Sábado, 01 de Novembro de 2025
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Sábado, 01 Novembro 2025 16:21

O desanuviamento das tensões económicas entre a China e Estados Unidos: Um eco contemporâneo da guerra fria

Pelas características que hoje o mundo apresenta, fica claro que estamos a viver um momento interessante na política internacional, onde actos que parecem “técnicos”, como a redução de tarifas ou a suspensão de sanções, carregam em si significados muito mais profundos do que se vê à superfície.

Penso que o recente encontro entre o presidente norte-americano e o presidente chinês é um desses momentos: não se trata apenas de comércio, mas de algo que se assemelha a uma “détente” moderna.

Durante a Guerra Fria, o termo détente do francês, “distensão” foi usado para descrever a fase de relativa moderação nas tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética, sobretudo entre 1969 e 1979. Após anos de confrontos indirectos, crises nucleares e disputas ideológicas, as duas superpotências compreenderam que a escalada contínua não servia aos seus interesses vitais. Assim, nasceram iniciativas como o Acordo SALT I (1972), o Acordo de Helsínquia (1975) e a aproximação sino-americana iniciada por Nixon e Kissinger em 1972.

A détente não significava amizade, mas cálculo estratégico. Tal como escreveu Raymond Aron, “a paz entre as grandes potências é, muitas vezes, apenas a gestão racional da hostilidade”. Deste modo, percebe-se claramente que o desanuviamento da Guerra Fria foi precisamente isso: uma trégua instrumental, onde ambas as partes procuraram estabilizar o sistema internacional e evitar a catástrofe nuclear, sem renunciar às suas rivalidades estruturais.

Portanto, ao suspenderem tarifas recíprocas e reforçarem a cooperação económica, as duas potências demonstram estar racionalmente a escolher respirar antes da próxima investida.

TRUMP E XI: A DIPLOMACIA DA TRÉGUA

Cinco décadas depois, o mundo assiste a outro tipo de Guerra Fria, só que, não ideológica, mas sim econômica e tecnológica entre os Estados Unidos e a China. Desde 2018, a rivalidade sino-americana tem sido marcada por tarifas, sanções, disputas sobre semicondutores e rivalidades em torno da supremacia digital. No entanto, o encontro de 30 outubro de 2025 entre Donald Trump e Xi Jinping, em Busan, representa um momento raro de descompressão.

Os dois líderes concordaram em reduzir tarifas mútuas, suspender taxas portuárias, cooperar na luta contra o tráfico de fentanil e reabrir canais de diálogo económico. Pequim, por sua vez, prometeu intensificar a exportação de terras raras e retomar a importação de produtos agrícolas americanos. Em suma, um cessar-fogo comercial temporário.

Eu acredito que esse gesto é um sinal claro de uma diplomacia estratégica, em que ambos percebem que a escalada permanente gera mais custos do que benefícios. Trump, com as suas necessidades económicas tangíveis para uma agenda eleitoral, e Xi, pressionado por uma desaceleração interna, escolheram gerir tensões em vez de alimentá-las.

A NOVA LÓGICA DO PODER

A rivalidade sino-americana que se assiste hoje, tal como a bipolaridade entre EUA e URSS, é estruturante da ordem mundial. Contudo, há diferenças substanciais. Na Guerra Fria clássica, a disputa era ideológica, capitalismo versus comunismo. Hoje, é uma disputa tecnológica e econômica.

O recente acordo não dissolve essa rivalidade, mas apenas a administra. Tal como no século XX, assistimos a um realismo diplomático onde a cooperação pontual serve para garantir estabilidade e preservar a imagem internacional de responsabilidade.

Do ponto de vista geopolítico, essa trégua cria uma pausa necessária. Permite que a China recupere fôlego económico e que os Estados Unidos consolidem suas alianças no Indo-Pacífico. Trata-se, portanto, de um “desanuviamento tático”, não de uma reconciliação duradoura. Assim como o SALT I de 1972 não impediu a invasão soviética do Afeganistão em 1979, esta trégua de 2025 não impedirá futuras fricções em Taiwan, nas rotas marítimas do Pacífico ou na corrida tecnológica.

Para além do pragmatismo, há também uma dimensão simbólica. O simples facto de dois líderes que representam sistemas políticos distintos se sentarem à mesa transmite uma mensagem de estabilidade ao mundo. O encontro de Busan funciona, portanto, como um espelho da diplomacia do século XXI: uma diplomacia onde o diálogo serve para conter as crises, e não necessariamente para resolvê-las.

O desanuviamento entre os EUA e a China é, neste sentido, uma gestão inteligente do conflito uma pausa entre duas potências que sabem que nenhuma delas pode eliminar a outra sem destruir a si mesma. Como observou Henry Kissinger, “a verdadeira diplomacia é a arte de limitar a guerra que ainda não começou”.

Portanto, acredita-se que no fundo, vivemos um tempo em que o poder volta a ser medido pela capacidade de negociar, e não apenas pela força da imposição. E que essas lições do passado estão a repetir-se: as superpotências continuam a rivalizar, mas entre guerra e diplomacia, há sempre espaço para o cálculo e para a esperança.

CHINA ENQUANTO CONSERVADORA DO DIREITO INTERNACIONAL ELOGIO À DIPLOMACIA

Importa referir que, em meio a esse cenário, a diplomacia chinesa merece os nossos elogios, por se posicionar como guardiã de princípios do direito internacional, da paz, da segurança e da estabilidade da ordem mundial. Ao meu ver, a China não tem agido como potência agressiva, antes, procura manter uma postura de actor responsável.

Por exemplo, Xi Jinping afirmou que “a lógica de que um país forte procura a hegemonia já não se aplica e o uso deliberado da força não leva a lado nenhum”.

Ainda, ele proclamou que “não deveríamos manter a nossa segurança à custa da segurança de outros países” e que “todos os países são como passageiros no mesmo navio que compartilham o mesmo destino”.

Assim, eu penso que a diplomacia chinesa revela-se como um pilar de moderação e de pragmatismo internacional, defendendo a coexistência pacífica, a cooperação ganha-ganha e o respeito pelo sistema multilateral centrado nas Nações Unidas. Isso faz da China um actor que ajuda a preservar a ordem mundial, mais do que a perturbá-la.

Por Juvenal Quicassa, Especialista em Relações Internacionais.

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