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Terça, 25 Mai 2021 00:51

30 anos depois do multipartidarismo, quem atira, hoje, a primeira "pedrada”?

No passado dia 6 de Maio, o nosso colega e conhecido Professor Dr. Raul Araújo, líder do Centro de Estudos do Direito Público da Universidade Agostinho Neto, fez, muito pertinentemente, questão de nos rememorar os 30 anos  de Multipartidarismo, em Angola, escolhendo para esse dia a proclamação da Associação de Investigação e Promoção do Direito Constitucional de Angola, que ele próprio encabeça e, a seguir, promoveu um debate que moderou, Online, sob o lema “30 anos de Multipartidarismo e de Estado Democrático e de Direito em Angola – retrospectiva e balanço.”

Eu fui o mais velho dos três prelectores, o que representava a classe política no activo, por altura das discussões sobre o estabelecimento formal do multipartidarismo, dentro do MPLA (ainda MPLA-partido do Trabalho). Outros prelectores: Dr. José Maria (“jovem turco” de então, como lembrou e bem, Raul Araújo) jurista e actual deputado do MPLA e na altura do estabelecimento do Multipartidarismo, deputado da finada Assembleia do Povo que legislou sobre a matéria; Dr Leandro Ferreira, “menininho”, por alturas do momento rememorado, mas, hoje, por hoje, destacado e sério cultor do Direito de que é professor universitário.

O deputado José Maria deslindou uma acta dos precedentes e da efectivação, com surpreendente registo dos protagonistas de então, do histórico advento do multipartidarismo, tão exaustiva quanto esclarecedora, que se recomendou a sua categorização como documento de destaque no Centro de Estudos. No que me diz respeito, pessoalmente, ouvi este depoimento bastante reconfortado pelo facto de ter ouvido alguém que, de forma tão clara, destacou o papel activo que exerci nessa altura, dentro da direcção do MPLA e da Assembleia do Povo, quando teimosamente, ainda hoje, se ouvem vozes a salientar que o meu engajamento crítico só surge sempre que sou afastado de posições estatutariamente vantajosas, dentro do actual sistema.  Do jovem Professor Leandro Ferreira fixei a lapidar ideia, aliás, muito perto do que tenho defendido: não haverá solução económica e social sem uma estabilização nacional, inscrita, de algum modo, nos desígnios do nosso constitucionalismo multipartidário (não usei aspas por não ter utilizado as palavras exactas de Leandro Ferreira).

Eu intervim na linha do meu conhecido “constitucionalismo pragmático”, em constante fuga à posição dos que entendem que uma “boa constituição escrita” é apanágio para a “felicidade que todos nós queremos”. Nesta linha de pragmatismo jurídico-político, inscreve-se também a minha ideia de que, actuando a vida do presente para o futuro e não para o passado, o nosso foco devia voltar-se para o que está a acontecer hoje, no nosso real-constitucionalismo multipartidário. Na video-conferância que estamos aqui a referir, onde, como lamentei, deveríamos contar também, na prelecção, com elementos não conotados com a “família MPLA” (porque Direito Constitucional e Ciência Política dificilmente estarão dissociados do debate político – penso eu) falou-se muito da responsabilidade da UNITA e de Jonas Savimbi na desestabilização do sistema democrático em Angola, especialmente ao recusar os resultados das eleições de 1992, e partir para a guerra pós-eleitoral. Foi salientado, e com toda a razão quanto a mim, que nessa altura, em vista ao então recente desmantelamento da União Soviética, o mundo ocidental torcia de forma cega e doentia, por uma vitória da UNITA a qualquer preço, confiados na chamada “teoria dos números étnicos” e no suposto desgaste dos créditos do MPLA.  Neste sentido, por várias vezes, sublinhei a atitude sensata do então presidente José Eduardo dos Santos que tinha proposto um período mais dilatado para a transição, olhando para as lições de Alvor, o que foi rejeitado in limine, porque tido como uma atitude ditada pelo instinto de conservação do poder.

Pouco se falou, na vídeo-conferência, do que está acontecer neste momento e sobre quem será responsabilizado, amanhã, pela sabotagem que está a ser novamente feita ao Futuro. Alguém disse, e muito bem (não fixei a autoria), que nós anexamos, nas nossas viaturas, retrovisores maiores que os nossos para-brisas. E nestes retrovisores só vemos os males que os “outros” fizeram no passado.

Poucos saberão que uma das cenas mais temerárias que protagonizei, em 1992, ante cotoveladas de colegas do Secretariado do MPLA de então, que me queriam ver calado, no antigo edifício do parlamento nacional, foi quando pedi a palavra e referi, como Secretário Geral do MPLA, diante de Margareth Anstee, representante das Nações Unidas no processo de paz pós- Bicesse, que a UNITA estava atirar a “primeira pedra” para uma guerra cujas consequências seriam imprevisíveis. Respondia a afirmações de representantes da UNITA na sala, e não só, de que se se continuasse a divulgar os resultados das eleições que davam vitória clara ao MPLA, poderia acontecer a “somalização de Angola” ou a sua “transformação em pó”. Curiosamente, seria ainda eu, já como Secretário Executivo da CPLP, que sofreria as consequências políticas, dentro MPLA, por se achar que afirmações que eu fazia dentro daquela organização internacional sobre a necessidade imperiosa do estabelecimento da paz em Angola, contrariavam o “sagrado” princípio do “fazer a guerra para acabar com a guerra” definidas, então, pelo regime angolano.

Hoje, quase trinta anos depois dessa cena de que fui protagonista, constata-se que o partido fundado por Jonas Savimbi ultrapassou muitas das dificuldades de adaptação que lhe advinham de longos períodos nas matas, de armas na mão. Seus líderes moldaram-se aos novos condicionalismos que a convivência democrática e urbana impõe. Mas, para a desgraça de Angola, é agora o MPLA que, utilizado como pomo da discórdia, vai atirando pedradas contra um futuro que parecia já promissor, depois de tantos cansaços.

Se o problema é manter o poder, como abandonar a via mais fácil para atingir esse desiderato, quando a abertura, a transparência e o aparente fair-play inicial grangeou tanta popularidade ao novo Presidente e ao seu partido para, de repente, se adoptarem atitudes de pura sabotagem da estabilização política e social que devia ser a prioridade das prioridades? Difícil entender esta política de terra queimada na comunicação social pública e no sistema judicial contra a oposição política, não ainda terminada a guerra fratricida desencadeada contra os próximos do antigo presidente do próprio MPLA, proclamado seu Presidente Emérito, em que não se olha, sequer, para as consequências desestabilizadoras de ordem económica e social, por alguns mesmos dos indivíduos, que ainda há pouco teciam loas loucas ao antigo timoneiro. Haja bom senso, por favor!

Por Marcolino Moco

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