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Sábado, 07 Agosto 2021 13:53

O irritante espanhol

Carlos Aires da Fonseca Panzo, ex-secretário para os Assuntos Económicos do Presidente da República, João Lourenço, foi exonerado em Outubro de 2017 (um mês depois de ter sido nomeado) com base numa comunicação espontânea das autoridades suíças às autoridades angolanas de que teria recebido 11 milhões de dólares pagos pela construtora brasileira Odebretch, através de uma conta bancária naquele país.

Por Armindo Laureano

Posteriormente, as autoridades angolanas ordenaram a abertura de um inquérito junto da Direcção Nacional de Combate e Prevenção à Corrupção da PGR, que enviou o referido Relatório Final à Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), que, devido à ausência de Carlos Panzo em Angola, por estar a frequentar um Doutoramento em Espanha, emitiu um mandado de detenção internacional junto da Interpol, executado pelas autoridades espanholas em Setembro de 2019, dando depois origem ao procedimento de extradição diante de um juiz-junto da Audiência Nacional Espanhola.

A história prossegue, estando, neste momento, no capítulo em que o Tribunal Constitucional espanhol dá razão ao arguido Carlos Panzo e anula a sua extradição. E é esse "enredo" que merece destaque no Especial Informação do Novo Jornal desta semana.

Esta decisão do Tribunal Constitucional espanhol foi publicada no Boletim Oficial do Estado, noticiada pela agência EFE e em Angola circulou "timidamente" nas redes sociais, nem mereceu referência do serviço público de comunicação, nem uma reacção oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR). Basta ler-se a decisão do tribunal superior espanhol para se perceber o porquê.

O Tribunal Constitucional espanhol considera que a decisão da Audiência Nacional, tribunal espanhol que toma decisões sobre os pedidos de extradição, violou os direitos de Carlos Panzo ter uma protecção judicial efectiva e um processo com todas as garantias. E vem aí algo mais grave: o Tribunal Constitucional espanhol considerou também que a decisão de extraditar Carlos Panzo para Angola não "satisfaz as normas de independência do Poder Executivo", que o organismo que emite o pedido de extradição não cumpriu as regras de independência, trocando isso em miúdos. O Tribunal Constitucional espanhol considera a PGR um órgão dependente do Poder Executivo em Angola, apurou o NJ nesta edição.

Alguns sectores de Luanda entendem que a decisão do tribunal espanhol fere o princípio da reciprocidade judicial, que coloca em causa a cooperação judicial entre os dois países e que há um desconhecimento por parte destes com o ordenamento jurídico angolano. Já se fala num plano B e que Luanda está irritada e vai reagir. Os ventos que vêm de Espanha não são bons, e o "casamento" celebrado recentemente com a visita a Luanda do Primeiro-Ministro e Chefe de Governo espanhol, Pedro Sanchez, pode sofrer uns abalos. Um novo irritante pode estar a caminho.

As defesas de Isabel dos Santos e de Carlos São Vicente poderão apoiar-se nesta decisão do Tribunal Constitucional espanhol para sustentar a tese de que os seus casos não são casos de justiça, mas, sim, de motivações políticas, que há claramente uma perseguição política aos seus constituintes por meio da Justiça, que o poder político está a usar e a manipular o sistema legal para fins políticos e que há um abuso do direito para desacreditar e atingir adversários políticos e económicos. A procissão ainda vai no adro, e um novo irritante pode estar a surgir. Já não é português, mas continua a ter um toque latino. Desta vez, o irritante pode ser espanhol. NJ

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