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Domingo, 15 Fevereiro 2015 11:17

O mistério dos dólares desaparecidos

Bancos podem voltar a importar, exportar e reexportar moeda estrangeira sem autorização prévia do BNA, mas em Luanda apenas é possível encontrar dólares com ‘fartura’ no mercado paralelo. Nas mãos das kinguilas, o custo de 100 dólares chega a 18.500 kwanzas, quando o câmbio oficial é de 10.500.

Na última terça-feira o Banco Nacional de Angola (BNA) emitiu uma nota de imprensa onde afirma que alguns bancos a operar no país estão a privar clientes da utilização de depósitos, no caso em divisas, prometendo agir para manter a estabilidade do sistema. O BNA desafiou ainda os cidadãos a apresentarem queixa junto da instituição sempre que sejam impedidos de utilizar e movimentar o dinheiro depositado.

No documento, o banco central assumiu que tem vindo a constatar que algumas instituições financeiras «têm procedido de forma inadequada, prejudicial aos interesses dos clientes, pelo facto de não darem seguimento às operações por si ordenadas. Privando-os da utilização e movimentação dos recursos depositados e negligenciando a existência de um vínculo contratual estabelecido entre as partes».

Fontes bancárias contactadas pelo SOL disseram, em sincronia, que os bancos comerciais deixaram de colocar divisas no mercado porque o BNA – pelo menos nos últimos quatro meses, devido à queda do preço do petróleo no mercado internacional – deixou de fornecer dólares às instituições financeiras, tendo forçado estas a adoptar medidas de «retenção das divisas e racionalização interna das mesmas».

Um dos responsáveis bancários confidenciou ao SOL que, no banco onde trabalha, as divisas «têm sido comercializadas de forma apertada e em muitos casos funciona mesmo a conveniência», sendo que têm sido «cedidas, noutros casos, aos clientes com maior volume de movimentação».

A mesma fonte revelou que os funcionários da instituição foram orientados pela hierarquia máxima do banco a dizer aos clientes que «de momento a venda de divisas foi suspensa», facto que o SOL_comprovou numa ronda feita por algumas agências.

Outros bancos têm seguido estratégias diferentes e aceitam os pedidos de transferência de divisas para o estrangeiro, mas depois não as realizam. Há casos em que os clientes fizeram o pedido em meados de Dezembro e até hoje ainda não se concretizaram. Os expatriados são dos que mais dificuldades têm para ‘levar’ os kwanzas convertidos em dólares ou euros para os seus países.

Uma das ‘modalidades’ seguidas por aqueles que precisam de ‘usar’ o dinheiro fora de Angola passava por adquirirem cartões pré-pagos ou carregando os cartões Visa. Depois de fazerem o depósito, os clientes podiam fazer os levantamentos dessas verbas no exterior e em moeda local. Era uma forma de ‘colocarem’ o dinheiro no exterior, já que os familiares que tivessem esse cartão podiam fazer os levantamentos na terra natal.

Nos últimos tempos, alguns bancos informaram os clientes que essas operações online estão suspensas. Terão que se deslocar aos balcões, onde o caso será analisado, e só em situações excepcionais a ‘transferência’ será concedida. Por outro lado, outros bancos decidiram reduzir os plafonds dos cartões ou até suspender o seu uso em determinados casos, alegando «má utilização».

Aumento ‘monstruoso’ da procura de dólares

«Desde o final do ano passado que a procura das divisas aumentou monstruosamente. Tanto é que, para ‘clientes comuns’, são cedidos apenas 200 dólares por dia, em levantamentos. Noutros tempos, os bancos tentavam convencer os clientes que tinham depósitos em dólares a comprarem kwanzas, apesar da taxa nunca ser compensatória para o cliente», revela outra fonte. Tudo mudou com a crise.

Em função do actual paradigma macroeconómico, o BNA foi forçado a autorizar os bancos comerciais a importar, exportar e reexportar divisas, sem autorização prévia. Uma medida que segundo o banco central servirá para travar a desvalorização do kwanza no mercado informal. «As instituições bancárias estão autorizadas, no âmbito do seu objecto social, a importar, exportar e reexportar moeda estrangeira, bem como cheques de viagem, sem autorização prévia do BNA», lê-se no aviso que entrou em vigor no final do mês passado pela «necessidade de se reajustar a regulamentação» sobre estas operações.

No final da última reunião do Conselho de Ministros, o governador do BNA, José Pedro de Morais Júnior, afirmou que «antecipações erradas» da crise do petróleo por agentes económicos estão na origem das dificuldades no acesso a divisas, até porque as vendas mensais aos bancos comerciais fixam-se nos 1.500 milhões de dólares.

O governador do BNA disse na ocasião que não existem motivos para as dificuldades relatadas no acesso generalizado aos dólares nos bancos comerciais. No entanto, a realidade é bem diferente, pois no mercado informal, nas mãos das kinguilas, o preço de venda de 100 dólares varia entre 17.500 e 18.500 kwanzas, quando a cotação oficial é de 10.500 kwanzas.

Mas o governandor insiste: «Não houve nenhuma redução da oferta de divisas no mercado cambial vendidas pelo BNA aos bancos comerciais», revelando que em 2014 essas vendas – que são feitas através de leilões semanais –, até aumentaram 34% face ao ano anterior.

Segundo Pedro de Morais, durante o mês de Janeiro o BNA vendeu 1.500 milhões de dólares ao mercado bancário: «Foi exactamente este valor que nós vendemos. Significa que não há nenhuma redução de oferta de divisas no mercado interno».

Agentes económicos com dificuldades

A falta de dólares no mercado já começa a criar contornos negativos na vida dos agentes económicos. Estes não sabem, a curto prazo, que tipo de ‘fórmula’ irão usar para adquirir produtos no mercado externo, uma vez que a economia nacional continua refém das importações e os bens, na sua maioria, são obtidos em moeda estrangeira americana.

O administrador do grupo de supermercados Martal, Manuel Pinheiro, defendeu ao SOL a necessidade de injectar divisas no mercado sob pena de se verificar, num futuro próximo, a subida substancial do preço dos produtos essenciais. «A elevação do preço dos bens vai acontecer em função da escassez ou subida do preço de compra do dólar».

Pinheiro garante que há estabilidade de preços dos produtos comercializados naquela rede de supermercados. «Não fazemos pronto pagamento aos nossos fornecedores internacionais. Eles abastecem-nos e nós fazemos os pagamos depois de dois meses, por isso, felizmente, ainda não sentimos as consequências da falta de divisas», explica.

O responsável de outra empresa de distribuição alimentar, que pediu anonimato, também entende que há necessidade urgente de se resolver o problema da escassez de divisas na economia, caso contrário os preços dos produtos poderão disparar e os principais prejudicados serão os consumidores finais. «Como há escassez de divisas no mercado alguns importadores já começaram a fazer subir o preço dos produtos, no sentido de não ficarem em desvantagem quando forem comprar dólares, uma vez que nós, quando fazemos compras de produtos no mercado internacional, não pagamos em kwanzas», concluiu o interlocutor.

Sol

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