Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, José Luís António Domingos não tem tido um consulado pacífico devido às suas posições ousadas em defesa da classe e de causas sociais, algumas das quais já levaram ao chumbo de leis inconstitucionais junto do Tribunal Constitucional.
“Ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido”?
A frase expressa um ideal nobre, mas ainda distante da realidade prática. A justiça deve, de facto, ser acessível para todos, infelizmente, persistem sinais de desigualdade no tratamento judicial, o que exige reformas estruturais e conjunturais no sistema de justiça.
Não podemos ter boa justiça, quando os tribunais são injustiçados pelo Executivo. Sem um poder verdadeiramente independente e eficiente, a justiça será sempre um sonho distante de ser concretizado para os angolanos.
O nosso Estado de Direito é embrionário e corre sérios riscos de ser abortado. É o momento de apostarmos seriamente no seu nascimento completo e saudável.
Do seu ponto de vista da OAA, há uma verdadeira separação de poderes em Angola?
Formalmente, sim. Contudo, na prática, observam- se interferências do poder político no funcionamento do poder judicial, que estão bem identificadas, quer pela dependência orçamental, quer pela nomeação discricionária dos presidentes dos tribunais superiores, entre outros constrangimentos, que devem ser estudados com profundidade na tão necessária reforma, que deve ter no centro os principais operadores da justiça e não os políticos ou juristas políticos.
No que diz respeito ao combate à corrupção: êxito ou fracasso?
O combate à corrupção foi anunciado com vigor, mas carece de consistência e imparcialidade. A falta de transparência, a morosidade processual e a selectividade nas investigações e julgamentos comprometem os resultados. Sem um sistema
«Há indícios sérios de corrupção no sistema judicial. Temos apelado à coragem de todos para que denunciem tais actos»
judicial independente e célere, este combate será sempre limitado.
Como tem sido a relação da OAA com as demais instituições judiciais?
Temos mantido um diálogo institucional respeitoso, mas firme. Exigimos o reconhecimento do papel constitucional da advocacia e rejeitamos qualquer tentativa de marginalização dos advogados nos processos judiciais. Quando necessário, reagimos publicamente e com acções legais.
Em relação ao debate sobre o pacote eleitoral que foi impedido por força de uma decisão judicial. O que tem a dizer?
A decisão de impedir o debate foi preocupante e revelou a fragilidade do espaço público democrático. A providência cautelar foi surpreendente, quer pela celeridade, quer pela falta de fundamentos jurídicos consistentes. Devemos ser exemplares no respeito das instituições, logo, acatamos a decisão judicial imediatamente e despoletamos os instrumentos legais disponíveis no nosso ordenamento para a reagirmos ao triste cedido que envergonha o Direito e demonstra a fragilidade das nossas instituições.
Acredita que houve interferência política nesse processo?
Quando um acto académico é travado de forma tão célere e sem justificações plausíveis, a suspeita de interferência política é legítima. Trata-se de um sinal de alarme para todos os que acreditam num Estado de Direito.
A OAA foi avisada da providência ou apanhada de surpresa?
Fomos completamente apanhados de surpresa. Não houve comunicação prévia. Essa postura dos nossos colegas colide como o nosso código deontológico.
Foi acusado de ligações à UNITA e ao Movimento cívico MUDEI. Confirma?
Essas acusações são infundadas: nunca fui militante da UNITA, nem integro qualquer movimento político. A minha lealdade é com a advocacia e com os princípios democráticos. Trata-se de uma tentativa de descredibilização sem qualquer base factual. Na verdade, tentaram impedir a nossa vitória nas eleições com os mesmos argumentos e vencemos. Sabemos que são estratégias antigas utilizadas, infelizmente, na nossa sociedade para silenciar quem pensa diferente.
Acredita na existência de uma campanha para afastá-lo da liderança da OAA?
Existem sinais de uma campanha de desestabilização, mas as tentativas de criar ruído e instabilidade interna não vão desviar- me do essencial: a defesa da classe e do Estado de Direito.
Sei que irão inventar cada vez mais inverdades em relação à minha pessoa e à instituição OAA, mas estamos descansados porque sabemos que a classe e os angolanos bem sabem quem somos e têm-nos defendido de forma muito coerente e satisfatória.
Quem estaria por detrás dessa campanha? Há “mãos invisíveis”?
Não especulo sobre nomes, mas é evidente que a nossa missão disruptiva a favor da dignidade dos advogados e da defesa do Estado de Direito incomoda os inimigos da justiça, do respeito da dignidade humana e do patriotismo. Estamos atentos e determinados a resistir a qualquer tentativa de intimidação.
Sobre a criação de um Tribunal Eleitoral, proposto pela sociedade civil, com o MUDEI à testa…
Além disso, é preciso melhorar o nosso sistema eleitoral, democratizar mais a eleição do cargo de presidente da CNE, porquanto, pensamos que já não se justifica que seja um monopólio dos juízes; repor o candidato independente nas eleições presidências, que hoje é monopólio dos partidos políticos; adoptar um modelo de eleição que permita uma melhor repartição do poder, em vez do modelo, como se diz “quem ganha, ganha tudo e quem perde fica sem nada”, ou seja, o modelo que permita a coabitação de várias forças políticas no poder em vez do tradicional modelo – partido no poder e oposição.
Sobre as autarquias: há mesmo vontade política para a sua implementação?
As evidências apontam para a falta de vontade política dos principais actores. A constante postergação e os argumentos técnicos usados como pretexto revelam resistência à descentralização do poder.
Acredita que as autarquias acontecerão antes de 2027?
Tenho dúvidas fundadas. O discurso oficial não é acompanhado por acções concretas.
Como avalia o desempenho da comunicação social?
Há progressos pontuais, mas a cobertura dos assuntos jurídicos continua a ser muitas vezes sensacionalista e mediática, pelo que é necessário incidir cada vez mais nos problemas estruturais e conjunturais da justiça, em vez de ser utilizada como o palco principal para os julgamentos antecipados na praça pública.
Sobre a Reforma da Justiça, o que urge mudar?
Urge garantir a autonomia financeira dos tribunais, implementar a rotação das presidências dos tribunais superiores, despolitizar as nomeações judiciais e investir na informatização do sistema, entre outras alterações. Só assim teremos uma justiça célere e independente. E esta decisão depende dos políticos, pois, sem vontade política não teremos uma verdadeira reforma em Angola. Porém, quem enquanto governa não permite que os tribunais sejam independentes, será julgado pelos tribunais dependentes dos novos governantes. É uma lição histórica que se repete constantemente em África.
Acredita na venda de sentenças denunciada em tempos pelo antigo bastonário da OAA Raul Araújo?
Infelizmente, há indícios sérios de corrup-ção no sistema judicial. Temos apelado à coragem de todos para que denunciem tais actos. Só assim, este mal, que tem desgraçado vidas, pode ser atenuado. O silêncio cúmplice alimenta esta prática. NJ