Outro jovem esteve no centro durante dois meses. Aos 14 anos, foi detido quando tentava assaltar as instalações de um jornal privado. Várias vezes fugiu de casa da tia, com quem vive, para ficar na passagem superior da Avenida Deolinda Rodrigues.
O pai, lavador de carros, e a mãe, zungueira, separam-se há sete anos e vivem hoje com novos parceiros. “Ele. tinha dez meses quando o recebi da mãe”, conta a tia.
Na separação do casal, a guarda dos filhos é por norma atribuída à mãe, mas, “muitas vezes surge a falta de apoio financeiro por parte do pai, ou a fuga à paternidade”, disse ao Jornal de Angola o psicólogo Luís Leitão Ribeiro. “Essa mãe vai lutar para dar de comer, vestir, tratar da saúde e da casa. Cabe ao pai o dever de impor o respeito, a disciplina em casa, o cumprimento das tarefas escolares. Mas este não está presente e nem quer saber”, referiu.
A situação agrava-se porque a conduta dos adolescentes acaba por prejudicar as famílias, obrigadas a pagar indemnizações, e o próprio menor, que vê o futuro ameaçado. Corre o risco de detenção e está sujeito a actos de violência.
Casos registados
Os especialistas do Departamento de Prevenção e Combate à Delinquência Juvenil colocados nas esquadras dos distritos e divisões dos municípios fazem o registo das ocorrências que envolvam menores e enviam-nos à Direcção Nacional de Investigação Criminal, que os encaminha ao Julgado de Menores.
“Antes de ser encaminhado ao Julgado de Menores, o acusado é submetido a exame psicossomático para determinar a idade”, explica Luísa Paim, chefe de Departamento de Prevenção à Delinquência Juvenil da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).
Os distritos do Rangel e Sambizanga e os municípios de Cacuaco, Viana e Cazenga são os que mais registam ocorrências de casos de delinquência juvenil em Luanda. A maior percentagem de infractores é de rapazes entre os 14 e 15 anos. De Janeiro a Agosto deste ano, a Polícia registou várias a crimes de furto, roubo, ofensas corporais, rixas, violações sexuais e três homicídios praticados por adolescentes. O Julgado de Menores do Tribunal Provincial de Luanda recebeu mais de 280 processos de menores em conflito com a Lei e 134 adolescentes ficaram privados da liberdade.
Os adolescentes permanecem no Centro de Observação até serem apresentados ao procurador para instauração do processo e encaminhamento ao Tribunal para julgamento.
“São interrogados por diferentes juízes a serem indicados em dia próprio”, disse Benedito Mateus, director do Centro de Observação de Menores.
No centro, o prazo de permanência vai até uma semana para as infracções menos graves e acima de um mês quando a gravidade do caso assim o justifica. “Isto para a própria protecção do menor de possíveis actos de retaliação por parte da família ofendida”, referiu Benedito Mateus.
A maior parte dos processos envolve menores provenientes de famílias desestruturadas e carenciadas. “Os pais vivem separados. Em alguns casos, a mãe, zungueira ou doméstica, assume o papel de chefe da família, porque o pai foge à paternidade e não presta assistência financeira aos filhos”, acrescentou.
Para muitas famílias, o Centro de Observação de Menores é o local que lhes devolve o sossego, pelo facto do filho menor, reincidente em más práticas, estar nas mãos do Estado.
“Aqui, eles são bem tratados, estudam, têm assistência médica, psicológica, social. Temos palestras, actividades recreativas, culturais, desporto, trabalhos de artesanato, desenho. Tudo isso contribui para a transformação do carácter do adolescente”, disse o responsável do centro.
Benedito Mateus lamentou o facto de muitos pais se negarem a receber os filhos de volta a casa quando o Julgado de Menores procura a sua reintegração no seio familiar.
O dia do julgamento
João é um desses casos. No ano passado, cometeu um homicídio, passou oito meses no centro e o Julgado de Menores decidiu reintegrá-lo no seio familiar, mas os pais não o querem receber. Se voltar para as ruas, o mais certo é que regresse ao crime.Antes de serem reintegrados no seio da família, Pedro e Vitorino foram ouvidos em audiências separadas, realizadas à porta fechada, numa pequena sala do Julgado de Menores.
O juiz, na posse do processo sobre os factos de que o menor é acusado, faz as perguntas sobre acção criminosa na presença do procurador, advogado ou defensor oficioso, dos pais, da pessoa lesada e dos peritos assessores.
Para que os menores não se sintam intimidados, as vestes apropriadas dos magistrados não são utilizadas e tudo é feito de modo a deixar o menor à vontade e responder às questões sem receio ou vergonha.
O julgamento chegou ao fim. Ficaram provadas as acusações da prática das acções criminosas constantes nos processos.
O juiz determinou aos menores a imposição de regras de conduta, como a proibição de saírem de casa depois das 18h00 e o pagamento de uma indemnização aos lesados por parte dos seus representantes legais. A seguir, mandou-os para o seio das famílias.
“As regras de conduta determinadas pelo juiz fazem parte das medidas de prevenção criminal e equivalem à sentença”, explicou um juiz.
Além das medidas de prevenção criminal, o juiz também pode determinar o cumprimento de medidas de protecção social, caso esteja em perigo o bem-estar físico ou moral do menor, quer seja por se tratar de uma vítima de maus tratos, quer se encontre em situação de abandono ou desamparo.
A medida de internamento do menor só é adoptada caso não seja possível adoptar medidas mais favoráveis ou quando a situação de abandono do menor a torne mais aconselhável.
Levar os menores infractores ao Julgado de Menores não basta, defende Luís Leitão Ribeiro: “É importante que as entidades que cuidam da segurança e protecção dos cidadãos trabalhem, em cooperação com sociólogos e psicólogos, para encontrar soluções”. As medidas têm por finalidade a defesa dos direitos e a salvaguarda da integridade física e moral dos menores. “Isto, porque o menor não comete crimes como tal, mas sim acções tipificadas na Lei como crime”, explicou a Procuradora da República junto do Julgado de Menores, Carla Patrícia Correia.
Estas medidas podem ser provisórias, aplicadas na fase inicial do processo, ou definitivas, no final do julgamento.
Sentido de impunidade
As medidas com carácter sancionatório impostas pelo juiz para o cumprimento dos menores não foram observadas.
A Comissão Tutelar de Menores, que tem a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das decisões do juiz, não tem funcionários suficientes para acompanhar todos os casos que ocorrem na província de Luanda. Esta comissão é composta por cinco membros, dos quais dois são provenientes do Instituto Nacional da Criança (INAC) e três do Ministério da Assistência e Reinserção Social.
“Temos feito tudo para atender o maior número de casos”, garantiu Carlos Gamboa Santana, coordenador da comissão. Os dois menores infractores viram ser-lhes restituída a liberdade. A pergunta que se coloca é se não vão voltar a cometer crimes. Por falta de centros especializados, muitos adolescentes em conflito com a Lei são reintegrados no seio da família e na comunidade sem serem submetidos a um processo de reeducação.
Com os centros de reeducação, os menores infractores podiam ser acompanhados por vários especialistas, além de receberem assistência médica, estudarem, praticarem actividades, culturais e recreativas, disse Carla Patrícia Correia. Os menores devem exercer actividade útil e seguir programas que mantenham e reforcem a sua saúde e o respeito por si próprios, acrescentou.
A procuradora defende que é necessário expandir os serviços do Julgado de Menores a todas as províncias, pôr a Comissão Tutelar de Menores a funcionar a cem por cento e que as medidas de prestação de serviços à comunidade sejam cumpridas na íntegra.
Jornal de Angola