O general Fernando Garcia Miala, chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, não compareceu ontem no Supremo Tribunal Militar (STM), em Luanda, para ser interrogado, na condição de declarante, pelas partes envolvidas no mediático “Caso Zé Maria”. Para a audiência de ontem, a equipa de juízes do STM, liderada por António dos Santos Neto “Patónio”, prévia colher os esclarecimentos do chefe da secreta angolana, porém, não foi possível por se encontrar em missão de serviço no exterior do país e desconhecer-se a data do seu regresso.
Fernando Garcia Miala foi arrolado como declarante neste processo que tem como arguido o general António José Maria, mais conhecido por general Zé Maria, antigo chefe do SISM, por ser o autor da participação criminal.
O general “Patónio”, na qualidade de juiz da causa, deu a conhecer às instâncias do Ministério Público e de defesa da ausência e do que se estava a passar, para que, em conjunto, decidissem que se prescindisse do interrogatório e procedessem à leitura das informações que ele prestou durante a fase de instrução processual ou aguardassem pelo seu regresso.
Os representantes das duas instâncias anuíram que se fizesse a leitura de tais declarações, no âmbito do princípio da celeridade processual, atendendo ao facto de ele não ser uma peça determinante para a descoberta da verdade material.
O general Miala prestou declarações à Procuradoria Militar, no dia 28 de Março de 2019, num interrogatório conduzido pelo então titular da pasta, Adão Adriano António. Segundo consta no auto do seu interrogatório, o encontro que manteve com o general Zé Maria, no parque de estacionamento do restaurante Jango Veleiro, à entrada da Ilha de Luanda, durou mais de duas horas.
Considerou de fúteis a justificação que o general na reforma apresentou para não comparecer na sede do SISM, consubstanciada no receio de que o assunto que abordariam fosse parar à Internet.
Apesar de reconhecer que o local não era o ideal para tratar de questões de Estado, anuiu ao pedido de Zé Maria por, alegadamente, pretender transmitir-lhe a ordem do Comandante-em-Chefe, João Lourenço, segundo a qual devia devolver todos os documentos sobre a Batalha do Cuito Cuanavale que retirara do SISM, no prazo de 48 horas.
Entretanto, no princípio hesitou e contactou o procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, via telefónica, no sentido de o pôr ao corrente do que se estava a passar. Este recomendou-lhe que fosse, em função da urgência que havia em fazer cumprir a ordem de João Lourenço. Assim o fez, no entanto, contactou antes o seu adjunto, o general José Coimbra Baptista Júnior, e, no carro deste, rumaram ao Jango Veleiro.
De acordo com o general Miala, Zé Maria declarou que não entregaria os documentos.
Alguns documentos que Zé Maria levou ‘permaneceram no SiSM’
O tenente-general Justino Lumbugololo, chefe do departamento de Estudos e Assuntos Jurídicos do SISM, revelou ontem que parte dos documentos sobre a célebre Batalha do Cuito Cuanavale, que o general Zé Maria retirou da instituição, lá permaneceram em fotocópias.
Em declarações à instância de defesa, encabeçada por Sérgio Raimundo, Justino Lumbugololo confirmou que o SISM não ficara sem o conteúdo dos referidos documentos, ao ser confrontado com os depoimentos que prestou durante a instrução: “Felizmente, pela natureza do serviço que a equipa prestava, alguns documentos, por terem sido scaneados, digitalizados e traduzidos, ainda constam nos aparelhos do SISM”. Acrescentou de seguida que “até hoje alguns documentos encontram- se nos arquivos do SISM”. Justino Lumbugololo, que participou na tradução de tais documentos adquiridos ao espião luso- sul-africano-moçambicano Manuel Vicente da Cruz Gaspar, confirmou que tinham a classificação “Top Secret” (Muito Secreto) do exército da África do Sul.
Questionado se conhece qual é a lei angolana que define o critério de classificação de documentos secretos, respondeu que “vagamente”. Face a isso, Sérgio Raimundo pediu-lhe esclarecimentos sobre o prazo que essa lei define para a vigência de um documento com essa classificação, o declarante não soube precisar. “É triste!”, desabafou o causídico inconformado, por ter visto frustrada a tentativa de obter informações sobre esse assunto.
Refez rapidamente a estratégia, questionando-lhe se os documentos a que se referem os autos têm a ver com as actividades desenvolvidas pelas Forças Armadas Angolanas (FAA), respondeu que não, mas sim com as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA). Essa organização militar foi extinta com o surgimento das FAA, em 1991.
O tribunal começou ontem a ouvir a testemunhas. O primeiro foi o coronel Eurico Manuel, antigo chefe da repartição de transportes do SISM, e Manuel António Nicolau, antigo ajudante de campo do gabinete do então director, general Zé Maria.
O interrogatório deste foi suspenso ontem por ter inúmeras contradições com as informações prestadas na fase de instrução processual. OPAIS