A comunidade internacional, com destaque para a maioria dos países ocidentais, condenou os ataques do Hamas e apoiou o direito de Israel de se defender. No entanto, aqui reside a contradição ocidental: Israel tem se apoderado de vastas áreas territoriais que legitimamente pertencem ao povo palestino, negando seu direito à autodeterminação. Este comportamento israelense tem recebido suporte de muitos países ocidentais, com destaque para os Estados Unidos. Como resultado dessa situação, surgiram o Hamas e outros movimentos extremistas, que buscam estabelecer um Estado Palestino reconhecido internacionalmente e recuperar os territórios ocupados por Israel. Para alcançar essa apropriação territorial, as forças militares israelenses não hesitam em usar força desmedida, resultando em mortes de civis em numerosas ocasiões.
O recente conflito entre Israel e Hamas tem deixado a comunidade internacional paralisada, especialmente em função de seu posicionamento na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Quando a Rússia decidiu invadir a Ucrânia, os EUA e a Europa prontamente mobilizaram a comunidade internacional e a mídia para condenar a Rússia por violar a soberania e o direito de autodeterminação ucraniano – princípios que têm sido repetidamente negados ao povo palestino. Para sensibilizar a comunidade internacional e condenar ainda mais a Rússia, as forças militares ucranianas têm posicionado armamentos em locais civis como escolas, hospitais e shoppings, transformando-os em alvos militares indiretos. Assim, cada ataque russo nesses locais é veiculado pela mídia ocidental como ataque indiscriminado a civis.
De maneira similar, o Hamas tem envolvido Israel em cenários com sérias repercussões internacionais, como a ocupação do Hospital Al-Shifa, o maior de Gaza. O grupo
esconde reféns e arsenais em hospitais, e essa tática resultou na morte de muitos reféns pelas forças israelenses, que desconheciam tal estratégia.
Os excessos cometidos por Israel em Gaza são alarmantes, tornando a ofensiva russa na Ucrânia comparativamente amadora. Na era das redes sociais, nenhum acontecimento relevante permanece oculto por muito tempo para a opinião pública internacional. As atrocidades israelenses rapidamente ganham repercussão nas redes sociais, frequentemente utilizadas por jovens críticos. Esse dinamismo digital levou milhares de adolescentes e jovens às ruas, exigindo o fim da invasão israelense e ações condenatórias por parte de seus governos, como se viu nas manifestações em Nova York, Los Angeles, Paris, Berlim, e até mesmo na África do Sul.
Recentemente, o Tribunal Penal Internacional que havia emitido um mandato de captura internacional contra Vladimir Putin, Presidente da Rússia, pelo excesso na guerra contra a Ucrânia, emitiu um mandato de captura contra o Primeiro-Ministro Israelita, Benjamim Netanyahu e contra altos dirigentes do Hamas, aumentando assim a pressão para o Ocidente neste conflito.
Para os EUA, esta guerra é um desafio significativo para o presidente Joe Biden, que luta contra a sua baixa popularidade enquanto busca a reeleição em novembro, em oposição a Donald Trump. Tal situação impeliu até mesmo à consideração, outrora impensável para os EUA, de um Estado Palestino, recentemente reconhecido por alguns países europeus como Espanha, Irlanda e Noruega, com outros se preparando para seguir o exemplo.
O Ocidente fechou os olhos por décadas para os excessos cometidos por Israel contra o povo palestino. Contudo, sua postura diante da invasão russa na Ucrânia os deixa em contradição e sem ação, pois não podem adotar dois pesos e duas medidas, num mundo cada vez mais globalizado.
O conflito em Gaza expõe as complexidades e contradições da política internacional. A hipocrisia ocidental em lidar com situações semelhantes de maneira diferente compromete a credibilidade das suas políticas externas. Para resolver o impasse, é essencial uma abordagem mais equilibrada que reconheça os direitos de ambos os lados e trabalhe para uma solução justa e duradoura. A criação de um Estado Palestino, já
reconhecido por alguns países europeus, pode ser um passo crucial nesse processo. Apenas através do reconhecimento mútuo e do respeito pelos direitos humanos e das normas do direito internacional, bem como da carta da ONU, é que a paz poderá ser alcançada, satisfazendo as aspirações de ambos os povos e promovendo a estabilidade na região.
ULISSES LUFUNDISSO
Especialista em Relações Internacionais.