Sérgio Raimundo, advogado de defesa do general "Zé Maria", interrompeu o réu, pedindo desculpa ao juiz e solicitando autorização para fazer "algumas perguntas ao senhor tenente".
"Terminou os estudos em que classe?", perguntou o advogado, ao que o tenente Manuel Nicolau respondeu que completou a 12ª classe.
Sérgio Raimundo retorquiu: "Nem parece que é um oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), o senhor não sabe falar, estamos a falar português, na fase de instrução preparatória disse uma coisa, hoje está a falar outra. Não pode dizer duas verdades sobre uma realidade e sobre o mesmo facto".
O juiz Carlos Vicente interveio, exigindo respeito para com um oficial das FAA e transmitindo ao advogado de defesa do general "Zé Maria" que "não é preciso humilhar ninguém nem dar lições de moral".
"Estamos perante um tribunal, não tem o direito de falar assim com um oficial das FAA. Isso de nível académico não vem ao caso, senhor advogado, tenha mais respeito porque não está a falar com uma criança", disse o magistrado.
A discussão entre juiz e advogado levou a que o presidente do colectivo de juízes suspendesse a audiência, remarcando para o período da tarde de hoje a audição de outra testemunha, concretamente o ex- director do Jornal de Angola, José Ribeiro, arrolado no processo por ter publicado vários textos de opinião escritos por "Zé Maria", que retratavam a batalha do Cuíto Cuanavale e a Guerra dos Congos.
Testemunha conta suposta insubordinação do general José Maria
O director-adjunto do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), José Coimbra Baptista Júnior, confirmou hoje, no Supremo Tribunal Militar (STM), que o general António José Maria não acatou a decisão do Presidente da República, João Lourenço, no sentido de fazer a entrega de todo o acervo do Serviço de Informação e Segurança Militar (SISM), após à sua exoneração.
José Coimbra Baptista Júnior respondia ontem no STM na qualidade de testemunha de acusação, no julgamento em que o ex-chefe do SISM, general António José Maria, é acusado da prática dos crimes de extravio de documentos, aparelhos ou objectos que contêm informações de carácter militar, bem como de insubordinação.
Coimbra Baptista confirmou aos juízes o encontro, no dia 11 de Fevereiro deste ano, entre o director-geral do SINSE, Fernando Garcia Miala, e o general José Maria, em que o primeiro transmitiu a ordem do Presidente João Lourenço, no sentido de o ex-chefe do SISM entregar, no prazo de 48 horas, todo o acervo relativo à Batalha do Cuito Cuanavale.
“O general José Maria disse que se encontrava a dirigir um gabinete na FESA e que, para que este acervo pudesse ser entregue, o Presidente João Lourenço devia contactar o ex-Presidente José Eduardo dos Santos”, contou.
A testemunha sublinhou que houve, por parte do general Garcia Miala, a tentativa de convencer José Maria a reconsiderar a sua posição, para evitar situações que poderiam não ser as mais desejadas, mas o ex-chefe do SISM manteve-se firme na sua posição.“Em momento nenhum houve da parte do general José Maria a aceitação da ordem baixada pelo Presidente da República para a entrega do acervo sobre a Batalha do Cuito Canavale”, afirmou. O Tribunal volta hoje a ouvir várias testemunhas.
Cumprimento de orientação
Por seu turno, o jornalista António José Ribeiro, arrolado como testemunha por parte da defesa, informou que os artigos publicados ao longo dos últimos anos sobre a batalha do Cuito Cuanavale davam cumprimento a uma orientação do ex-presidente da República para que o Jornal de Angola publicasse factos das batalhas ocorridas no pais desde a independência.
Referiu que em 2014 o ex-chefe de estado orientou a este órgão para publicar artigos que narrassem as batalhas mais importantes ocorridas no país desde 1975, com realce para a do Cuito Cuanavale, no intuito de elucidar as camadas mais jovens sobre factos históricos.
Salientou que as fontes e material relacionados à Batalha do Cuito Cuanavale foram-lhe fornecidos pelo ex-chefe do SISM, em virtude do mesmo ter investigações muito avançadas sobre a matéria.
Frisou, por outro lado, que ao longo dos 45 anos de exercício da profissão de jornalista teve a oportunidade de tomar contacto com importantes dossiers da vida política e diplomática de Angola, com destaque para as conversações tripartidas que culminaram com os acordos de Nova Iorque e a consequente queda do regime do apartheid na África do Sul.
O general António José Maria esteve à frente do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) de 2009 a 2017.
O julgamento, iniciado 12 de Setembro, prossegue nesta quinta-feira com continuação à audição das testemunhas. NJ/Angop