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Segunda, 24 Novembro 2014 13:31

SINSE demarca-se do assassinato de Kamulingue

Segundo o antigo director-adjunto dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SINSE) de Luanda, Paulo Mota, em declarações a instância de defesa, Manuel Miranda ordenou, Francisco Pimentel, vulgo Kiko, disparou e Luís Miranda só assistiu. Mas o autor dos tiros acusou-o de ser o mandante.

Paulo Mota procurou, nesta Quarta-feira, 19, descartar o envolvimento da sua instituição no assassinato do activista cívico Alves Kamulingue, alegando que os dois disparos foram feitos pelo oficial da Polícia Nacional Francisco Pimentel “Kiko”, a mando de Manuel Miranda, ex-chefe de Investigação Criminal da Ingombota.

“Estava a mais ou menos dez metros de distância quando ouvi o primeiro tiro e assim que virei (assustado), ouvi o senhor Manuel Miranda a ordenar: só?… dá mais um tiro. Logo a seguir soou o segundo disparo”, contou Paulo Mota, deixando a sala de audiência da 6ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda em profundo silêncio, para sustentar a sua acusação.

Indagado por uma das juízas assistentes sobre em que posição estava a vítima, respondeu ser de joelhos e que a pistola se encontrava em posse do oficial Kiko. Não pode precisar se terá sido ele quem deu o primeiro tiro, por se encontrar virado de costa e a falar ao telefone, mas reafirmou que foi Kiko quem fez o segundo disparo, em fração de segundos.

Perplexa, a magistrada judicial questionou-o se a vítima ainda estava em vida no momento em que o abandonaram no local e o motivo que o levou a não denunciar o acto aos órgãos superiores da Polícia, o depoente procurou defender-se da melhor maneira que pôde.

Disse que logo depois dos disparos o oficial Manuel Miranda ordenou a retirada e, como estava próximo do veículo. Quanto a necessidade de ir à Polícia, disse que estava em estado de choque com à aquela situação, porque a informação que tinha era de que os polícias poderiam dar alguns açoites ao seu colega como correctivo.

“Foi naquele momento que percebi que a missão que me havia sido incumbida pelo meu director era diferente. Comecei a temer pela minha vida e notei que caso mostrasse alguma resistência seguiria o mesmo caminho”, justificou.

Inconformada, a juíza assistente confrontou-o com as declarações prestadas durante a fase de instrução processual onde conta uma versão contrária a esta e ele respondeu que as mesmas foram forjadas pelo investigador que conduziu o processo na Procuradoria-Geral da República e que foi obrigado a assinar.

A meritíssima voltou a questioná-lo sobre o facto de nada ter feito para impedir que um dos seus colegas, no caso agente de segurança, fosse morto, tendo em conta a sua importância na estratégia de conter as manifestações que se registavam na altura.

Reafirmou que não sabia que ele seria morto e que temeu pela sua segurança, uma vez que o ex-director provincial do SINSE, António Manuel Gamboa Vieira Lopes, o havia orientado a indicar aos polícias quem era o agente Kamulingue e a acompanhar o serviço que seria realizado. Justificou ainda que não denunciou o acto aos órgãos superiores da Polícia ou do SINSE por obediência ao regulamento desta instituição, tendo em conta que para tal teria que contar com o aval do seu superior hierárquico.

Paulo Mota disse que apesar de não ser o responsável directo de Kamulingue, foi a pessoa a quém o seu superior hierárquico incumbiu a missão de acompanhar o seu comportamento durante a actividade dos efectivos da Polícia. Isto para que o pudessem melhor direccionar, caso cometesse alguma gafe, por intermédio do responsável do SINSE no Cazenga, com quem a vítima reuniria no dia seguinte.

Arruinados 32 anos ao serviço da Nação

Ao tomar conhecimento de que o arguido faz parte dos quadros da secreta angolana há 32 anos, o representante do Ministério Público, Manuel Bambi, baseou-se nos seus depoimentos para o questionar por que razão chorou ao contar o sucedido a Vieira Lopes, um dia depois do facto.

Respondeu que as lágrimas surgiram em consequência do estado de choque e de revolta em que se encontrava devido ao triste episódio que acompanhou no dia anterior.

Contou que liderou a equipa que vigiou o encontro de Kamulingue com uma cidadã estrangeira no Hotel Epicsana. Assim que tal actividade terminou, estava a caminho de casa quando recebeu a orientação de Viera Lopes para acompanhar tal operação.

Disse que foi o oficial da Polícia Manuel Miranda, com quem andou até ao Ramiros, quem comandou a operação e ele se limitou apenas a acompanhá-los.

“O director provincial me havia informado que os polícias pretendiam fazer um trabalho com o agente Kamulingue e a minha função seria apenas de indicá-lo. Assim fiz”, disse.

Não obstante, procurou esconder-se no interior da viatura do suposto líder da operação para evitar que fosse visto pelo malogrado. Ao longo do trajecto manteve por diversas vezes comunicação com o delegado provincial e, no momento da execução, estava a falar com ele ao telefone.

Depois de se despedir dos demais, já no centro da cidade, informou parcialmente o sucedido ao seu chefe e este o ordenou a fazer-se presente no escritório no dia seguinte, por não ser conveniente manter este tipo de conversa pelo telefone.

Os advogados de defesa dos arguidos procuraram obter do depoente informações para inocentarem os seus constituintes. A dupla Celestino Kemba e Benja Satula, defensores de António Vieira Lopes, questionaram ao arguido se o seu chefe sabia que aquela operação tinha como principal objectivo pôr fim à vida do “falso” activista cívico e este respondeu negativamente.

Já o jurista Arsénio Cristóvão, causídico de Manuel Miranda, Luís Miranda e Francisco Pimentel, teve maiores dificuldades em encontrar subsídios para defender a tese dos seus constituintes. Tudo porque Paulo Mota descreveu que os três é que retiraram a vítima do Chevrolet Spark e o acomodaram no Land Cruiser para, de seguida, o levarem ao local onde veio a ser abatida.

O depoente, a pedido do defensor, exemplificou a posição em que se encontravam os três arguidos nos últimos minutos de vida de Alves Kamulingue.

Segundo ele, Manuel Miranda ordenou, Francisco Pimentel disparou e Luís Miranda só assistiu.

O advogado oficioso de Francisco Pimentel, Tenda Daniel, vulgo Tucano, obteve a confirmação de que o seu constituinte era colaborador dos Serviços de Informação e Segurança do Estado e não participou directamente na morte de Kamulingue. Ele está a ser julgado à revelia, por se encontrar em fuga.

Kiko sai em sua defesa

Aparentemente surpreendido com o que acabava de ouvir, Francisco Pimentel solicitou ao juiz-presidente Carlos Baptista e este assim procedeu, tão logo foi possível.

Kiko não negou a autoria dos factos e solicitou ao director-adjunto do SINSE que assumisse que foi ele quem realmente ordenou que se fizesse os disparos. “Estava em casa quando me solicitara que fosse ao seu encontro. Neste crime estão arrolados vários oficiais com cargos na Polícia, por isso é bom que se fale a verdade”.

Manifestou-se ainda preocupado com o facto de os advogados de defesa estarem a usar os seus depoimentos, prestados em Tribunal, para inocentarem os seus clientes.

De uma forma pedagógica, Carlos Baptista explicou ser normal os advogados procederam de tal maneira e que o debate de ideias é salutar para a descoberta da verdade material, mas que isso não quer dizer que os depoimentos dos seus constituintes sejam legítimos.

“Nós estamos aqui no Tribunal mesmo para ouvir os vossos depoimentos, sempre que achares que qualquer um de vocês quiser intervir deve pedir a palavra, que vos será dada no devido momento”, esclareceu.

O arguido mostrou-se surpreendido com o facto de Paulo Mota ter indicado a sua pessoa como o único indivíduo que supostamente conhecia o local onde cometeram o crime. “Quando estávamos de regresso, o Kiko disse que conhecia aquele local por ser próximo a quinta da sua chefe no Ministério do Ambiente”, disse.

Aparentemente supresso, Kiko respondeu de forma irónica que isso só demonstra que Paulo Mota já o andava a perseguir há muito tempo e que isso já não seria possível por se encontrarem todos detidos.

Apesar de se encontrarem detidos na Cadeia Central de Viana, os setes arguidos apareceram no Tribunal trajados de fato, com sapatos finos, alguns com relógios no pulso e dois de óculos escuros.

As sessões de julgamento estão a ser realizadas de Segunda a Sexta-feira.

‘Tribunal Constitucional viola a Lei’

O advogado Benja Satula declarou, nesta Terça-feira, 18, que o Tribunal Constitucional (TC) violou gravemente a Lei e as doutrinas de jurisprudência ao escusar-se a mencionar o estipulado na alínea 2ª do 63º Artigo do Código de Civil, no acórdão em que ordena o reinicio deste julgamento.

O acórdão do TC teve como um dos fundamentos a 1ª alínea do artigo atrás mencionado que determina que “a capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como as exigências de forma especial das disposições por virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei do autor ao tempo da declaração”. O que se pressupõe que como António Vieira Lopes não era general no momento em que se deu os factos não poderia ser julgado com esta condição.

Já 2ª alínea, defendida pelo advogado de defesa, estabelece o contrário ao determinar que “aquele que, depois de ter feito a disposição, adquirir nova lei pessoal conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei anterior”.

As declarações foram proferidas durante a sessão que marcou o reinício do julgamento dos efectivos da Polícia Nacional e do SINSE, acusados de terem assassinado os “activistas cívicos” Isaías Cassule e Alves Kamulingue.

O defensor de António Manuel Gamboa Vieira Lopes, então director provincial do SINSE, mostrou-se indignado com o facto de os juízes do Tribunal Constitucional se terem cingido simplesmente na 1ª alínea do referido documento para sustentar a sua posição, deixando de lado a 2ª alínea.

Argumentou ainda que nas circunstâncias em que se encontra o seu arguido as doutrinas jurídicas recomendam o seu favorecimento. No seu entender, os juízes da Câmara Criminal de 1ª instância do Tribunal Constitucional terão pecado ao não terem em conta que a declaração de incompetência por parte do Tribunal Provincial de Luanda para julgar este caso foi apresentada numa altura em que o seu cliente ostentava a patente de general das Forças Armadas Angolanas.

Esclareceu ainda que o alerta que fez sobre o facto de o Tribunal Provincial de Luanda estar a julgar um oficial superior das FAA, o que não é de sua competência, não significa que era de sua pretensão que o processo fosse julgado em outra instância. Para ele e o seu constituinte é indiferente.

Disse ainda que foi com base nisso que optou por não recorrer da decisão do digno representante do Tribunal Constitucional.

O digno representante do Ministério Público, Manuel Bambi, concordou com o teor do acórdão do Tribunal Constitucional, embora tenha sido o primeiro a alertar sobre o “esquecimento” ocorrido em relação ao estipulado na 2ª alínea do artigo 63º do diploma acima mencionado.

Para facilitar a compreensão dos factos e a descoberta material, a equipa de juízes com o aval do procurador e das instâncias de defesa e acusação, optou por dar sequência a dinâmica de interrogar primeiro os presumíveis autores do assassinato de Alves Kamulingue.

Bastidores da operação

O então chefe de sector do Comando de Divisão da Ingombota, Luís Miranda, deu sequência às suas declarações por ter sido o indivíduo que estava a ser interrogado pela instância de defesa dos arguidos quando Benja Satula alertou que o seu constituinte não poderia ser julgado por este Tribunal por ter sido promovido a general.

Luís Miranda esclareceu que foi o então chefe de Investigação Criminal da Ingombota, Manuel Miranda, que o orientou a juntar-se a dois efectivos desta unidade que estavam incumbidos de deter o cidadão Alves Kamulingue, nos arredores do Largo da Independência.

Questionado sobre onde se encontrava no momento em que recebeu tal missão, respondeu que saía do Posto da Polícia da Ilha de Luanda e que o orientaram, pelo telefone, que fosse ao encontro do delegado provincial do SINSE no largo da Ingombota. Aí juntou-se aos seus colegas e o director adjunto do SINSE e rumaram em direcção à Igreja da Sagrada Família, atrás de Kamulingue que possuía informações que lhe fora transmitida por uma cidadã estrangeira no hotel Epic-Sana.

Esclareceu que o agente não mostrou resistência ao ser informado que deveria acompanhar os efectivos da Polícia e levaram-no até ao bairro do Ramiros, onde foi seria morto.

Indagado por uma das juízas assistentes sobre por que lhe amarraram os membros superiores e inferiores com um fio de electricidade, se estava a obedecê-los, respondeu que eles não usaram fio de electricidade mas sim fita-cola retirada de um caixote que se encontrava na bagagem do carro de Manuel Miranda. Acrescentou que o malogrado já havia ficado agitado pela forma como estava a ser transportado no interior da viatura de marca Chevrolet Spark, afecta a Polícia Nacional.

OPAIS

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