Quarta, 18 de Junho de 2025
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Terça, 17 Junho 2025 20:51

Venda de património sem decisão transitar em julgado representa risco, dizem analistas

Património alienado nestas circunstâncias enferma probabilidade de retornar ao seu anterior titular. Viola o princípio da presunção de inocência e serve de ´tortura’ psicológica aos acusados, afirmam especialistas.

A venda de património de ‘implicados’ na corrupção, sem que decisões transitem em julgado, representa o risco de um dia (cedo ou tarde) retornar ao seu anterior titular.

O ideal, alertam especialistas ao NJ, é esgotar todas as fases dos processos judiciais, no sentido de garantir a sã transmissão de bens.

Este pensamento é corroborado pelo jurista Fre derico Batalha, segundo o qual, embora os acusados estejam envolvidos em actos de ilegalidade ou de ilicitude, como, por exemplo, a corrupção, é recomendável esgotarem-se todas as fases dos processos judiciais.

“O que se deve fazer é cumprir os termos do quadro legal aplicável aos casos, de modo a assegurar que a transmissão de património seja realizado por quem é, efectivamente, dono e, com isso, reforçar a certeza e a segurança dos negócios jurídicos no País.

De outra maneira, alerta o jurista, a venda de património sem observância da lei representa um factor de “desmotivação para o investidor nacional” e um sinal negativo no âmbito do esforço de atracção de investidores externos. A venda de bens patrimoniais inscritos na esfera jurídica de acusados de crime de corrupção é ilegal e inconstitucional, considera outro jurista.

José Rodrigues sustenta que a venda de património naqueles termos viola o princípio da presunção de inocência, factor basilar do Estado de Direito.

Aclara que, enquanto as decisões não transitarem em julgado nem existir qualquer acórdão condenatório que tenha revertido determinado bem a favor do Estado, é desaconselhável a sua venda, sob pena de ser vista como “ajuste de contas”.

“Aos arguidos assiste-se o direito de recurso sobre um eventual acórdão de condenação. Não tendo a instância recursória sido esgotada, estas vendas evidenciam ajuste de contas, usando-se a justiça como instrumento da sua concretização”, justifica.

Argumenta que os sucessivos atropelos à Constituição e à lei, em geral, levam a que as decisões dos tribunais do País sejam permanentemente que stionadas noutros ordenamentos jurídicos no mundo. “As decisões dos tribunais angolanos são rejeitadas noutros ordenamentos jurídicos por falta de credibilidade”, aflora.

Não há atropelos às leis

Esta é a convicção do jurista Rui Verde, segundo o qual tanto quanto se sabe, as vendas de patrimónios de cidadãos alegadamente implicados em corrupção só estão a acontecer em relação a activos que entraram na esfera patrimonial do Estado, seja por nacionalização, quer devido à entrega voluntária pelos seus proprietários.

“Em termos do direito em vigor, não vejo problema na venda de património que já passou realmente para o Estado. O problema pode-se colocar em termos de direito futuro”, refere.

Rui Verde lembra que os referidos actos foram feitos ao abrigo da Lei da Apropriação Pública, Lei n.º 13/22, de 25 de Maio.

“É certo que, no caso da entrega voluntária de activos ligados ao CIF, esta é objecto de um processo judicial que a visa anular . Até ao momento, não houve qualquer decisão, pelo que a situação que vigora na ordem jurídica é a da prevalência da entrega ao Estado”, diz.

Ressalva mais adiante haver, de facto, o perigo de os eventuais compradores virem a ser confrontados com os antigos proprietários em qualquer momento posterior, por um tribunal ter dado razão a uma parte e anular uma entrega, ou por existir uma modificação das prioridades políticas.

“Há um evidente factor de risco. Estas situações, embora assentes em lei formal, são muito voláteis e dependem, em larga medida, da situação política e do desfecho de processos judiciais paralelos”, defende.

Venda só em circunstâncias especiais

A alienação de bens apreendidos na pendência de um processo constitui uma excepção e só é admissível em circunstâncias especiais, como, por exemplo, bens perecíveis, susceptíveis de rápida deterioração ou depreciação, indica o advogado Faria de Bastos.

Nos casos em que é permitida, explica o advogado, a alienação ou alguma forma de exploração de algum bem, deve-se respeitar o interesse do proprietário, estipulando-se um justo preço ou contrapartida que permanecerá apreendida à ordem da autoridade judicial.

“Por exemplo, o aluguer de um veículo automóvel ou arrendamento de um imóvel deve respeitar os interesses do proprietário”, relata.

Alerta, por sua vez, que, só com o trânsito em julgado de sentença condenatória, os bens ou produtos resultantes da sua venda ou exploração poderão reverter para o Estado ou para terceiros com direito aos mesmos.

Acrescenta que a outra forma de procedimento viola não só o direito à propriedade privada como também a presunção de inocência dos arguidos.

Acrescenta que outra forma de procedimento viola não só o direito à propriedade privada, assim como a presunção de inocência dos arguidos.

“O argumento de que o património pode ser vendido antecipadamente, ressarcindo-se depois o proprietário, o arguido, se esse não for condenado, desvirtua aqueles direitos e subverte a presunção de inocência em presunção de culpa”, alerta.

O advogado lembra, ainda, que aquele tipo de venda constitui um forte factor de pressão sobre os tribunais, sobretudo quando o Estado tem interesse na apropriação do património ou do seu uso, e os tribunais lhe são subservientes.

O exemplo da Alemanha

A Alemanha Oriental é um exemplo claro em matéria de alienação de património.

Após a queda da República Democrática Alemã (RDA), depois da reunificação, em 1990, da Alemanha, a questão das propriedades nacionalizadas na antiga RDA tornou-se num tema complexo. Muitas propriedades que haviam sido expropriadas pelo regime comunista foram objecto de processos de restituição.

“Em geral, os antigos proprietários ou os seus herdeiros podiam solicitar a devolução, mas, em muitos casos, devido a mudanças estruturais e económicas, receberam compensações financeiras em vez da restituição física de bens, recorda o jurista Rui Verde. NJ

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