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Quarta, 30 Março 2016 11:15

Um crime e um erro

Quando Napoleão mandou matar um opositor, houve um deputado francês seu aliado que se lembrou de dizer: “pior do que ser um crime foi ter sido um erro”.

Por Rui Tavares | PUBLICO

Não faltam em Angola, como sabemos, políticos ou juristas suficientemente cínicos para branquear os crimes do regime inventando supostos crimes para os opositores. O que aparentemente falta ao regime angolano é quem tenha o realismo do deputado bonapartista e reconheça o erro estratégico que foi condenar à prisão os dezassete jovens dissidentes que estavam em tribunal acusados de conspirar para preparar um golpe de estado para depor o presidente José Eduardo dos Santos.

O regime angolano não tem tempos fáceis à frente: o petróleo continua baixo, a paciência da população não é infinita, apareceu uma nova geração de opositores determinados e há uma sucessão de Eduardo dos Santos para preparar. Mas acabou de piorar significativamente o que aí vem.

Muito dependia até agora da imagem externa do regime angolano ia tentando compor, alegando que em Angola havia uma democracia com problemas, sim, e de um estado de direito em construção após os muitos anos de guerra. Essa possibilidade de disfarce acabou. Ao não conseguir provar o crime de que tinha acusado os dezassete ativistas pró-democracia e ao inventar novos crimes (de “rebelião” e “associação de malfeitores”) para os condenar a duras penas e longas penas de prisão, ficou feita a prova definitiva de que o estado de direito em Angola é uma ficção na qual os tribunais não têm coragem ou condições para se comportarem de forma independente e autónoma e — pior — que o regime treme de medo perante destes jovens.

De caminho, o regime apontou também o caminho para a estratégia futura dos seus opositores. Ficou provado que não é possível contar com o sistema de justiça em Angola a não ser como palco de uma batalha política. Os dissidentes devem agora recorrer para o Supremo, como os seus advogados já anunciaram, e depois para o Constitucional angolano, mas fazem-no a partir de um patamar de superioridade moral que se tornou evidente para todo o mundo.

Por isso mesmo, a partir daqui a estratégia dos jovens só pode passar por uma internacionalização ainda mais vigorosa da sua luta. O caso de Luaty Beirão e dos seus companheiros poderia por exemplo subir ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, de que Angola é signatária, sob o argumento de que o sistema judiciário do país foi ineficaz para proteger os direitos dos seus cidadãos. Não deixaria de ser importante que a sociedade civil de um país lusófono desse um contributo para a construção de uma esfera de direitos humanos numa escala pan-africana.

Mas acima de tudo será através das opiniões públicas de outros países, a começar por Portugal, que o isolamento ao regime se pode fazer. Será cada vez mais difícil ao poder de José Eduardo dos Santos subsistir se perder totalmente a credibilidade externa que ainda lhe ia restando.

Foi esse o buraco em que o poder político de Angola se meteu. Não só pelo crime de inventar razões para meter democratas na cadeia, como pelo erro de o fazer de forma tão escancarada.

 

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