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Segunda, 26 Outubro 2015 11:47

40 anos/Angola: Guerrilheiro da FNLA recorda o dia da senha ao paraíso que ficou por ser

A senha "o filho de Nogueira vai casar no dia 15" ainda hoje permanece na memória de Manuel Inácio, antigo guerrilheiro da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que em 1961, decidiu aderir ao movimento. Hoje admite que o país podia o paraíso pelo qual lutou desde os 18 anos.

Aos 77 anos, Manuel Inácio enche-se de orgulho ao lembrar-se da senha que "veio de Kinshasa [República Democrática do Congo]", ordenando a data de início da luta armada.

"O que motivou a luta armada de libertação era libertarmos as fazendas, na parte do norte", disse, em conversa com a Lusa.

O velho guerrilheiro, hoje a trabalhar em Luanda como segurança do partido político sucedeu ao movimento de libertação, faz questão de lembrar as transformações até à denominação atual de FNLA.

"Primeiro criou-se a UPNA [União das Populações do Norte de Angola], posteriormente passou a UPA [União das Populações de Angola] e só depois em 1961 se transformou em FNLA", explicou.

Manuel Inácio sublinha que era vontade de todos os angolanos "correr com o branco colonial português" e sob comando de Tussamba Kuazambi Garcia viveu nas matas, na clandestinidade, os dias mais difíceis da sua vida.

Apesar do sofrimento, diz-se satisfeito: "Queríamos a libertação para o nosso país. Valeu a pena os 14 anos de luta, o sacrifício que o povo passou nas matas, fome, levar as mochilas com o material, atravessar os rios, a nadar, nem canoa nem nada, as armas para poder fazer combate. A travessia do Zaire [hoje República Democrática do Congo] para Angola não era pequena coisa, tinha que se atravessar à noite. Muitos ficaram nas emboscadas", lembra.

Daquele tempo recorda ainda o papel das igrejas, no processo de preparação e na cobertura das reuniões. "Dávamos aquela quota para o branco colonial não dar conta o que estava a se tratar, até a criança que estivesse na barriga contribuía".

Quando instado a fazer uma análise do país pelo qual lutou para libertar, em tom de lamento, o antigo guerrilheiro responde que "hoje já não vamos falar muita coisa".

"Porque muita coisa está ao contrário, não podia ser da maneira que hoje está, mas pronto, paciência, o que é que vamos fazer?", atira.

No seu entendimento, "se fosse vontade de todos os partidos", Angola seria hoje como o Brasil, assim os líderes fundadores dos três movimentos de libertação de Angola -- MPLA (Agostinho Neto), UNITA (Jonas Savimbi) e FNLA (Holden Roberto) -- se tivessem entendido.

Manuel Inácio admite que houve "erro" e justifica "porque a coisa não era para tirar todos os portugueses" de Angola.

"As fábricas, como na África do Sul, as lojas, deviam continuar a trabalhar. E hoje estamos mal, porque as fábricas hoje tornaram-se os armazéns dos contentores, é uma coisa que está ao contrário, já não há fabrico nacional é só importação", lamenta.

Natural da província do Uíge, Manual Inácio, pai de mais de dez filhos, vive em Luanda no bairro Uíge, e aufere um salário de 40 mil kuanzas (261 euros), que confessa "não dá para muito".

Recorda com saudades que antigamente o táxi era barato e nos dias de hoje para se deslocar ao trabalho, gasta em média 400 kwanzas (2,6 euros).

Questionado se sente arrependido de tudo por quanto passou para libertar Angola, o antigo guerrilheiro respirou fundo para dizer que valeu o "sacrifício".

"O que me marca muito, ainda hoje, é o sofrimento, a chuva, o sol, um `gajo` não ter uma moradia condigna. Hoje dorme aqui, amanhã dorme noutra mata. Aquilo é como se fosse um animal, a pacaça hoje dorme aqui, amanhã noutra mata, vivemos assim", disse.

"Não me arrependo, é o nosso sacrifício, fizemos aquilo para libertarmos o nosso país. Isso hoje, se houvesse entendimento dos três presidentes, era mais que um paraíso, isso hoje podia ser uma maravilha, toda gente teria orgulho para vir para Angola", rematou, algo desiludido.

Lusa

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