo Político”[8] sabem exactamente como tudo isso funciona, sabem quais as estratégias, programas e dinâmicas de como vencer as eleições ou formas de como manter o poder tendo em conta os interesses em pauta. Os elitistas e os discípulos intelectuais e estrategas do realismo político conhecem os mecanismos dos bastidores envolvendo as lobby, os tráfico de influência e as tácticas de como manter o poder ou de como conquistar o poder em base as mais várias complexidades, fenómenos ou conjunturas político-sociais de um País.

4 - Falta de liderança, de democracia consolidada e de bom funcionamento das instituições como fundamento dos golpes de Estado em África

O mais grave nos recorrentes golpes de Estado em África é que após os golpes àqueles que ascendem ao poder no final acabam por piorar a situação social dos seus respectivos países, acabam por fazer pior em relação aos seus antecessores, demonstram serem duas vezes mais incompetentes em governar por não terem também estratégias para capultar os seus países em diferentes dimensões e direcções rumo ao crescimento e desenvolvimento econômico-social e tecnológico.

 A solução para o progresso em África não está em substituir os dirigentes através de golpes de Estado (actos anticonstitucionais), a solução está na necessidade de se ter grandes lideranças e de se reforçar o funcionamento das instituições, está na elaboração de programas concretos que visam os interesses nacionas e o bem-comum dos seus próprios povos, está na colaboração de todos os cidadãos partidários e à partidários, está na coordenação dos trabalhos da Nação por parte dos cidadãos competentes e responsáveis tendo como visão principal um «projecto de Estado».

Os golpes de Estado no nosso Continente são sinônimo de fracassos, tanto por parte daqueles que governam na base da força e do desrespeito da constituiçao e da lei quanto por parte dos executores dos golpes de Estado, no final ninguém consegue fazer melhor que o outro, por causa disso muitos países africanos simplesmente mergulham-se num caos profundo, por exemplo o Presidente do Congo Brazzaville Sua Excelência Dénis Sassou Nguesso, assumiu o poder em 1979, perdeu as primeiras eleições multipartidárias do Congo em 1992 mas voltou ao cargo em 1997 após fazer guerra civil, desde então, continua até hoje na presidência do seu País, no total está há 37 anos no poder, e permanecerá como Presidente por muito mais tempo visto que venceu novamente as eleições gerais de 2021.

Teodoro Obiang Nguema Presidente da Guiné Equatorial, subiu ao poder através de um golpe de Estado em 1979, fez golpe de Estado contra o seu próprio tio Francisco Macías Nguema, e é actualmente o Presidente que está a mais tempo no poder (43 anos) superando Muammar Gaddafhi 42 anos (1969-2011) e José Eduardo dos Santos 38 anos (1979-2017 anos). O Presidente Obiang pretende agora colocar no poder o seu filho mais velho Teodoro Nguema Obiang Mangue que é desde 2016 o seu Vice Presidente da República, um cidadão com vários crimes de branqueamento de capitais pelo mundo fora, alguém que leva uma vida de festas esbajando a riqueza do País no estrangeiro.

            Um outro caso é o Ex Presidente Robert Mugabe, depois de ter feito a revolução no Zimbabwe (a antiga Rodésia) ficou 37 anos no poder (1980-2017), saiu do poder através de um golpe de Estado em Novembro de 2017, um golpe de Estado executado por Emmerson Mnangagwa que na época era seu Vice Presidente desde 2014 e que antes tivera sido Chefe dos serviços secretos do Zimbabwe.

Também tem o caso do Presidente dos Camarões Paul Biya que está a 40 anos no poder (1982-2022), subiu ao poder do seu País fazendo uma série de conspirações contra o seu antecessor Ahmadou Ahidjo, que foi obrigado a renunciar o cargo de Presidente no dia 4 de Novembro de 1982 e dois dias depois Paul Biya assumiu a Presidência e até hoje permanece no poder, mesmo com 89 anos de idade e com grandes problemas de Saúde, Paul Biya não quer deixar o poder e agora pondera deixar os destinos dos Camarões nas mãos do seu filho Frank Biya. Uma outra figura é o Presidente do Uganda Yoweri Museveni, está no poder desde 1986 até e venceu mais uma vez às eleições presidenciais do seu País em 2021, obtendo 76% dos votos, deixando pra trás o seu principal oponente Bobi Wine.

            Poderíamos citar aqui tantos outros países africanos que têm casos semelhantes em relação aos países acima referidos, tudo isso para nos ajudar a reflectir que os nossos Estados além dos problemas dos golpes de Estado temos também graves problemas de liderança, tanto àqueles que de regra geral encontram-se no poder e tanto àqueles que fazem golpes de Estado e outras práticas ilegais para assumirem o poder, no final todos acabam por ser um grande fracasso. Os países acima citados e tantos outros do continente africano vivem situações complexas de miséria, violações dos direitos humanos, alto índice de analfabetismo, de prostituição, de mortalidade, etc.

5 - Proposta de um novo modelo de Políticas de Estado para África: Prospectivas de construção de um Projecto de Sociedade

Precisamos repensar a África elaborando novos mecanismos e projectos de sociedade, criando novas dinâmicas de crescimento e de desenvolvimento, colocando em primeiro lugar a Nação, deixando de lado as patologias das pertenças partidárias porque o mais importante é pensar o País, é pensar a Nação, é pensar em como progredir o Estado, isso de alguém pertencer ao Partido X ou Y não deve ser o critério primário para se ascender à um cargo público-institucional, o critério de base deve ser a competência, a responsabilidade e o espírito de patriotismo, tendo em mente os interesses nacionais, isso é trabalhar em prol do bem-comum.

Se a pessoa é do partido A ou B mas é competente deve sim ser promovido aos cargos mais altos da Nação, se é do partido mas não é competente não merece ser promovido, se a pessoa não pertence ao partido mas é competente de igual modo merece ser catapultado para as mais altas funções dentro do governo e dentro das diferentes direcções institucionais do aparelho do Estado. Tudo isso significa pensar o País, o País está acima dos partidos políticos e muito acima da militância partidaria, isso é sinônimo de progresso: quando os mais competentes assumem funções institucionais.

A União Africana é uma organização regional-internacional, é uma organização que tem tudo para dar certo mas as suas dinâmicas tanto políticas, diplomáticas, jurídicas e estratégico-militares não funcionam eficazmente, porque até o momento a organização não deu lugar à reformas, não submeteu-se à mudanças internas significativas e o Continente vive inúmeras complexidades e a União Africana não consegue mostrar-se capaz de dar solução à essas mesmas complexidades.

Mesmo quanto à Agenda da ONU de 2030[9] que é mais um Programa de intervenção global que tem como objectivos: a erradicação da fome, combate à miséria, melhoramento da instrução e da educação no mundo, desenvolvimento econômico-social, ciência, inovação, tecnologia, etc, o Vice Presidente Sénior do Banco Africano de Desenvolvimento, Sua Excelência Charles Boamah, já veio à público em 2019 dizendo que os países africanos precisam de 500 mil milhões de dólares (448 mil milhões de euros) para cumprirem com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ilustrando esta afirmação sob o pretexto de que vários países africanos têm dívidas acima do limiar de sustentabilidade, situação que piorou significativamente nos últimos sete a dez anos. Portanto esta justificativa do Vice Presidente Charles Boamah dá-nos a entender claramente que o Continente africano não conseguirá atingir às metas definidas pela Agenda de 2030 das Nações Unidas.

Já fiz referência aos golpes Estado, o Sudão é um desses casos complexos em África, houve golpe de Estado contra o ex Presidente sudanês Omar al-Bashir em Abril de 2019, o exército assumiu o poder e anunciaram em seguida que fariam a transição do poder aos civis num espaço de 3 anos, a verdade é que os golpistas depois de um tempo acomodaram-se no poder, fizeram uma série de dívidas públicas e externas, endividaram ainda mais o Estado, deram lugar à certas mudanças e reformas não racionalizadas e ineficazes, o País que já estava num caos sócio-econômico profundo veio a piorar duas vezes mais a sua instabilidade político-social, e dois anos depois isso é no mês de Outubro de 2021 o governo de transição (governo este que subiu através de golpe de Estado) sofreram também um outro golpe de Estado.

Lembrando que Omar al-Bashir deposto em 2019 também tivera subido ao poder através de um golpe de Estado em 1989. Subiu fazendo golpe de Estado, foi deposto também através de um golpe de Estado, aquele que o fez golpe de Estado também foi deposto com golpe de Estado. Esse tipo de prática em África tornou-se um ciclo vicioso, é uma prática que atrasa cada vez mais o crescimento do Continente porque no final ninguém faz melhor que o outro ao assumir o poder por vias inconstitucionais.

Temos também um outro problema que é o Malí, a junta militar que fez golpe de Estado em Maio de 2021 anunciaram em Abril de 2022 que farão a transição do poder aos civis num espaço de 24 meses, algo ainda pior fez o líder da junta militar que tomou o poder na Guiné-Conacri no passado mês de Setembro de 2021, o Coronel Mamady Doumbouya anunciou que o País voltará ao regime civil dentro de três anos, após uma transição de 39 meses[10]. Na verdade 39 meses é mais que 3 anos.

Não existem transições que duram um mandato ou quase um mandato (4-5 anos mandato normal), mais do que isso não são previstos pelo Direito internacional nem pela Carta Africana adotada em 2004 concernente à Democracia, Eleições e Governação. Golpistas de regra geral não entendem sobre Políticas de Estado nem sobre Administração Pública, e fica claro que em África os que tomam de assalto o poder através de golpes de Estado depois jamais manifestam vontade de deixar o poder nas mãos dos civis, pelo contrário, endurecem ainda mais a ditatura e a tortura, aumentam a perseguição contra àqueles que são de opinião contrária, causam uma série de mortes e prisões arbitrárias e adoptam uma postura de intolerância zero contra os seus oponentes.

Fica evidente que temos graves problemas de liderança, todos querem assumir a direcção do poder do Estado e quando chegam por lá acabam por fazer pior, em África isto é um facto, sempre foi assim desde as independências dos seus respectivos países e até hoje significativamente nada mudou, pode-se até notar uma e outra mudança ou melhoria nesse ou naquele País, é o caso do Rwanda que está dando passos importantes.

 Paul Kagame antes de se tornar Presidente foi líder de grupos mercenários (grupos paramilitares, rebeldes), ele nasceu no Rwanda mas grande parte da sua adolescência e juventude viveu no Uganda, depois foi recrutado pelos Estados Unidos onde foi-lhe ensinado tácticas de guerra, mais tarde regressou ao seu País com missão de assumir o poder através de mecanismos de sabotagem, guerra e conspiração.

Paul Kagame é alguém que estudou pouco, nunca esteve numa Universidade militar como tal, não é um académico mas teve treinamentos militares e depois de uma série de dinâmicas conspiratórias antes e depois do genocído entre as etnias Hutus e Tutsis no ano de 1994 onde morreram aproximadamente 800 mil a 1 milhão de Tutsi, veio a ser mais tarde Presidente da República do Rwanda.

 Kagame é da etnia Tutsis, depois deste triste episódio que ocorreu entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 ocupou funções de Vice Presidente e de Ministro da Defesa, em 2000 conseguiu chegar à Presidência do seu País, em seguida isto é em 2015 mudou a constituição de modo a lhe permitir a estar no poder até 2034. Durante todos esses anos como Presidente algumas mudanças e melhorias são evidentes no Rwanda comparando com outros Estados africanos, e tal igual aos outros países do Continente o Rwanda tem também problemas de violações dos direitos humanos, perseguição aos de opinião contrária ao regime, intolerância política, prisões arbitrárias, etc.

6 - Conclusão

Os actos inconstitucionais em África (mudanças das leis constitucionais, das leis ordinárias com intuito de se permanecer no poder) e os actos anticonstitucionais (os golpes de Estado, as revoltas populares financiadas por lobby e por grupos de interesses nacionais e internacionais) não são os melhores caminhos a seguir rumo ao crescimento e ao desenvolvimento do Continente, o caminho a seguir é mesmo o apostar cada vez mais na formação de qualidade a favor dos cidadãos nacionais, aplicar o critério da meritocracia, atribuir funçoes de Estado aos mais competentes e qualificados e à todos os filhos da Nação que pensam antes de tudo nos interesses do Estado, aos africanos que tenham ambição de progresso e ambição de mostrarem resultados que possam enaltecer os seus respectivos países na arena internacional.

Um cidadão deve estar pronto para dar o seu contributo ao seu País, isso não é uma opção, é um dever moral e patriótico[11], todos devem contribuir em prol da própria Nação em base as suas competências, talento e faculdades intelectuais. Um cidadão patriota não deve dizer não ao seu País caso for chamado para dar o seu contributo, pelo contrário, de forma imediata deve dizer sim, porque nada está acima da Nação, primeiro a Nação só depois os nossos interesses pessoais. Devemos estar todos em prontidão e 100% disponíveis para defender o nosso Estado, e nesse processo todo, obviamente é necessário que haja oportunidades porque sem oportunidades é impossível alguém dar o seu contributo, tudo isso é sinônimo de cidadania e de patriotismo.

A União Africana deve servir-se de Guardiã dos Estatutos e dos regulamentos fundativos da organização, deve servir-se de veículo de cooperação estável e eficiente entre os seus Estados Membros, fazendo respeitar os princípios e as normas institucionais, e tendo em conta os constantes golpes de Estado no Continente africano e tendo em conta também aos actos recorrentes de corrupção no Continente e o desrespeito dos direitos humanos, é obrigação da União Africana apelar aos países Membros o respeito da Carta Africana sobre a Democracia, Eleições e Governação, sendo que que esta Carta estabelece os seguintes objectivos e finalidades:

Promover a adesão de cada Estado Parte aos valores e princípios universais da democracia e do respeito pelos direitos humanos; promover e fortalecer a adesão ao princípio do Estado de Direito baseado no respeito e supremacia da constituição e da ordem constitucional da organização política dos Estados Parte[12]; promover a realização de eleições transparentes, livres e justas de modo a se institucionalizar a autoridade e a governança legítima, bem como mudanças democráticas no governo; proibir, rejeitar e condenar qualquer mudança inconstitucional de governo em qualquer Estado Membro como forma de ameaça à estabilidade, à paz, à segurança e ao desenvolvimento; promover e proteger a independência do poder judiciário[13]; estabelecer, fortalecer e consolidar a boa governação promovendo a prática e a cultura democrática, construindo e fortalecendo as instituições governamentais promovendo o pluralismo político e a tolerância; incentivar a coordenação e a harmonização efectiva das políticas de governação entre os Estados Parte, com o objectivo de promover a integração regional e continental; promover o desenvolvimento sustentável dos Estados Parte e a segurança humana[14]; promover a prevenção e o combate à corrupção de acordo com as disposições da Convenção da União Africana para a Prevenção e Combate à Corrupção adoptada em Maputo, Moçambique, em Julho de 2003; promover a criação das condições necessárias para facilitar a participação dos cidadãos, a transparência, o acesso à informação, a liberdade de imprensa e a responsabilidade pela gestão dos assuntos públicos; promover o equilíbrio e a igualdade de gênero nos processos de governação e desenvolvimento[15]; reforçar a cooperação entre a União, as Comunidades Económicas Regionais e a Comunidade internacional nos domínios da democracia, eleições e governação; promover as melhores práticas na organização de eleições para a estabilidade política e boa governação[16].

A União Africana deve procurar formas de fazer valer os mais nobres princípios dos seus Estatutos e regulamentos, caso contrário, os actos inconstitucionais e anticonstitucionais no Continente continuarão sendo um facto preocupante.

Desde 2017 até 2022 tiveram lugar em África 9 golpes de Estado (2017 golpe de Estado no Zimbabwe; 2019 e 2021 golpes de Estado no Sudão; 2020 e 2021 golpes de Estado no Malí; 2021 golpes de Estado no Níger, na Guiné Conacri e no Tchad; 2022 golpes de Estado no Burkina Fasso e tentativa de golpe de Estado na Guiné Bissau). Esses e outros factores graves no Continente são motivos mais que suficientes pelo qual a União Africana deveria pensar num mencanismo de Defesa e Segurança que engloba todos os Estados Membros, ou seja a União Africana deveria reflectir seriamente na criação de um Exército comum africano, porque é evidente que as diferentes regiões africanas (África Setentrional ou do Norte, África Ocidental, África Central, África Oriental e África Meridional ou Austral) por si só não conseguem solucionar os desafios complexos relacionados à Segurança, é necessário uma força conjunta muito maior e forte capaz de fazer frente à quaisquer situações, havendo um Exército comum bem projectado, gerido e dinamizado pelos Estados Membros, possivelmente os problemas de insegurança que assola o Continente não seriam assim tão acentuados.  

Em política tudo é programado, nada acontece da noite por dia, quando um povo se revolta é porque houve preparação pra tal, quando um político faz alianças ele o faz por causa dos seus interesses e objctivos, nada é feito por a caso, e não existindo a casos em política, tudo deve ser bem delineado, traçado, projectado e executado. Estratégias!

7 - Referências Bibliográficas

Acto Constitutivo da União Africana, de 11 Julho de 2000.

Anne M. Simmons (13 de maio de 2000). «Background: Sierra Leone». Los Angeles Times.

Akam, Simon (2 de fevereiro de 2012). «The vagabond king»New Statesman.

Bangura, Joseph J.; Mustapha, Marda (29 de abril de 2016). Democratization and Human Security in Postwar Sierra Leone: Palgrave Macmillan US. p. 22.  

Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 28 Junho de 1981.

Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governança, de 2004.

Enciclopedia Treccani. “Teoria delle Elite”: Consultado em 14 de Maio de 2022.

Michelle Faul (30 de abril de 1992). «Sierra Leone Chief Ousted In Military Coup  President Flees; Officers Claim Control»The Seattle TimesAssociated Press.

Mosca, G., Teorica dei Governi e Governo Parlamentare, Torino 1884.

Mosca, G., Elementi di Scienza Politica, Roma 1896; 2ª Ed. ampliata, Torino 1923.

Moyser, G., Wagstaffe, M., Research methods for Elites Studies, London 1987.

Pareto, V., Les Systèmes Socialistes, Paris 1902 (tr. it.: I sistemi socialisti, Torino 1974).

Pareto, V., Trattato di Sociologia Generale, Firenze 1916.

Quarenta, Leonardo. 2021. Il Ruolo dell’Unione Europea e dell’Unione Africana nella Tutela dei Diritti Fondamentali. Roma, Italia: Pontificia Università San Tommaso d’Aquino, Angelicum.

United States Department of State (31 de janeiro de 1993). «Sierra Leone Human Rights Practices, 1993».

[1] Cfr. Folha de São Paulo, matéria da France Press, publicada no dia 23/12/2008

https://m.folha.uol.com.br/mundo/2008/12/482691-veja-a-cronologia-dos-golpes-de-estado-na-africa.shtml;https://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL933083-5602,00-GOLPES+DE+ESTADO+PRATICADOS+NA+AFRICA.html, visto pelo investigador no dia 14 de Abril de 2022 e 21 de Abril de 2022.

[2] Cfr. Art. 3, lett. a), b) Acto Const. UA

[3] Cfr. Idem, lett. c), d), e) Acto Const. UA

[4] Cfr. Idem, lett. f), g), h) Acto Const. UA

[5] Cfr. Idem, lett. i), j), k) Acto Const. UA

[6] Cfr. Idem, lett. l), m), n) Acto Const. UA

[7] O Impeachment é o caso típico destas destituições dos Altos dirigentes de um País por via de julgamentos político-jurídicos instaurados pelos tribunais superiores ou pelo Parlamento do Estado, na sequência de um queixa-crime de auto-traição à Pátria ou crimes de responsabilidades de Estado cometidos pelo Executivo, por governadores, por prefeitos ou por outros membros da Administração pública. Independentemente dos actos criminais que estes dirigentes tenham cometido, todo impeachment acarreta consigo motivações políticas, conspirações, lobby e grupos de interesses. Um dos exemplos claro é o caso da Ex Presidente do Brasil Dilma Rousseff destituita da Presidência em 2016 através de um Impeachment, acusada por crimes de responsailidade, depois o Ex Presidente Lula da Silva que foi preso em 2018 por crimes da Lavo Jato (acusado de corrupção, acusado de ter recebido propinas para favorecer grupos de empresários), mais tarde isto é em 2021 foi absorvido de todas as acusações e agora pode concorrer novamente à Presidência do Brasil, depois de ter ficado de fora das eleições de 2018 contra o actual Presidente Jair Bolsonaro.

[8] Para uma leitura mais profunda e detalhada sobre a teoria elitista e sobre o realismo político recomenda-se: Vilfredo Pareto (1848-1923) sociólogo, cientista politico e economista francês; Gaetano Mosca (1858-1941) jurista, cientista politico, historiador e politico italiano; e Roberto Michels (1876-1936) sociólogo e Politólogo alemão naturalizado italiano. Niccolò Machiavelli (1469-1527) historiador, filósofo, escritor, dramaturgo, político e diplomata italiano e 2º chanceler da República Florentina de 1498 a 1512. Para os elitistas apenas uma elite política organizada é capaz de gerir uma sociedade, tornando-se fundamental para o seu pleno funcionamento e desenvolvimento. A teoria das elites tem duas dimensões principais: uma sociológica e outra propriamente política.

Na tradição sociológica secondo Pareto: “as elites se manifestam de várias maneiras, de acordo com as condições de vida econômica e social segundo o qual a conquista da riqueza entre os povos comerciantes e industriais, o sucesso militar entre os povos guerreiros, a capacidade política e muitas vezes o espírito de intriga e baixeza de carácter entre as aristocracias, democracias e demagogias, sucessos literários entre o povo chinês, a aquisição da dignidade eclesiástica na Idade Média [...] através das qualidades, competências e onores são feitas as selecções dos homens" (Cfr. Pareto, 1902; tr. it., p. 163).

Na tradição política, em que se utiliza especificamente a expressão elite do poder, o objecto da investigação coincide antes com a distribuição do poder político definida como a possibilidade de tomar e impor, mesmo com recurso à força, decisões válidas para todos os membros de uma comunidade. Nesse sentido, a formulação mais clássica da teoria foi ditada por Gaetano Mosca na sua pesquisa definida como “Elementos da ciência política” (1896), segundo Mosca: “em todas as sociedades, começando pelas mais medíocres e aquelas que acabaram de chegar ao início da civilização, até as mais cultas e as mais fortes, há duas classes de pessoas, a dos governantes e a outra dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, cumpre todas as funções políticas, monopoliza o poder e usufrui das vantagens que lhes são associadas; enquanto a segunda, a mais numerosa, é dirigida e regulada pela primeira de forma mais ou menos legal, mais ou menos arbitrária e violenta, e fornece, ao menos aparentemente, os meios e os materiais de subsistência e os meios necessários à utilidade do organismo político” (Cfr. Mosca, 1923, p. 52). Em toda e qualquer área de uma sociedade existe uma elite, e todos àqueles que se destacam em sua área por competência, inteligência, poder econômico, poder social ou poder politico formam uma elite, uma elite formada por aqueles indivíduos com maior conhecimento, status e poder dentro do seu ramo de actividade. Dentre essas elites temos a elite politica, a elite econômica, a elite social e cultural, sendo que todas essas elites influenciam de maneira direta ou indireta, na organização, gestão, na cultura e até na intelectualidade de toda uma Nação. Muitas vezes os indivíduos presentes em uma dessas elites, estão presentes também nas outras, isso porque o poder de uma transpassa para as demais. Toda e qualquer elite é constituída por um grupo restrito de pessoas.

[9] Cfr. A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de setembro de 2015, adotou a Agenda 2030 em Nova York (EUA), cujos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals – SDG) e 169 metas relacionadas entre si, definem a intervenção para políticas de desenvolvimento em diferentes países a nível do Mundo.

[10] O Presidente da Comissão da CEDEAO Jean-Claude Kassi Brou, condenou a postura das juntas militares do Malí e da Guiné Conacri. Jean-Claude “rejeitou veementemente a proposta da junta militar no poder da Guiné-Conacri de devolver o País à democracia num prazo de 36-39 meses. Disse ainda: as melhores transições são as mais curtas possíveis. Uma transição que sai de um golpe militar não é um mandato eletivo, disse Kassi Brou à televisão Africa24. Na visão de Jean-Claude Kassi Brou o fundamento de uma transição não é o de proporcionar o contexto para que o País faça todas as reformas de que necessita, mas para assegurar a realização de eleições livres, transparentes e credíveis”.

Cfr.https://radiojovem.info/2022/05/18/cedeao-rejeita-prazo-de-36-meses-para-transicao-na-guine-conacri/;

https://www.dw.com/pt-002/mali-junta-militar-desafia-cedeao-e-avan%C3%A7a-para-transi%C3%A7%C3%A3o-de-dois-anos/a-61551693; https://www.rfi.fr/pt/%C3%A1frica/20220501-junta-militar-na-guin%C3%A9-conacri-anuncia-per%C3%ADodo-de-transi%C3%A7%C3%A3o-de-39-meses 

[11] Vários são os deveres de um cidadão, somente para citar alguns:

1 - Escolher os governantes do País através do exercício do voto ou referendum popular;

2 - Obedecer a constituição e a lei;

3 - Proteger omeio ambiente e todo património público-social;

4 - Respeitar os direitosde outras pessoas;

5 - Pagar impostos (taxas, contribuições tributárias e outras previdencias previstas pela lei);

6 - Educar e proteger os seussemelhantes:

7 - Proteger a Nação dos inimigos internos e externos;

8 - Respeitar a bandeira e o hino Nacional;

9 - Usar os serviços públicos e respeitar as autoridades legitimiamente eleitas;

10 - Respeitar as regras de tolerância e de cortesia no relacionamento com outros cidadãos.

[12] Cfr. Art. 1, par.1-2 Carta Africana sobre a Democracia, Eleições e Governação

[13] Cfr. Idem, par. 3-5.

[14] Cfr. Idem, par. 6-8.

[15] Cfr. Idem, par. 9-11.

[16] Cfr. Idem, par. 11-13.

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