Na noite de ontem, assistimos a uma entrevista cuidadosamente conduzida pelo jornalista Ernesto Bartolomeu ao presidente do MPLA e da República de Angola. Mais do que um diálogo com o público, o que se viu foi uma resposta estratégica, direcionada a alguém específico dentro do partido alguém que, tudo indica, almeja a liderança do MPLA e, por consequência, a presidência da República, num contexto em que a eleição direta exige que o cabeça de lista do partido assuma esse desafio.
Essa entrevista, em seu conteúdo e subtexto, pareceu ser menos sobre o país e mais sobre o partido. Não foi um discurso à nação, mas sim uma carta aberta ao rival interno. Ainda que o nome não tenha sido dito, a intenção foi clara.
Ao assistir, veio-me à memória uma conversa marcante com o falecido mestre Luís Araújo activista social, homem de pensamento agudo e sensibilidade rara. Luís dizia com firmeza.
"Num país conduzido por ditadores ou por partidos dominantes, a mudança só começa quando o
bilo se instala dentro do próprio partido."
À época, as suas palavras pareceram uma metáfora remota. Hoje, soam como uma profecia a cumprir-se.
Durante a entrevista, houve momentos de leve distração, em que se atirou farpas ao outro partido, a UNITA, onde os bilos também se acumulam. Mas, sejamos honestos, o verdadeiro destinatário estava mais perto do que nunca - o rival interno. A luta continua e a vitória é certa
Contudo, repito, o verdadeiro recado estava voltado para dentro do MPLA, um partido onde o silêncio é, historicamente, imposto pela disciplina partidária e onde o dissenso raramente é exposto. Que agora se fale publicamente de disputas internas já é, por si só, um sintoma de mudança.
Para nós os apartidarios só queremos que quem se dá no direito de conduzir o destino do nosso Estado que o faça respeitando todos nossos direitos e nos garanta o bem estar. Só isso mesmo e mais nada.
A Luís Araújo, a nossa eterna saudade. Dizer-lhe-ei, um dia, talvez lá na fronteira entre o visível e o invisível, que a sua profecia não só foi ouvida, como começou a cumprir-se. Por Rafael Morais