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Quinta, 18 Dezembro 2014 22:25

"Eu sou culpado e tenho responsabilidades”, diz Álvaro Sobrinho

O ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA) está a ser ouvido no Parlamento e garante que os 3300 milhões de euros de financiamento do BES ao BESa não saíram de Portugal.

Logo a abrir a audição parlamentar, o ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA) Álvaro Sobrinho fez questão de salientar o papel da instituição no apoio à economia angolana, “transversal a todos os sectores, embora com mais ênfase em investimentos públicos e empresariais”.

“Durante os dez anos quem que estive à frente da gestão do BESA, mantinha-me informado, sabia o que lá se passava e decidia. Assumo todas as responsabilidades pelas minhas decisões. Tomá-las não era um privilégio, era a minha obrigação”.

Eram 16h06 quando o ex-presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, entrou na sala 6 da Assembleia da República, onde decorrem os trabalhos da comissão de inquérito à gestão do BES-GES, para dar a sua versão sobre o colapso do grupo.

O banqueiro luso-angolano chegou acompanhado de João Moita, do grupo BES, e de um advogado, Rogério Alves

Depois de ler uma declaração escrita, Sobrinho manifestou-se disponível para responder “com factos” às questões dos deputados e afirmou que se absterá de responder a comentários "que lhe tenham sido dirigidos” e que não entrará em “achincalhamentos pessoais”. Para responder aos deputados, promete respeitar as suas obrigações de sigilo perante as autoridades portuguesas e angolanas.

A um pedido de esclarecimento de Cecília Meireles, deputada do CDS-PP, sobre a exposição do BES ao BESA, de 3000 milhões, o banqueiro luso-angolano explicou: "Diria que obedecia a regulamentos próprios de concessão de crédito" e que "havia uma metodologia" de concessão de crédito rigorosa. A linha de crédito do BES ao BESA iniciou-se em 2008 com um financiamento de "1500 milhões" para apoiar o Estado angolano, comprando obrigações públicas com maturidade a 10 anos. Um dos "detalhes da operação" é que o Estado angolano pagou ao BES cerca de 700 milhões de dólares de juros em três anos", mas "o capital é para ser reembolsado em 2018". "Outra parte da linha serviu para apoiar as empresas exportadoras portuguesas."

Todos os créditos dados pelo BESA, nomeadamente a empresas, "eram reportados ao BES”, que os reportava ao Banco de Portugal, afirmou Álvaro Sobrinho. “Todo o crédito foi reportado sempre às instituições superiores”. “Tínhamos uma base mensal em que reportávamos toda a carteira de crédito”.

Uma parte substancial "desta linha [de financiamento do BES ao BESA, no valor de 3300 milhões de euros] foi para trade finance, para o apoio às relações comerciais de empresas portuguesas com Angola", mas "muitos destes clientes eram importadores e exportadores. O crédito ficava no BESA e recebiam no BES esse dinheiro". E repetiu: "O dinheiro ficou no BES em Portugal."

E à questão da deputada Cecília Meireles se de facto foram levantados do BESA 525 milhões de dólares por sociedades, respondeu: “Olhe, eu vou dizer o seguinte: nem bancos americanos têm tanto cash… É um absurdo”.

A deputada do CDS-PP inquiriu Sobrinho sobre se o BESA tinha alguma conta ou várias contas no BES, tendo o banqueiro explicado que "o BESA só tinha um banco correspondente que era o BES”. E “todas a funcionalidades” de operacionalidade do BESA eram controladas pelo banco depositante, “neste caso o BES”, garantiu o gestor.

À pergunta da deputada centrista sobre se conhece parte do negócio da Escom e se confirma que foi dado um sinal de 85 milhões de dólares pela venda de 100% desta sociedade (venda que não chegou a concretizar-se), Sobrinho respondeu: “Confiro com certeza”. E quem recebeu o sinal? “Quem recebeu, posso dizer, o destino não sei. Quem recebeu foi a Espírito Santo Resources”.

Polémica com salário

Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, começou por questionar o depoente sobre quanto auferia quando era quadro do BES, tema que Sobrinho contestou por estar a ser levantado na comissão de inquérito. Onde trabalhou Sobrinho antes de ir para o BESA? “No BES”. Que funções desempenhou? Técnico “sempre na área de activos financeiros”, nomeadamente na área de fundos de pensões – Esaf. Que salário recebia? “Ó senhora deputada, isso não me lembro”. “Posso ver, mas não me recordo”. E é verdade que recebia da Esaf um salário superior a dois milhões por ano? Foi então que Álvaro Sobrinho se insurgiu: “Há relevância nisto?”. E contestou o facto de estas questões não terem sido também colocadas a outras pessoas ouvidas na comissão, que “que têm exactamente as mesmas [posses] ou se calhar até mais”.

Sobrinho procura afastar-se da ideia de que Ricardo Salgado não estava a par da situação no banco angolano. Em resposta ao deputado do PSD Carlos Abreu Amorim, que recordou o que Salgado dissera na sua audição da semana passada, Sobrinho respondeu: “Eu reportava a um conselho de administração e, ao contrário do que ouvi, eu não reportava ao dr. Ricardo Salgado. Eu, pelos estatutos, reportava ao conselho de administração do BESA, que tinha como presidente [chairman] o dr. Ricardo Abecassis Espírito Santo. Outra coisa é como é que o CEO do BESA se articulava com o accionista BES”. E aí, disse, relacionava-se com Salgado de uma forma mensal e a relação “era muito próxima”.

O banqueiro luso-angolano estranha que se tenha descoberto de um dia para outro um buraco. À pergunta de Abreu Amorim se “está alicerçada em factos” a ideia de que Ricardo Salgado não sabia de nada, Sobrinho responde que não. E ironiza: “Se a surpresa é tão grande somos incompetentes (…) Descobriu-se em dois meses o que não se descobriu em 12 anos. E num período de férias…”.

Esse tema "eu posso comentar e podem-me levantar o segredo profissional pois vou falar" de actividade em Portugal, observou Sobrinho, para logo perguntar: "Mas digam-me se é uma boa prática emprestar 1500 milhões de euros sem contrato? Foi o dr. José Maria Ricciardi que aqui disse que a operação de 1500 milhões nem foi a conselho de crédito."

"O banco não dava crédito ao regime angolano, dava crédito a clientes", garantiu o ex-presidente do BESA. " Se pudesse ir mais longe, podia fazer uma discriminação de quem utilizou a linha [de credito dada pelo BES ao BESA], até para dar um maior conforto aos próprios contribuintes", concedeu o banqueiro.,

Questionado pelo deputado do PSD Carlos Abreu Amorim sobre o relato de ameaças a quem ia para Angola tentar perceber o que se passava no BESA, Álvaro Sobrinho reagiu a esta acusação de Ricardo Abecassis Espírito Santo com ironia. “Se ele diz isso, uma coisa que é preciso analisar é a psicanálise. O dr. Ricardo Abecassis foi presidente [não executivo] do BESA desde o início”.

Álvaro Sobrinho contraria a versão de ex-administradores do BES e do próprio presidente do banco português, Ricardo Salgado, de que o BESA tinha autonomia informática. Quando o deputado do PS Pedro Nuno Santos pergunta como é que o BES fazia o acompanhamento do crédito concedido pelo banco angolano, Sobrinho diz que tal acontecia “através dos reports mensais”, que se disponibilizou para dar à comissão de inquérito. E sabia o BES dos créditos concedidos? Resposta do banqueiro: “Os grandes riscos, sim”. “Contradições vamos encontrar muitas”, comentou Pedro Nuno Santos.

O banqueiro insistiu que “quem controlou todo o sistema informático do BESA foi Portugal”, uma empresa do Grupo Espírito Santo. “As máquinas estavam aqui em Portugal”, assegurou, sublinhando que em Angola não havia capacidade para o fazer.

A cunhada de Sobrinho

O banqueiro contestou também a declaração de Salgado segundo a qual a cunhada do banqueiro luso-angolano era responsável pela concessão do crédito do BESA. “A minha cunhada não era responsável de crédito”, contrapôs, dizendo que havia um comité a quem cabia decidir a concessão do crédito. A única alteração que houve foi a expansão da área comercial do banco “para encaixar as pessoas que vinham de Portugal”, assegurou. O banqueiro luso-angolano considerou a declaração de Salgado “no mínimo deselegante”, alegando que o ex-presidente do BES “sempre soube” que a cunhada trabalhava no banco angolano.

Álvaro Sobrinho contraria ainda a versão de ex-administradores do BES e do próprio presidente do banco português, Ricardo Salgado, de que o BESA tinha autonomia informática, mas acabaria por não esclarecer totalmente a questão. Quando o deputado do PS Pedro Nuno Santos pergunta como é que o BES fazia o acompanhamento do crédito concedido pelo banco angolano, Sobrinho diz que tal acontecia “através dos reports mensais”, que se disponibilizou para dar à comissão de inquérito. E sabia o BES dos créditos concedidos? Resposta do banqueiro: “Os grandes riscos, sim”. “Contradições vamos encontrar muitas”, comentou Pedro Nuno Santos.

O banqueiro insistiu que “quem controlou todo o sistema informático do BESA foi Portugal”, uma empresa do Grupo Espírito Santo. “As máquinas estavam aqui em Portugal”, assegurou, sublinhando que em Angola não havia capacidade para o fazer. No entanto, Sobrinho afirmou que este “nunca foi um sistema informático comum" ao BES e ao BESA.

“O Grupo Espírito Santo, para mim, nunca foi a Santa Casa da Misericórdia”, afirmou o banqueiro luso-angolano, a propósito das relações entre o BES e o BESA, na sequência de uma pergunta da deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua. “Tenho sempre ouvido falar do buraco, do buraco….”. Sobrinho invoca a sua formação financeira”, para desafiar os deputados: “Apresentem-me números do buraco. O buraco, o buraco, o buraco…”.

O banqueiro por várias vezes fez questão de dizer que não veio à comissão de inquérito para se vitimizar. “Eu sou culpado, sou. Sou e tenho responsabilidades”. Mas o que fez enquanto foi presidente do BESA, diz tê-lo feito “em consciência”.

Sobrinho concede que, se pudesse, voltava atrás. Frisa, porém, que o financiamento do BES ao banco angolano engrossou em mais de 1000 milhões de dólares depois de ter deixado a liderança da instituição. “Não estou a fazer isto para me vitimizar, mas também tenho de me defender”, disse.

Publico.pt

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