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Sábado, 16 Janeiro 2021 18:07

Isabel dos Santos, de princesa: Como a filha preferida se tornou a mulher mais rica (I)

Para Isabel dos Santos, o arresto foi uma surpresa nas suas viagens entre o Dubai, Londres e Barcelona nos preparativos da festa de fim do ano. Para João Lourenço, foi uma forma de conseguir a “paralisação dos negócios de Isabel dos Santos, que assim ficou sem meios financeiros para um eventual apoio a opositores do Presidente”.

Esta fonte bem informada recorda que, a 30 de novembro de 2018, na abertura do encontro do Comité Central do MPLA, João Lourenço considerou “surpreendente” o facto de cidadãos angolanos “evocarem, quem sabe desejarem, e até financiarem, uma provável instabilidade política” em Angola — tema que estaria a ser tratado com “seriedade”, pois mexeria com a segurança nacional. A teia começou a tecer-se então pelos novos poderes em Angola.

O Luanda Leaks era antecipado pelos próximos de Isabel dos Santos, porque sabiam da violação dos sistemas informáticos do escritório de advogados PLMJ e de várias empresas de Isabel dos Santos, como afirmou à RFI Afrique na altura Sindika Dokolo. Mas nem eles podiam prever a velocidade com que o império desabou. Isabel dos Santos tornou-se o símbolo do saque gigantesco de que Angola foi vítima, mas a ela acresce outra realidade da elite angolana, sobretudo a galáxia do MPLA.

O relatório económico de Angola em 2017 do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola referia dois números significativos. Entre 2002 e 2017 saíram, em termos acumulados, a título de investimento direto estrangeiro de angolanos no exterior, 213,28 mil milhões de dólares — enquanto no mesmo período entraram 188,4 mil milhões.

A “Princesa” — expressão que em Angola tem um acento mais jocoso do que elogioso — tornou-se uma mulher cercada, vigiada, perseguida, que tem de se deslocar usando as suas várias nacionalidades — a angolana, a russa, o cartão de residente no Reino Unido — e viu os seus cartões bancários tornarem-se inutilizáveis, como se de uma pária se tratasse.

Na apresentação do documento, Francisco Paulo, investigador daquela universidade, sublinhava que “seria importante” questionar o seguinte junto dos investidores angolanos: “Se os investimentos realizados no estrangeiro rendem tão pouco (2%!?) porquê insistir em aplicar fundos no estrangeiro? Se os estrangeiros estão a obter taxas fabulosas (50%) em Angola, porque é que os investidores angolanos não fazem o mesmo e rentabilizam melhor o seu capital, aumentando assim a riqueza?”.

A “Princesa” — expressão que em Angola tem um acento mais jocoso do que elogioso —, que quase foi rainha na Sonangol, tornou-se uma mulher cercada, vigiada, perseguida, que tem de se deslocar usando as suas várias nacionalidades — a angolana, a russa, o cartão de residente no Reino Unido — e viu os seus cartões bancários serem inutilizados, como se de uma pária se tratasse.

A sua vida tem sido marcada por uma grande fidelidade ao pai, José Eduardo dos Santos, e pelo gosto pelos negócios. Mas foi a tentação da política e a altivez no caráter que ditaram o seu fim. Nestas três vidas (de empresária discreta, depois quase rainha mediática e agora como pária) Isabel dos Santos será sempre relacionada com o pai. Em entrevista ao Financial Times, a própria o reconheceu: “Imagino que seja difícil distinguir o pai da filha. Talvez a dificuldade esteja no facto de eu fazer as minhas coisas e de o meu pai ser uma figura política incontornável em África há muitos anos. Faça o que fizer, parece que tenho uma nuvem sobre a cabeça”.

Isabel dos Santos sobre o pai: "É muito paciente, muito calmo, tem uma grande qualidade de ouvir, de escutar”. Acrescentou ainda detalhes mais íntimos: que a sua cor preferida era o azul, sendo adepto do FC do Porto; que “gosta de comida tradicional, funge”; toca guitarra; lê livros de história, economia e política; gosta de desporto e joga futebol.

Numa outra entrevista, à TPA-2 — canal então gerido pela empresa dos irmãos Tchizé e Coréon Dú —, no dia do 70.º aniversário do pai, a 28 de agosto de 2012, também enalteceu as qualidades de José Eduardo dos Santos com uma voz doce: “É uma pessoa extremamente carinhosa, tem muito afeto pelos netos. É um homem muito simples e muito inteligente. É muito paciente, muito calmo, tem uma grande qualidade de ouvir, de escutar”. Acrescentou ainda detalhes mais íntimos: que a sua cor preferida era o azul, sendo adepto do FC do Porto; que “gosta de comida tradicional, funge”; toca guitarra; lê livros de história, economia e política; gosta de desporto e joga futebol. “É uma mente aberta e flexível. Ele foi o homem que conquistou a paz e para a família foi muito importante. Todos temos muito orgulho nisso”.

Em 1963, José Eduardo dos Santos foi estudar para Baku, onde conheceu a mãe de Isabel dos Santos, Tatiana Sergeevna Kukanova, uma russa campeã de xadrez que estudava geologia. O Azerbaijão, então posto avançado russo, acolhia jovens quadros promissores de movimentos de libertação alinhados com o regime comunista, como o MPLA, onde militava José Eduardo dos Santos. “Foram precisos sete anos para obterem todas as autorizações e casar. Não penso que se tenham conhecido através do KGB, caso contrário teriam obtido os papéis mais depressa”, diz a mesma fonte.

José Eduardo dos Santos licenciou-se em junho de 1968, fez um curso de telecomunicações militares e casou-se em 1969. Isabel José dos Santos nasceu em Baku a 20 de abril de 1973, onde Tatiana Kukanova ficou a viver, enquanto José Eduardo dos Santos estava ao serviço do MPLA em Cabinda — desde 1970 que integrava os Serviços de Telecomunicações da 2.ª Região Político-Militar, mas com a permissão de se deslocar a Baku.

O pai deu-lhe o nome de Isabel para homenagear a irmã que o acompanhara na infância. Foi a própria Isabel dos Santos quem contou o episódio: “O meu pai nasceu no bairro de São Paulo, onde vivia a minha avó Jacinta com o meu avô Eduardo. A sua primeira filha chamava-se Isabel. A minha avó saía muito cedo para ir trabalhar e quem tomava conta do meu pai era a minha tia Isabel. Por este respeito, carinho e orgulho que teve na sua irmã mais velha deu-me o mesmo nome dela”.

Quando se instalaram em Luanda depois da independência, a 11 de Novembro de 1975, José Eduardo dos Santos foi nomeado ministro das Relações com o Exterior. Deste período, Isabel dos Santos recorda sobretudo o facto de o pai a ter ensinado “a ler e a escrever” e faz parte das suas memórias mais importantes o primeiro dia de escola: “Lembro-me desse dia. O meu pai era ministro das Relações com o Exterior, que na época se chamava Negócios Estrangeiros. Ele levou-me à escola, deixou-me lá e tive de ficar à espera até me ir buscar”.

A 20 de setembro de 1979, quando foi escolhido para Presidente da República, depois da morte de Agostinho Neto em Moscovo, José Eduardo dos Santos era já ministro do Planeamento e Desenvolvimento Económico.

A mãe de Isabel, Tatiana Kukanova, era geóloga cooperante na Sonangol e chegara a Luanda pouco antes da independência, tendo vivido uns meses antes com Isabel dos Santos numa aldeia do Congo Brazzaville. Em Luanda viviam no bairro de Alvalade. Eram tempos de muitas dificuldades e alguma penúria. E foi destes tempos que surgiu a história, já depois tantas vezes contadas, de Isabel dos Santos e a sua propensão para a venda de ovos para comprar algodão doce, feita ao Financial Times. Seriam pequenas trocas e vendas feitas entre funcionários, a que Isabel dos Santos assistia e em que participava depois de vir da escola. “Nunca fomos dados à grandiosidade. Eu ia a pé para a escola”, disse então.

Num site angolano, Club-k.net, a 5 abril 2013, procura dar-se uma explicação plausível para a história contada por ela. Nessa época, vivia-se em Luanda com escassez de bens alimentares e de consumo, pois o regime nacionalizara todas as atividades económicas — e a mãe de Isabel, que trabalhava no departamento de geologia da Sonangol, fazia algum comércio informal, como quase todos os luandenses, vendendo os cartões dados à população para a compra de bens essenciais, como ovos: “Alguns funcionários da petrolífera estatal acabariam por se tornar seus clientes. Isabel dos Santos tinha seis anos e, sempre que saía da escola, levavam-na diretamente para o trabalho da mãe, acabando por ter convivência com o negócio [de cartões de ovos], razão pela qual se terá sentido parte desse negócio”.

Ao longo do tempo, Isabel dos Santos foi ganhando irmãos, embora não tenha, segundo o Financial Times, “uma relação muito próxima com os irmãos nascidos” de outros casamentos e uniões do pai.

Das relações conhecidas de José Eduardo dos Santos, há a que teve com Filomena de Sousa,“Necas”, filha de mãe angolana e de pai originário de Cabo Verde, da qual nasceu José Filomeno de Sousa dos Santos, a 9 de janeiro de 1978. Conhecido como Zenú, teve uma educação similar a Isabel dos Santos. Fez o ensino de base na escola Ngola Kanine, em Luanda, e frequentou a sétima classe (ano letivo 89/90) na escola Juventude em Luta (sala 1, turma AR). Era visto como “um estudante muito calmo que estudava no meio dos outros sem distinção”, mesmo sendo levado de Mercedes e com dois militares como guarda-costas.

Com Maria Luísa Perdigão Abrantes (nascida a 23 de julho de 1951), José Eduardo dos Santos teve dois filhos — Welwitschia José dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos. E com Maria Bernarda Gourgel teve um filho — José Avelino Gourgel dos Santos, nascido a 28 de dezembro de 1988.

José Eduardo dos Santos casou-se pela segunda vez a 17 de maio de 1991 com Ana Paula Cristóvão Lemos, nascida em Luanda a 17 de outubro de 1963 — e com ela teve mais três filhos, Eduane Danilo Lemos dos Santos (nascido a 29 de setembro de 1991), Eduardo Breno Lemos dos Santos (nascido a 2 de outubro de 1998) e Houston Lulendo Lemos dos Santos (15 de novembro de 2001); e uma filha, Joseana Lemos dos Santos (nascida a 5 de abril de 1995). Mais tarde, com Eduarda, conhecida por Dadinha, foi pai de Josias dos Santos.

Valentin Varennikov, um general soviético que foi consultor de guerra das forças armadas angolanas, abordou nas suas memórias as relações familiares do Presidente angolano. “A sua vida pessoal desenvolveu-se de forma bastante mais dramática. Sob a pressão das tradições nacionais, ele teve de deixar a esposa branca e a filha para constituir uma nova família, porque a esposa do Presidente devia ser negra. Dos Santos sujeitou-se aos costumes do seu povo.” Porém, Valentin Varennikov acrescenta: “Comportou-se de forma bastante nobre em relação à sua família anterior: deu-lhe uma villa, concedeu à antiga esposa uma pensão e um subsídio à filha”.

Valentin Varennikov, um general soviético que foi consultor de guerra das forças armadas angolanas, aborda nas suas memórias as relações familiares do Presidente angolano. "Sob a pressão das tradições nacionais, ele teve de deixar a esposa branca e a filha para constituir uma nova família, porque a esposa do Presidente devia ser negra.”

Em meados dos anos 1980, Tatiana e a filha Isabel dos Santos foram viver para Londres, onde a primogénita de José Eduardo dos Santos passou a estudar na St. Paul’s Girls’ School, uma escola privada e tradicional. O seu objetivo era o curso de engenharia, tal como o pai, como revelou numa entrevista: “Sou hoje engenheira porque gosto de matemática, sempre adorei ciências, e segui um pouco as passadas dele, se bem que hoje a minha vida é diferente da dele, mas é sem dúvida um grande homem”.

Depois, entrou no King’s College, e aí partilhou um quarto numa residência em Edgware Road. Uma vez mais, não perdeu a oportunidade de lembrar que teve uma vida difícil: “Além das vinte e três horas de aulas teóricas por semana, também tínhamos aulas práticas e relatórios para apresentar. Não havia tempo para brincadeiras”. A isto, acrescentou que os pais “eram muito exigentes” com a sua educação. Nessa altura, quando vinha a Lisboa ficava num apartamento de uma familiar de Percy Freudenthal, junto ao Castelo de São Jorge. Este empresário branco, cuja família detinha a Lusolanda em Angola, era um amigo pessoal de Agostinho Neto desde os tempos da Casa dos Estudantes do Império e esteve na base da fundação da Sonangol.

Isabel dos Santos terá começado por vender o carro e, com 30 mil dólares no bolso, comprou dois camiões em segunda mão. Ao mesmo tempo, o seu sócio, um amigo que estudou nos Estados Unidos, alugou um armazém para a empresa de distribuição de bebidas dos dois. Importaram um sistema da Motorola baseado em walkie-talkies para controlar as encomendas. CONTINUA Observador

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