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Terça, 14 Outubro 2014 09:11

Eleições em Moçambique podem ser as primeiras em África quase "à prova" de fraudes

As eleições multipartidárias tornaram-se numa norma bem estabelecida e respeitada em todos os países africanos. O desaparecimento (e até mesmo a proibição formal) do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), na Rússia, em 29 de Agosto de 1991, terminou com a era dos estados de partido único e o despotismo em África. As eleições de 15 de Outubro 2014 em Moçambique poderão trazer mais uma estreia constitucionalista em Africa.

As eleições presidenciais e parlamentares de 2014 em Moçambique poderão ser as primeiras no continente em que as manipulações fraudulentas vão ser quase impossíveis.

Todos os órgãos da organização e supervisão eleitoral incluirão um número igual de representantes do governo e da oposição. Mais importante ainda, todos os apuramentos de resultados vão ser feitos e imediatamente divulgados ao nível das assembleias de voto. O enchimento de urnas e as contagens secretas ao nível central com medidas "correctivas" e de contagem “selectiva" vão ser uma coisa do passado.

As eleições anteriores, não só em Moçambique, têm sido marcadas pela exclusão de milhões de boletins de voto da oposição. Urnas de áreas com fortes apoios à oposição rotineiramente desapareciam e até uns 15% dos votos da oposição eram simplesmente declarados “nulos” e excluídos da contagem.

Para as eleições de 2014, a oposição tinha-se recusado participar, a menos que a lei eleitoral e os procedimentos administrativos fossem devidamente reformados. Eventualmente, depois de uma campanha de desobediência de um ano que frequentemente se tinha tornado violenta, o governo do antigo partido único Frelimo cedeu a todas as reformas eleitorais exigidas pela oposição, a sociedade civil e as igrejas em Moçambique.

A reforma eleitoral de Fevereiro 2014 abriu o caminho para a assinatura dum Cessar Fogo em Maputo no dia 5 de setembro de 2014, entre o chefe de estado cessante Armando Guebuza e seu inimigo de mais de 30 anos, o líder da oposição Afonso Dhlakama. A Renamo de Dhlakama comprometeu-se a render os seus mais de mil homens armados a uma missão de observação internacional, que dará início aos seus trabalhos logo após as eleições de outubro.

Mas a Renamo poderá ganhar? Mesmo tendo em conta as distorções grandes e significativas nos resultados das eleições anteriores, o apoio real à Renamo em Moçambique nunca ultrapassou os 40%. O apoio da Renamo diminuiu de forma constante desde as eleições de 1999 e sondagens em 2013 colocavam o apoio nos 18% a nível nacional.

Afonso Dhlakama vem liderando a Renamo enquanto Presidente há mais de 37 anos, tanto como o presidente Africano mais antigo, Robert Mugabe. Tanto Mugabe como Dhlakama são da mesma nação Shona/ Ndau e Mugabe no início dos anos 90 apoiava Dhlakama contra Chissano, referindo-se a ele desrespeitosamente como um "Shangana". Na campanha eleitoral de 1994, Dhlakama sugeriu que a Frelimo era um "partido Shangana" e que o Sul de Moçambique pode muito bem tornar-se parte da África do Sul. Em 2014, a Renamo ameaçou constituir um estado separatista, a "Federação de Estados moçambicano",  constituída pelas províncias ao norte do rio Save, onde nas províncias de Tete e Cabo Delgado estão concentrados os jazigos de carvão e de gás.

Tal como Robert Mugabe,  o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama é um tradicionalista. Há 20 anos, ele vem afugentando e vitimando quaisquer jovens candidatos à mudança dentro da Renamo. Daviz Simango, o ex-presidente do conselho municipal da Beira, jovem e modernista, teria sido o sucessor natural de Dhlakama. Acusado de ser mais um traidor, Simango formou seu próprio partido, o MDM, Movimento Moçambique Democrático. A classe média e os educados que apoiam o MDM vão conseguir somar pelo menos 18% e, assim, negar a hipótese duma vitária eleitoral à Renamo.

O candidato da Frelimo é um líder de destaque e sucesso oriundo da província nortenha de Cabo Delgado. A escolha de Filipe Nyussi para futuro presidente salienta que Moçambique vai resistir a qualquer tentativa de dividir o país. Como o ex-ministro da Defesa, Nyussi vai mostrar tolerância zero para qualquer ressurgimento da violência pública ou da propaganda separatista fomentada pela Renamo.

A corrrida acirrada entre Dhlakama, Simango e Nyussi poderá porém resultar em Nyussi deixar de obter os necessários 50% +1 dos votos na primeira volta. Uma segunda volta entre Nyussi e Dhlakama seria desestabilizadora. A campanha de Dhlakama mobilizou muitos milhares de militantes em cada comício. A participação da Renamo no financiamento oficial de campanha bem como algumas generosas contribuições da parte do governo italiano asseguraram que a campanha Renamo chegasse a todos os distritos. Centrou-se em fomentar um culto à personalidade de Dhlakama tanto como salvador e mártir.

As expectativas nutridas por Dhlakama representam um risco para a estabilidade futura. Mais de um milhão dos mais fieis militantes ficaram convencidos que a Renamo já ganhou, com "pelo menos" 80%. As duas visitas de surpresa mais recentes a Moçambique pelo primeiro-ministro italiano Matteo Renzi ajudaram Dhlakama reaparecer das cinzas de seu passado. É difícil imaginar como isso poderá servir aos interesses de petróleo e gás da Itália em Cabo Delgado. Mais uma vez, a Europa aposta mal em África.

África Monitor

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