A Assembleia Nacional convocou para sábado uma sessão plenária extraordinária em que será debatida a iniciativa de acusação e destituição do Presidente da República entregue pela UNITA (principal partido da oposição angolana) na quinta-feira, um documento subcrito por 90 deputados ao qual se anexam ainda provas documentais, sendo também arroladas 45 testemunhas.
Na iniciativa de acusação e destituição de Joao Lourenço, a UNITA sustenta a decisão, ao longo de 90 páginas, elencando violações graves à Constituição angolana em termos de atentado ao Estado Democrático de Direito; crimes de corrupção, peculato, tráfico de influências e práticas reiteradas de nepotismo; e atentados ao Estado Democrático de Direito.
“O Presidente da República não só falhou no combate à corrupção, mas foi literalmente absorvido por ela ou tem-na manipulado em torno dos seus próprios interesses. O Presidente da República transformou o Estado angolano em agente corruptor, que promove, estrutura, alimenta e institucionaliza a corrupção, tanto a corrupção ativa, como passiva”, lê-se na proposta da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
Segundo a UNITA, o Presidente “utiliza Departamentos ministeriais, estruturas da Administração Pública, organizações sociais, conglomerados empresariais ligados ou dependentes do Partido-Estado e também estruturas do próprio Partido-Estado, para promover o tráfico de influência, exportar ilicitamente capitais, promover monopólios, minar a sã concorrência, subverter a democracia, denegar a justiça e minar a integridade das instituições”.
João Lourenço é acusado de governar o País “como se fosse sua propriedade privada” e de promover quatro monopólios – os grupos angolanos Carrinho e Omatapalo, o israelita Mitrelli e a gestora de fundos sediada em Londres Gemcorp –, fomentando o abuso de posições dominantes e de tráfico de influências.
A UNITA acusa João Lourenço de violar o princípio constitucional da legalidade, adjudicando vários contratos por ajuste direto (contratação simplificada), alguns envolvendo empresas às quais está ligado, em mais de uma centena de despachos presidenciais no valor de milhões de dólares.
O partido da oposição diz que o “suposto combate à corrupção visou apenas o branqueamento da imagem do próprio MPLA e um punhado de beneficiários do sistema”, salientando que João Lourenço foi consolidando este comportamento ao longo do seu mandato.
Aponta, em particular, alegados esquemas urdidos pela empresa Sodimo, que tinha como acionistas “figuras da oligarquia” e do MPLA, incluindo o próprio João Lourenço, para a concretização do “bairro dos ministérios”, o aluguer “milionário” de um Boeing 787 para as “viagens luxuosas” e negócios que beneficiam familiares diretos.
Entre estes está o irmão, general Sequeira João Lourenço, da empresa SJL-Aeronáutica, refere.
Os subscritores da iniciativa criticam ainda o Presidente por ter aprovado um regime que atribui 10% do valor dos bens em processos de recuperação aos órgãos judiciais. “Ora, essa medida para além de ser inconstitucional mina a realização da justiça e potencia a corrupção”, critica a UNITA.
O Tribunal Constitucional angolano declarou, no início deste mês, que são “inconstitucionais” as normas constantes do decreto presidencial que estabelece o regime de comparticipação dos valores recuperados aos órgãos de administração da justiça, por "não preencher as garantias de independência e imparcialidade".
João Lourenço é também acusado de violar direitos fundamentais dos cidadãos, “utilizando ou encobrindo instituições do Estado capturado para o cometimento de sequestros, raptos e assassinatos seletivos de cidadãos que são rotulados de ‘arruaceiros’, ‘inimigos da paz’ ou perigosos para a manutenção do seu poder pessoal”.
Em causa estão “as mortes de manifestantes e inúmeros raptos de cidadãos por agentes da Polícia Nacional em uniforme, em várias localidades do país”, acrescenta.
O objeto da presente iniciativa, subscrita por 90 dos 220 deputados angolanos, é “o cumprimento da Constituição”, refere o documento: “É conter, parar e remover imediatamente o desvio constitucional promovido pela conduta do Senhor Presidente da República, que ameaça o sistema de governo estabelecido pela Constituição”.
Na proposta a ser debatida no sábado, a UNITA considera que o Presidente se converteu “num fardo pesado para o País”, para os angolanos e até para o próprio MPLA.
Para a UNITA, o processo de destituição “não é um ato de humilhação, nem de desonra”, e sim um ato de concretização do juramento dos deputados perante o povo de “cumprimento da Constituição”.