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Quinta, 27 Mai 2021 21:01

O Eng. Geremias Chitunda não morreu em combate."

Nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992, o povo deu prova de civismo, disciplina e maturidade durante o acto de votação daquelas que ficaram para a história como as eleições mais turbulentas que o país já teve.

Com a aderência massiva às urnas o povo deu mostras de que estava disposto a enterrar o passado e a escolher um novo destino para uma nação que depois de ser recebida das mãos do colonizador, não conseguiu deitar o seu cordão umbilical muito menos liberar as tantas concertações de dióxido de carbono que obstruíam as suas artérias para dar lugar ao oxigênio. Com tudo, houve mesas de voto fantasmas, violação pura da lei eleitoral durante o acto de votação, no apuramento e na fiscalização dos resultados.

A comissão Nacional de Eleições (CNE) não foi capaz de fornecer, com razoável precisão, os dados do escrutínio, garantir a segurança dos boletins de votos, nem tão pouco soube justificar as discrepâncias entre os boletins de votos encomendados, os utilizados e os restantes. Na noite de 29 para 30 de Setembro, falhou a energia eléctrica em Luanda, Huambo, Malange, Benguela e noutras capitais provinciais do país, o que causou o colapso do sistema informático de gestão de dados da CNE e permitiu à polícia, em muitas localidades, assumir a custódia das urnas e dos boletins de votos durante anoite. Quando o processo foi retomado 24 horas depois, sabia Deus o que se tinha passado com as urnas. Umas foram encontradas nas matas, provavelmente deixadas lá a partir do ar, outras o mar se encarregou de as publicar, trazendo-as nas praias pela honestidade das ondas.

No dia 2 de outubro, alguns partidos participantes do processo incluindo Daniel Chipenda e Holden Roberto, emitiram uma declaração pondo em causa a integridade do processo eleitoral. No entanto a Unita realizou varias consultadas, incluindo ao Secretário Geral da ONU, Boutros–Ghali, a Herman Cohen e a outros partidos políticos concorrentes no processo, depois das quais Jonas Savimbi resolveu obrigar a direção da Unita e os Militares a aceitar os resultados eleitorais. Na verdade, na sua resolução 793 de 17 de outubro daquele ano o concelho de segurança da ONU, reagia tomando boa nota, da aceitação dos resultados eleitorais por parte do Dr. Savimbi. Apartir daí ficou então acordado, que a Unita e o governo iniciariam negociações tendentes a resolver a crise pós-eleitoral que se vivia e definir o quadro que conduziria à realização da segunda volta das eleições presidenciais ora inconclusivas.

O Eng. José Eduardo dos Santos resolveu então mandatar o General França «Ndalu» que acabava de substituir Lopo do Nascimento nas questões sobre os acordos de Bicesse, para ir levar uma mensagem com iniciativas de negociações no sentido de se concluir a segunda volta das eleições presidenciais. No dia 19 de outubro de 1992 o Dr. Savimbi reuniu-se com o general «Ndalu», tendo discutido o quadro geral e a posição de Luanda para retomada das negociações. Foi neste âmbito que o Dr. Savimbi enviou uma delegação na última semana de outubro a Luanda, chefiada por Jeremias Kalandula Chitunda, integrada por Alicerces Mango, Salupeto Pena e Eliseu Chimbili e Abel Chivukuvuku na altura Secretário dos Negócios Estrangeiros.

Nos dias negociais, o ambiente ficou pesado na sede da CNE, marcado por acusações e contra-acusações das partes que pareciam ter fechado as portas de saída no interesse de encontrar culpados. Havia um clima de incertezas e profundas ansiedade no rosto dos negociadores. No dia 28 o governo respondeu favoravelmente a Unita. No dia 29, produziu-se um documento-síntese que o General “Ndalu” levou para aprovação do Bureau Político, nem ele, nem o documento, nunca mais regressaram. Nos dias 30 e 31, a delegação do MPLA foi dirigida pelo super Vice-ministro do Interior Fernando da Piedade Dias dos Santos «Nando».

As coisas pareciam correr deliberadamente bem a ponto de se projectar um acordo na tarde do dia 31. Ao invés de acordo, caiu o céu, Bandos de criminosos e civis armados, em coordenação com a polícia e forças militares, desencadearam uma verdadeira chacina dos negociadores e dirigentes do outro lado. A caças bruxas que se seguiu visou nitidamente gente do planalto e do Norte que vivia em Luanda em operação que não perdoou as estruturas partidárias.

Em 31 de outubro e 3 de novembro, milhares de angolanos, incluindo negociadores, foram mortos a tiro, à pancada, e por outras formas, por terem exercido o direito de escolha no quadro dos seus direitos cívicos. Tanto a TPA como o Jornal de Angola, tiveram o desplante de publicar imagens de cadáveres de concidadãos tratados de forma desumana, outros abandonados a putrefação nas ruas da capital, outros incinerados depois de embebidos a gasolina. Naqueles dias a civilização, a ética, e a moral foram suspensas, impondo-se o caractere animal do homem.

A casa Branca alertou apartir do Huambo, que poupassem o Chitunda como homem e que na história da humanidade nunca se assassinou negociadores, apesar disso, eram todos diplomatas que nunca tinham estado nas linhas de combate a comandar batalhões e nunca se pode matar um diplomata. Alertou também as Nações Unidas, que tinha informações de que o Eng. Chitunda, o Eng. Salupeto e o General Alicerces Mangos encontravam-se presos e vivos e pediam a intervenção da representante do Secretário Geral da ONU, Margareth Asteen, para sua intervenção no sentido de serem poupados como homens.

Depois de perceber-se que foram todos mortos, Savimbi disse que nunca mais queria ver o «França Ndalu» e que não era um homem de palavra. José Eduardo dos Santos viu-se obrigado a substituir novamente Fernando da Piedade Dias dos Santos «Nandó» por Fernando Faustino Muteka na equipa de negociadores do MPLA e foi este último que ao lado de Venâncio de Moura viriam assinar o protocolo de Lusaka, Faustino Muteka foi dos poucos que ao lado do General Higino carneiro ainda eram periodicamente recebidos no Andulo e Bailundo para discutir questões ligadas a extensão da administração do Estado entre os anos 1995 a 1997.

Por Herculano Kaká

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