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Sexta, 30 Junho 2023 13:04

BNA tem de rapidamente intervir para segurar o Kwanza

Desvalorização do Kwanza chega a quase 40% Desvalorização do Kwanza chega a quase 40%

A maioria dos especialistas ouvidos pelo Expansão defende que já chegou a altura de o BNA usar as reservas internacionais para evitar que o Kwanza continue a desvalorizar-se de forma rápida, pois está em causa o equilibrio económico, o controlo dos preços e a imagem do País nos mercados internacionais.

O BNA tem de intervir para 'salvar o Kwanza e, por acréscimo, a economia do País. Esta é a posição da maioria dos especialistas ouvidos pelo Expansão sobre a possibilidade de o banco central utilizar parte das suas reservas internacionais para colocar cambiais no mercado e aliviar a pressão sobre a moeda nacional.

O consultor Galvão Branco não tem dúvidas sobre esta necessidade e considera fundamental que o faça rapidamente.

"No presente momento, face às consequências decorrentes da pressão social originadas pelo agravamento do custo de vida num contexto bastante fragilizado pelos níveis de pobreza, é imperioso que se recorra às Reservas Internacionais para se atender às necessidades cambiais e por esta via estabilizar o consumo, sobretudo dos bens essenciais, essencialmente garantidos por via da importação", de- fende, acrescentando que "face à nossa incontornável dependência do petróleo e aos handicaps estruturais que se apresentam na diversificação da economia, não existem outras medidas tendentes à estabilização da moeda nacional de forma sustentada".

Já o engenheiro Patrício Quigongo, especialista em petróleo e gás, também pensa da mesma for- ma. "Não há outra forma de poder impactar positivamente na questão cambial. A única que vejo é mesmo o BNA intervir no merca- do e disponibilizar alguma moeda estrangeira para estabilizar o mercado cambial. É também importante referenciar que estamos a sofrer dois impactos. Um, que tem a ver com a desvalorização do Kwanza e outro com o aumento do preço da gasolina. O efeito combinado destes dois é o aumento da inflação, dos preços", diz.

Apesar de todas as leituras que se possa fazer, o especialista explica que "como temos um sistema fechado de acesso à moeda estrangeira, infelizmente não há uma outra opção, uma vez que houve uma descida das receitas do petróleo mas as despesas do Estado não reduziram. Fizemos um OGE muito optimista, o preço médio do barril está abaixo, assim como a produção, que é mais baixa que a prevista no OGE".

Recordar que há cerca de um més, quando se iniciou a derrapagem da moeda nacional, o então governador do BNA e agora ministro de Estado da Coordenação Económica, José Massano, disse ao Expansão que o banco central só iria intervir se houvesse uma situação de pânico. Para muitos, já se chegou a esta linha vermelha.Outro dos economistas contactados pelo Expansão, Miguel Cardoso, também não tem dúvidas de que o banco central deve intervir "O BNA deve sim utilizar parte das reservas internacionais, estando o País numa crise cambial, e fazer face às suas obrigações no exterior, na importação de produtos e outros, para não ser considerado um estado caloteiro, tido com falta de capacidade para poder honrar os seus compromissos, o que poderia agravar o ranking a nivel internacional, e penalizar as suas acções no futuro, tornando por exemplo mais caro qualquer financiamento que pretenda obter, principalmente nos mercados internacionais", defende. Refira-se que recente- mente foi anunciado que as reservas internacionais tinham volta doa subir o que justifica a opinião de Hugo Teles, PCE do BIC: "Se realmente a reservas foram recuperadas para o montante que se fala, penso que seria de se utilizar para fazer face à depreciação Pelo menos momentaneamente. A não ser que hajam outros factores que se desconhece que levaram à depreciação repentina". A este propósito, espera-se que nos próximos dias o novo governador possa apresentar uma justificação oficial mais pormenorizada para esta queda abrupta.

O banqueiro reforça também que "parece evidente que a venda de divisas assegurada pelo Ministério das Finanças não tem sido a melhor solução. Talvez voltando á situação anterior (BNA), seja uma solução imediata mais eficiente".

Refira-se que hoje a compra de moeda estrangeira por parte da banca comercial faz-se funda- mentalmente através da plataforma Blomberg, directamente com as petrolíferas, sendo que até há dois meses atrás, o Tesouro disponibilizava também regularmente cambiais por esta via.

O facto de o País ter tido um volume elevado de pagamento da divida aos credores internacionais no mês de Maio, levou a que a oferta tenha diminuido bastante, o que empurrou o câmbio para cima. Nos últimos 45 dias o Ministério das Finanças não colocou dólares no mercado. Já o BNA colocou 400 milhões USD, totalmente absorvidos pela banca, um valor muito inferior às necessidades, pelo que a marcha de depreciação não foi quebrada. A única solução parece ser agora utilizar as reservas internacionais, que ao nível actual garantem seis meses de importação.

O economista Fernandes Wanda também acha que as reservas de- vem ser utilizadas para 'segurar' o Kwanza. "Afinal do que adianta estar, por exemplo, dentro das metas da SADC (como ouvimos recente- mente no que toca ao nível das reservas), quando a inflação tende a aumentar e com a redução do poder de compra (dos cidadãos) pode resultar dai convulsões sociais?", pergunta o especialista que acrescenta: "Este uso seria temporário, se tivermos sem conta que existe um plano de endividamento (que por não ter sido despoletado cedo, o País enfrenta agora este caos). E preciso dar estabilidade aos merca- dos, parando esta queda do Kwanza, para que as pessoas possam a voltara ter confiança na moeda local". E lembra também que "não fazer nada não é alternativa válida já que o Kwanza em queda faz aumentar (devido à dependência nas importações) os preços e consequentemente gera instabilidade social prejudicial ao investimento privado nacional e estrangeiro".

Confiança e desvalorização

Se por um lado é necessário recuperar a confiança dos opera- dores económicos sustendo a queda do Kwanza, por outro, pode também questionar-se se o BNA terá capacidade, com uma intervenção, para inverter o quadro actual. José Oliveira, investigador do Centro de Estudos da Universidade Católica, acha que não. "Com o país afogado em dívidas - a pagar e a contrair - para cumprir minimamente com os compromissos e o OGE aprovado, um nível de reservas de moeda externa baixo e baixas receitas petroliferas, penso que a capacidade de intervenção do BNA é fraca", defende.

E deixa também uma sugestão: "Devemos aproveitar a crise monetária em que estamos a viver para convencer o poder político que se tem de começar a reduzir, quanto antes, o endividamento do Estado sob pena de, senão o fizer, a situação se agravar a médio prazo".

Já o empresário agrícola Carlos Ferreira, lembra que "o BNA em circunstância nenhuma se poderá descartar do seu papel regulador da estabilização da moeda nacional e do controle do câmbio, que é uma das questões fundamentais. Se o câmbio sobe, claro está, o custo de vida sobe de forma descontrolada. Por outro lado, esta medida da desvalorização não deve ser aplicada desta maneira, subidas muito bruscas e elevadas".

O ex-PCA da ENSA e ex-PCE do Banco Económico, Carlos Duarte, defende uma acção mais discreta do banco central, evitando a intervenção no mercado. "O mercado deve funcionar e o regulador deve minimizar a sua intervenção no mercado cambial de modo a evitar distorções. Por outro lado, deve contrabalançar com medidas monetárias". Pode perguntar-se, tal como refere José Oliveira, se o BNA tem efectivamente capacidade para poder suster esta desvalorização e que tipo de medidas podem inverter este quadro?

Dúvidas

Tendo em atenção o quadro actual da nossa economia, existem dúvidas se a intervenção do BNA poderia ser positiva. O economista Francisco Ribeiro, tendo em atenção o quadro macro económico de imensas dificuldades que o País vive, defende que "não me parece que a medida mais assertiva para reverter este cenário som- brio passe obrigatoriamente pela utilização de parte das Reservas Internacionais, porque esta medida por si só pode não se afigurar como a mais adequada para a inversão do actual paradigma. Julgo ser um paliativo com contornos de elevado grau de risco".

Mas também lembra que "por conta dos compromissos assumidos com credores internacionais, o Estado não pode, nem deve deixar de honrar com o compromisso do serviço da dívida nos timings previamente acordados, sob pena de por em xeque a credibilidade do País diante das suas contrapartes, e não só". E este é um facto fundamental para manter o acesso a investimentos externos, numa altura em que as empresas de notação financeira já colocam a hipótese de baixar o rating a Angola ou, pelo menos, a perspectiva de evolução da dívida. 

Para o economista não há soluções "milagrosas", nem se pode pensar em medidas isoladas. "O 'travão a ser aplicado para estancar a rápida desvalorização do Kwanza deve possuir igualmente um cariz rigorosamente estratégico, que passa pela promoção ao combate de práticas que propiciem a criação de dificuldades e a venda de facilidades", avisa.

Contra a utilização das reservas

O economista e membro do Conselho Económico e Social, Yuri Quixina, foi o único dos dez especialistas ouvidos pelo Expansão que é abertamente contra a utilização das Reservas Internacionais para 'segurar' o Kwanza. Por três razões. "As Reservas Internacionais já estão numa trajectória descendente, na medida em que de janeiro a12 de junho deste ano caíram mais de 6% (já perdemos 806 milhões de dólares com medidas de intervenção no mercado). Reduzir as Reservas Internacionais em câmbios flutuante para valorizar o Kwanza, sem perspectivas de aumento das exportações e o IDE, é resolver a crise com uma outra crise pior, ou seja, é cavar um buraco para tapar outro buraco. Poderemos entrar em bancarrota (se ainda não estamos), na medida em que colocaria em causa a solvabilidade do País, pelo que as taxas de juros da nossa dívida no mercado internacional continuariam a subir de uma forma insustentável". Expansão

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