Segunda, 07 de Julho de 2025
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Segunda, 07 Julho 2025 16:34

Eduardo Santos não estava doente, estava a fazer uma greve de fome, por isso emagreceu - Maria Luisa Abrantes

Transcrição da entrevista de Maria Luisa Abrantes concedida ao jornalista da RTP África, Victor Hugo Mendes.

Jornalista Victor Hugo Mendes:  Alguma vez já tentou visitar o túmulo, a campa, ou connosco podemos assim dizer, já foi lá visitar o presidente José Eduardo Santos?

Maria Luisa Abrantes: Toda a gente sabe que mesmo os chefes de Estado, inclusive os ex-chefes de Estado que foram contemporâneos do presidente José Eduardo Santos, pelo menos alguns africanos que conversaram comigo, que tentaram contactar o protocolo e não foram autorizados e é preciso, nem família, ninguém vai, é preciso que a presidência se autorize.

Jornalista Victor Hugo Mendes: E a presidência, pela relação que tem...

Maria Luisa Abrantes: Eu não ia pedir, mas eu vou-lhe dar um exemplo, se não deixam os ex-chefes de Estado, que são amigos, acho que não vão deixar lá ninguém.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Porquê que acha que não deixam nem os chefes de Estado, nem família, nem absolutamente ninguém visitar?

Maria Luisa Abrantes: Aí só eles é que podem responder,

Jornalista Victor Hugo Mendes:  Mas qual é a leitura que faz de uma posição desta?  

Maria Luisa Abrantes:  Mas a família também não vai lá bajular. Se estão à espera que a família vai lá bajular, bom esperar bem sentado, porque ninguém vai lá. 

Jornalista Victor Hugo Mendes: Qual é a leitura que faz de uma posição desta?

Maria Luisa Abrantes: É uma posição de força e tentar humilhar e subordinar as pessoas, mas ninguém está humilhado, nem ninguém se vai subordinar. Portanto, para subordinados bastam alguns funcionários do presidente, nomeadamente, pelo menos tem uma, que foi secretária do presidente e depois foi chefe do gabinete da Junta, se não me engano, que dele, era diretora da Junta, que está lá por questões de idade, porque ela também é funcionária do Estado e ela precisa de esperar a reforma. Portanto, tem essa e tem lá mais um, porque o presidente nunca teve muito hábito de trabalhar com a família.

Maria Luisa Abrantes:  Mas o que é que isso reflete?

Jornalista Victor Hugo Mendes: Nunca gostou. O que é que reflete?

Maria Luisa Abrantes: E por consequente, pode ser, e há pessoas afastadas que diziam que eram parentes do presidente, mas que não eram, até algumas fui eu que apresentei, mas eles pensam que sim, convidaram, puxaram para lá. 

Jornalista Victor Hugo Mendes: Mas o que é que isso reflete?

Maria Luisa Abrantes: Mas não conseguem subordinar, porque nem o irmão do presidente foi lá pedir batatinhas, a pedir, olha, vamos visitar, ninguém vai pedir. 

Jornalista Victor Hugo Mendes: O que é que isso reflete de algumas pessoas de um Estado impedirem que outros chefes de Estado possam visitar? 

Maria Luisa Abrantes: Eu não sei, quer dizer, eu interpreto talvez de uma outra forma. Eu acho que querem à força que as pessoas se esqueçam do presidente José Eduardo Santos e também até que assassinassem, falassem mal dele. Quero dizer, eu acho que as pessoas têm lados bons e lados maus.

Infelizmente, o presidente João Lourenço, no meu caso pessoal, eu tinha como uma pessoa que até era amiga, entre aspas, mas simpática, mas nunca passou disso, porque nunca tínhamos aprofundado relações, nunca tínhamos abordado muitos temas de interesse. Eu abordei alguns temas em termos de crítica, antes dele entrar para o poder, o convidou-me para ir à casa dele, eu fui e conversei, disse-lhe algumas coisas que eu achava, mas contudo ele surpreendeu-me, porque eu nunca pensei que ele fosse tão desumano. Há pessoas que se escondem muito bem do seu interior e ele é muito desumano, porque eu não entendo como é que ele é tão humano agora para tirar o presidente Bongo da cadeia lá.

Estava preso em casa, mas é prisão, e a família que estão acusados de corrupção. E eu não estou preocupada com a Isabel, não, quando o Zenu tinha liberdade, porque ele foi dado para o tribunal, para ter o passaporte e poder viajar, ele não tinha acusação sequer. E ele não deixou, porque não deixou, desculpa, eu não acredito que seja o presidente, porque ele é sozinho, que ele aconteceu e fica assim. 

Não deixou e nunca se preocupou, só se preocupou lá, eu acho que lá também há tribunais no Gabão. Então como é que no Gabão ele conseguiu falar até com os tribunais e com o presidente, com todo mundo, e no país dele não deram o passaporte ao Zenu para ele ir ver o pai no meio da morte, que estava em coma? Quer dizer, o presidente João Lourenço, eu perdoava-lhe tudo, isso nunca lhe vou perdoar, nunca, como cidadão, só como cidadão.

 E acho que não sou a única, tem muitos cidadãos, não é como muitos filhos do presidente João Lourenço.

Jornalista Victor Hugo Mendes: É verdade que estava doente, mas o presidente José Eduardo Santos terá morrido com desgosto.

Maria Luisa Abrantes: Ele não estava doente, o presidente José Eduardo Santos não estava doente. O presidente José Eduardo Santos estava a fazer uma greve de fome, as pessoas que trabalhavam com ele sabiam, porque ele só estava a comer uma vez por dia quase nada, e ele estava cada vez mais magro e mais magro e mais magro, e eles não aceitaram que os filhos o levassem para ser internado no Hospital e apanha-se soro.

E quando eles quiseram fazer isso e os médicos apareceram, eles fizeram um comunicado a dizer que a única pessoa que podia, que estava responsável pelo presidente José Eduardo Santos, era o médico da segurança e o segurança que estava na casa. É dali que apareceu a ex-mulher, que já morava com ele há mais de seis anos, com um novo pessoal que veio da presidência, porque o presidente José Eduardo Santos tinha pessoal, alguns dos quais já estavam fora, não salariados na presidência, e aquele é que estava apagado. Apareceram e puseram na rua a própria Isabel, que por acaso estavam lá todos os meus filhos.

Os três estavam na Espanha, mas naquele momento só estava a Isabel em casa, que é a pessoa que pagava a renda da casa e que tinha mobilado a casa. Puseram a Isabel na rua, de uma casa, que não era do Estado Angolano, que o Estado Angolano não pagava, mandava dinheiro ao outro de vez em quando para pagar os guardas, uma vez ou outra, quando desaparecesse. Nem sequer tinham tratado da residência dele lá em Espanha. Nada. Quem pagava tudo era a Isabel. Essa é a ideia do pai.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Como é que acha que terão sido os últimos dias do presidente José Eduardo Santos?

Maria Luisa Abrantes: Péssimos, Péssimos.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Conhecendo a pessoa dele que o conheceu?

Maria Luisa Abrantes: Péssimos. Infelizmente, quer dizer, as coisas coincidiram. Nos últimos meses de vida dele, coincidiu que eu tive um filho que também teve um tumor no cérebro, graças a Deus fez a operação e está bom, e esse foi o motivo pelo qual eu tive que me afastar. E eu acho que se ele já não estava bem, quando eu me afastei, piorou. Quando eu digo isso, na qualidade de uma pessoa, da confiança dele, e que fazia de tudo para puxar para cima. Porque ele não estava doente. Ele não tinha doença nenhuma. Ele estava a fazer uma greve de fome.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Eu não gostava de terminar sem colocar essa questão. Perante este quadro que ele viveu, tendo sido o presidente que foi, para muita gente que hoje está a governar ainda, e os filhos estarem na situação que estão, o que é que acha do silêncio sepulcral do MPLA?

Maria Luisa Abrantes: Olha, eu vou lhe dizer uma coisa. O presidente José Eduardo Santos, quando foi para o poder, ele disse-me que não tinha muitas amizades dentro do partido. Na altura era movimento. Porque ele é assim mesmo, é a forma de ele estar. Ele sempre foi uma pessoa muito calada. E eu fiquei muito surpreendida, porque eu trabalhei, fui diretora do gabinete do ministro Pedro Van-Dúnem "Loy", muitos anos atrás, e certa vez ele pediu-me para eu falar com ele, para ele o receber em casa. 

E eu fiquei admirada, porque ele realmente nunca o tinha visitado em casa. E como eu sabia que eles falavam, tanto um como o outro, que foram colegas, que fugiram juntos, etc. Eu achei isso, mas quando quiseram, apareça. E ele disse que não. Eu não vou lá, não é porque eu não tenha tempo só. É que mesmo quando nós estávamos fora, lá, digamos, em Brazzaville, e vivíamos num quartinho todo tosco, etc., o Flano sempre foi assim desde criança. Ele não gosta de confiança, não gosta de confusão, e não gosta que se metam, que se perturbem. Eu não sabia, estava a conhecê-lo, né? Dois anos, uma coisa assim, já se conheceu numa vida.

Outra vez encontrei também o Sr. Emílio Guerra, também tinha alguma coisa para dizer. Ele disse, não, ele é assim. Nós podíamos levar uma namorada, ou eu só saía. Mas ele nunca levou nem namorada, nem dizia nada. Entrava, saía, deixava-nos à vontade. Quando alguém fosse à casa, que eu forçava de família, forçava, porque ele não é muito, nunca foi muito.

Ele, depois de uma certa altura, ele dizia, eu venho já. Desaparecia, não voltava mais. Tipo, eu já estava disposto às pessoas irem embora. Mas aquele bocadinho que ele estava com as pessoas, era um bocadinho de qualidade. Ele conversava, perguntava, mas se as pessoas chegassem, já querem encostar-se. Tipo, a moda angolana, é sábado.

Ele desaparecia. Portanto, era a forma de ele estar. E daí, criou muitas intimidades. Escondidas. E muita inveja. E sobretudo, porque ele foi escolhido como poderia ser escolhido um outro qualquer dos que vieram com ele.

Eu penso que eram muitas invejas. Os militares. Alguns, pelo menos os que eu conheci, porque eu tive muita defesa, eles diziam abertamente. Bebiam um copo. Ai! E ele dizia, não, não tinha nada que estar aí, porque eles estudaram. Aí não lhes deram, portanto, estudar. Se eles saíram de Angola com terceira classe, outros nem tinham a terceira classe. Estavam lá, eram filhos de camponeses. Como é que iam para a universidade? Então, provavelmente, o MPLA pegaram nos quadros, como se calhar também nos partidos, e as bolsas eram aquelas que já estavam mais adiantadas. E havia já um ressentimento naquela altura. Portanto, havia muita inveja, mesmo para aquelas pessoas que ele pensava que eram próximas. E você mesmo pode ter amigos que são constantemente ligados a si. Até uma pessoa de família. E quando você estiver mal, você vai ver o que é que ela vai falar a seu respeito. Porque, afinal, vinha a estar com inveja de si. Eu penso que também houve muito disso. E ingratidão. Ingratidão também. Porque lá, a mim não mudou nada. Nem eu quis.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Sim. Em 2027, como é que fiz número do país com ou sem o MPLA no poder?

Maria Luisa Abrantes: Olha, o nosso país está tão desorganizado, tão desorganizado, tão desorganizado.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Por quê?

Maria Luisa Abrantes: Porque a organização começa na saúde pública. Em cima. Habitação. Porque vocês têm de ter água potável. Eu já lhe digo, mesmo que for no rio, mas o rio, há dias que chora, fica barrenta. No rio.

E a população é tanta. Não sei se está a entender. Portanto, se nós não tivermos essas coisas, segurança, defesa, deviam gastar mesmo o dinheiro que têm, que estão a gastar em coisas que não devem, e gastar na segurança. Deviam mesmo pôr ali, começar a usar, para ninguém, quem fosse corrompido lá na fronteira, polícia, guarda-fronteira, militares, cadeia forte mesmo, trabalhos esforçados. Usar os presos para trabalharem nas estradas, nem que for uma grelheta nas pernas. Que trabalhem a limpar, a fazer. Eu sei que o projeto interior, há uns anos atrás, fez algum esforço para criar, digamos assim, cadeias com formação.

Jornalista Victor Hugo Mendes: Reeducação das pessoas.

Maria Luisa Abrantes: Exato, mais, mais. Porque agora estão na cadeia, hoje saem logo. Porque ninguém paga, por isso ganha mal. Além de mais, nem tem sítio para pôr. Os cinco trabalham em uma prisão, onde eu já estive, como eu já disse. Eles estão, de fato, lá na cadeia. Estão todos prestes. Aqui eu estou todo o tempo, nem tem janelas. E coisas assim, quatro, cinco pessoas, nem me sinto, as minhas ouvidas e tudo aquilo, era uma cadeia. Eram celas. Portanto, o nosso país é muito difícil, mas é um país que tem futuro, mas não é com esse tipo de pessoas. Nem que vieram da Milita, nem que vieram de lá.

Jornalista Victor Hugo Mendes:  Doutor Luísa, muito obrigado.

 

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