Os projectos de alteração às leis eleitorais, levados a cabo pela UNITA, são muito alargados e merecem uma discussão cuidadosa. A verdade é que o maior partido na oposição representa mais de 40% dos eleitores.
Faz-se uma comparação entre este projecto (UNITA) e a proposta do Governo (MPLA) nalguns dos aspectos essenciais.
‘Votou, sentou’
Curiosamente, o projecto da UNITA também limita as possibilidades do ‘votou, sentou’. De facto, o artigo 109.º, n.º 3, na versão desse partido, estabelece o seguinte: “Aos eleitores que tenham votado é permitida a permanência fora da assembleia de voto, a uma distância não inferior a 50 metros, sem perturbar a ordem pública”.
Quer isso dizer que os eleitores são proibidos de ficar na assembleia de voto, têm de sair do local e estar a mais de 50 metros. De modo tosco, é a distância entre o Fortaleza Shopping e o Centro de Ciências de Luanda. É perto, mas não dá para ver nada afixado nem acompanhar qualquer acto, a não ser por binóculo.
Obviamente que é uma medida mais acertada do que os 1000 metros (1 quilómetro) da proposta do Governo, que é simplesmente impraticável.
Documento de votação:
O projecto da UNITA não faz qualquer alteração ao presente sistema. Exige-se, portanto, que o votante seja portador de cartão de eleitor válido.
Como tenho referido várias vezes, a utilização do Bilhete de Identidade como documento único parece-me uma boa ideia e é prática noutros países como Portugal, com sucesso. A UNITA alega que cerca de 1/3 (um terço) dos potenciais votantes não tem Bilhete de Identidade (BI). Segundo o Governo, são pelo menos 12 milhões os cidadãos eleitores com BI. Isso implica, nas contas da UNITA, que o universo dos eleitores seria de 16 milhões, o que parece improvável ou tem de ser mais bem demonstrado.
A solução de equilíbrio seria tornar o BI o documento primário de votação, mas permitir uma cláusula escapatória, segundo a qual aqueles que não o tivessem comprovadamente poderiam votar por meio do cartão de eleitor.
Acta-síntese
O projecto da UNITA, no artigo 123.º, n.º 2, mantém a acta-síntese, mas dispõe o seguinte:
“Da assembleia de voto, com base nas actas das mesas, é elaborada uma acta-síntese pelo secretário da mesa 1 e devidamente assinada, com letra legível, pelo presidente da mesa 1, pelos delegados de lista e observadores nacionais da mesa 1, presentes, sendo imediatamente enviada por via electrónica pelo presidente da assembleia de voto à Comissão Provincial Eleitoral (CPE) e à Comissão Nacional Eleitoral, depois colocada em envelope lacrado que deve ser remetido fisicamente à Comissão Provincial Eleitoral”.
É interessante que o projecto da UNITA crie vários graus e patamares de apuramento, uma espécie de fluxograma de contagem que parece complexo, e é mais susceptível de erro (doloso ou não) do que a existência de um único relato da votação, o apuramento da mesa de voto.
A minha insistência tem sido no reforço e protecção dos delegados de mesa e na atribuição de meios adequados para que esses cumpram o seu trabalho. A chave da transparência e verdade eleitoral está nos delegados de mesa, o local efectivo onde se vota e se contam os votos.
CNE e proporcionalidade
A UNITA quer introduzir várias alterações de fundo na CNE, ao contrário do MPLA.
As principais modificações na composição seriam:
Cada Grupo Parlamentar indica dois membros de forma paritária, eliminando-se o princípio da proporcionalidade.
Para além destes, haveria um jurista ou juiz de reconhecido mérito na sociedade, escolhido com base em concurso curricular promovido pela Assembleia Nacional.
Os restantes membros seriam da sociedade civil, sendo um deles o presidente.
A forma de escolha do presidente é um pouco confusa. Parece que o presidente será escolhido pelos membros da CNE entre uma lista de três candidatos resultantes dum concurso realizado pela Assembleia Nacional a que concorreriam os membros da sociedade civil pertencentes à CNE.
Todos os membros são eleitos por maioria absoluta pela Assembleia Nacional.
Este sistema nada resolve. Basta exemplificarmos com a situação actual na Assembleia Nacional. Há três grupos parlamentares (MPLA, UNITA e Misto). Cada elegeria dois membros, num total de seis. Os restantes 11 membros resultariam sempre duma deliberação da maioria absoluta dos deputados (MPLA tem maioria absoluta). Consequentemente, não era difícil um cenário em que o MPLA passasse a ter simpatias de 13 membros da CNE.
Se o projecto da UNITA foi bem entendido, é um verdadeiro ‘tiro no pé’.
«Aos eleitores que tenham votado é permitida a permanência fora da assembleia de voto, a uma distância não inferior a 50 metros» NJ