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Sábado, 24 Dezembro 2022 15:08

Pitta Gróz e a falta de nocão do tempo

Há pouco menos de dois meses, em mais uma passagem por Lisboa, hoje por hoje feita paragem “obrigatória” para a generalidade dos governantes angolanos, Hélder Fernando Pitta Gróz, Procurador Geral da República, anunciou a amigos que, regressado ao país, colocaria o cargo à disposição do Presidente da República

Segundo alegou, abdicaria do cargo por duas razões essenciais: a idade (66 anos), que já vai avançada e pretensas pressões do Presidente da República.

“O Presidente da República quer presos se não todos os dias, mas semanalmente. E por mais que argumentemos que há um conjunto de procedimentos que antecedem a detenção de um indivíduo, ele não quer saber. Estou cansado dessas pressões. Vou para casa. Aliás, também já preciso de mais tempo para dedicar aos netos”.

Um angolano a quem um dos interlocutores de Pitta Gróz contou o que ouviu do PGR reagiu peremptoriamente. “É mentira! Esses cotas não largam o osso. Pitta Gróz não vai a lado algum. Vai continuar no posto e ele sabe por quê é que tem de agarrar-se ao poder”.

No dia 16 de Dezembro, o plenário do Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público, a que preside, deliberou propor ao Presidente da República a “recondução do Sr. DR. Hélder Fernando Pitta Gróz ao cargo de Procurador Geral da República”.

Para prevenir eventuais mal-entendidos, o plenário do CSMMP houve por prudente recomendar “a remessa da proposta de recondução do Procurador-Geral da República e Presidente do Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público, bem como a lista dos três mais votados ao cargo de 1.º Vice-Presidente do CSMMP ao Senhor Presidente da República”.

Embora não conste da deliberação, participantes da estranha plenária do CSMMP dizem que Hélder Pitta Gróz lhes garantiu que a sua recondução ao cargo de PGR obedecia a uma decisão do Presidente da República.

O PGR teria colocado o nome do Presidente da República sobre a mesa para intimidar e inibir outros procuradores, nomeadamente o vice “Artur Nunes”, de se fazerem ao posto.

Surpreendido pela avalanche de reacções negativas à recondução de Hélder Pitta Gróz, a Presidência da República entrou em campo.

Chamado à Cidade Alta, na quinta-feira, 22, Hélder Pitta Gróz foi duramente repreendido por haver violado o “3º mandamento”, que considera como pecador o indivíduo que “tomar em vão o nome do Senhor”.

No palácio presidencial, onde já chegou encharcado em suores, a Pitta Gróz foram feitas acusações que se aproximam de profanação do nome do Presidente da República.

Cabisbaixo, ouviu que a sua recondução no cargo de Procurador Geral da República nunca esteve nas cogitações do Presidente João Lourenço. Soube-se ali que o Presidente da República há muito que reservou o posto a uma mulher.

Fontes que testemunharam a reprimenda comentaram, depois, que o brigadeiro Vasco Sabino da Silva, director do Gabinete Médico do Presidente da República, foi chamado às pressas para estar por perto porque a determinado momento o (ainda) Procurador Geral da República começou a dar sinais de crise cardíaca.

“Consertado” pelo médico, Pitta Gróz regressou à casa com lucidez que lhe permitiu redigir a carta de jubilação.

Nas próximas horas, o Presidente da República deverá anunciar ao país a nova Procuradora Geral da República. Trata-se de Inocência Maria Gonçalo Pinto.

Descrita como muito severa e “sensível às ordens superiores”, Inocência Pinto deverá imprimir à luta contra a corrupção “a rapidez que Pitta Gróz não lhe deu”, segundo fonte próxima à futura PGR.

A nomeação de Inocência Pinto representa uma iminente ameaça a todos os dignitários que têm pendências com a justiça.

Aprovada pela Assembleia Nacional, a nova Lei de Amnistia não contempla crimes de sangue, de violação sexual e de peculato.

Na Procuradoria Geral da República jazem “toneladas” de processos envolvendo crimes de peculato e de que são indiciados, quase exclusivamente, dirigentes de proa do MPLA.

A nomeação de Inocência Pinto será uma espada de Dâmocles sob as cabeças de dirigentes do MPLA, alguns dos quais deputados indiciados, que aprovaram, sem resmungar, a nova Lei da Amnistia. Ou seja, fizeram o nó à corda com a qual serão enforcados…

Como muitos outros, Pitta Gróz não deu pela passagem do comboio.

Se tivesse honrado a promessa que fez a amigos na capital portuguesa, Pitta Gróz teria saído da Procuradoria Geral da República pela porta da frente.

Nas circunstâncias em que deixa o cargo, fazendo recurso ao instituto da jubilação, que deveria ter accionado quando completou 65 anos, é duvidoso que a Pitta Gróz ainda sobre alguma coragem e dignidade para ir à PGR recolher os seus pertences.

Em Eclesiastes 3:1-8 diz-se que tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
“Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.”

Hélder Pitta Gróz viveu um dilema interno muito complexo: enquanto PGR, o Presidente da República confiou-lhe o comando do combate à corrupção. Mas corrupção é fenómeno cuja existência negou anos a fio enquanto adjunto de João Maria de Sousa na mesma PGR, função que exerceu entre 2007 e 2017.

Dir-se-ia que o combate à corrupção não é exactamente uma tarefa a que Hélder Pitta Gróz estivesse rotinado.

Não é apenas a escassez de recursos humanos que quase tirou de “circulação” o combate à corrupção, à impunidade e ao saque do erário. É também e sobretudo a falta de hábito e de vontade.

Sob o perturbador título Tribunal de Contas é mealheiro de Exalgina, o portal makaangola.org publicou em Junho uma “violenta” denúncia envolvendo a presidente daquele tribunal em gastos despudorados de dinheiro público.

Quase na mesma altura, a newsletter portuguesa Africa Monitor envolveu Exalgina Gamboa em transferências de dinheiro do Tribunal de Contas para a conta de um filho domiciliada em Portugal.

Ou seja, Exalgina Gamboa “peculou” fartamente.

À imprensa, o vice-procurador geral da República, Mota Liz, garantiu que as denúncias envolvendo a presidente do Tribunal de Contas em pretensos desvios de fundos públicos seriam “matéria específica da PGR”.

Ao Correio Angolense, funcionários do Tribunal de Contas disseram não ter conhecimento de que Exalgina Gamboa alguma vez tivesse sido molestada pela PGR.

Como nota final, registe-se que, com a nomeação de Inocência Pinto, muito provavelmente o Presidente João Lourenço entrará na lista dos maiores filóginos da história da humanidade.

A nova PGR é um significativo reforço ao “batalhão feminino” do PR, composto por Esperança Costa (vice-Presidente da República), Carolina Cerqueira (presidente da Assembleia Nacional), Laurinda Cardoso (presidente do Tribunal Constitucional), Exalgina Gamboa (presidente do Tribunal de Contas). Por esse andar, o brigadeiro que actualmente preside ao Tribunal Supremo também será sucedido por uma mulher.

Não é claro se a nomeação de Inocência Pinto traduz apenas o apreço que o Presidente da República tem por mulheres ou se com esse estratagema está a criar uma parede de aço para alguma acção que tem na mente.

Correio Angolense

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