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Terça, 25 Agosto 2020 23:52

Deixem-no governar

A ciência histórica terá a seu tempo o papel de analisar com rigor o que se passou em Angola, sobretudo depois do fim da guerra civil. Mas como se diz, o jornalismo é a história do nosso tempo e vai daí a sua notável preocupação com o que é actual.

A História e o jornalismo partem, contudo, de uma mesma premissa: da análise, da interpretação objectiva e da divulgação dos factos.

E como o jornalismo se ocupa, portanto, do que é actual, faz todo o sentido olharmos para a dramática realidade que nos assiste, num tempo onde todos concordamos, a fortiori, que houve muitos erros decorrentes da acumulação primitiva de capitais, por muito que se possa apregoar a bondade histórica da sua intenção. Não basta por isso que houvesse boa intenção. Era nobre e importante que pudéssemos mesmo corrigir o legado histórico da colonização e o fardo material e imaterial da guerra civil.

Mas está a ser ainda mais importante o processo de normalização das instituições iniciado no consulado do Presidente João Lourenço eleito há precisamente três anos tendo como uma das suas principais bandeiras de campanha o combate à corrupção, cujos resultados inegavelmente começam a vir à superfície.

Podemos discutir os métodos mas iremos convergir quanto à bondade da sua iniciativa no sentido em que ninguém fica isento deste combate. O colarinho branco e o ladrão de botijas. E os casos começam a acumular-se. Os órgãos judiciais vão cumprindo o seu papel. E alguns sectores começam também a revelar grande desconforto, por serem os visados, e procuram com isso levar a população em campanhas de desinformação, retirando-as do debate essencial.

Um colega tem dito e bem: vivíamos uma espécie de panela de pressão e agora é importante que seja feita a abertura de forma pausada e controla para evitarmos danos maiores.

Isso explica grandemente o afã das pessoas em todos chacinarem publicamente. Tornamos a suspeição uma verdade. Deixamos de lado o contraditório e tornamos tudo o que é feito pelo poder necessariamente tóxico.

O escritor e jornalista espanhol Arturo Perez Reverte escreveu recentemente um artigo com análise ao que se passa hoje em Espanha com a saída do Rei Juan Carlos, acusado de crimes graves de corrupção. Mas o que ele chama a atenção à classe política espanhola é o seu falso moralismo e a sua condição de verdadeiros rendistas, num país construído grandemente pelo trabalho do antigo Rei.

O que me chamou atenção foi a sua advertência quanto ao falso moralismo, os excessos e as mesquinhices. É isso que eu noto ocorrer muitas vezes no nosso seio, particularmente nas redes sociais onde muitas vezes ouvimos pessoas que mal sabem dos factos em si e partem logo para os juízos apriorísticos, quantas vezes de forma ríspida mas injusta. Pessoas desinformadas e mal-formadas, o que obviamente condiciona a sua análise dos factos. De fraca leitura mas farto senso-comum.

Por isso, numa altura em que entramos para a segunda e derradeira fase deste mandato presidencial é importante olharmos para o ponto de partida. Revisitar a batuta. O que era Angola em 2017. O que é Angola hoje. E eu não tenho dúvidas do quão descredibilizados estávamos aos olhos do mundo, que nos tinha meramente como pessoas sem reserva de valores, sem princípios, sem moral. Tinha-nos como um país degradado, à beira do caos em termos económicos e sociais.

Esse drama é tanto maior quando olhamos para o impacto social e económico da Covid-19. Esse drama é tanto maior quando olhamos para o que se passa no mercado de futuros, sobretudo para commodities como o petróleo e diamantes. Esse drama será tanto maior se não estivermos unidos enquanto Nação sobre objectivos comuns.

É claro que a esperança deixou de ser moribunda quando todos percebermos que não poderíamos persistir no caminho do endividamento. É claro que o quadro está a mudar em matéria de produção agroalimentar e deixamos de importar nos níveis do passado. É claro que temos um caminho longo em termos de melhoria do sistema de saúde, do ensino e escolaridade, do combate à precariedade, mediante um sistema de protecção e solidariedade social mais justo e que atenda de facto às necessidades das pessoas que, vergonhosamente para nós, ainda dependem do contentor de lixo para ter alguma coisa no estômago. Neste sentido, a Segurança Social precisa fazer mais do que pagar os soldos dos pensionistas.

Com base na confiança das urnas e, não obstante aqueles de inside que tentam morder-lhe os calcanhares, vai um apelo: deixem-no governar e avançar com a agenda de reformas ingentes e necessárias para restabelecer em definitivo o papel das instituições. Como atestam os reputados economistas Daron Acemoglu e James Robinson em 2012, no seu best-seller “Porque Falham as Nações” são as instituições políticas e económicas que estão na base do êxito de qualquer país. É preciso que elas sejam inclusivas (não de rapina) e pensadas para a sociedade no geral e não apenas para grupos sectários.

Ao mesmo tempo, quero dizer, um Presidente que se mantenha na sua linha inicial, próximo dos cidadãos, estes que o elegeram, e que não se deixe levar pelas armaduras nem confinado ao Palácio. No fundo, humanizado e atento aos fenómenos do quotidiano, em constante diálogo com as forças da sociedade.

Por Adebayo Vunge / JA

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