O Executivo prepara um aumento dos salários na função pública, face à depreciação da moeda e a consequente perda do poder de compra dos funcionários públicos, disse à imprensa o secretário de Estado da Administração Pública, Vânio Americano, na 2ª edição do Briefing do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), realizado recentemente em Luanda.
Segundo o governante, foi criada uma comissão que fez um estudo exaustivo sobre o salário mínimo nacional e apresentou, recentemente, à direcção do MAPTSS, tendo esta já partilhado a informação com a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa.
“O estudo concluiu que o preço da cesta básica aumentou. Por exemplo, nas zonas rurais poderá estar a volta de 60 mil Kz e nas zonas urbanas 80 mil Kz”, afirmou Vânio Americano, reconhecendo que o salário mínimo fixado nos últimos “dois ou três anos” está longe de garantir a sustentabilidade das famílias, no percurso de um mês.
Por exiguidade financeira, disse, o responsável pelo controlo das finanças públicas entende (face ao trabalho efectuado) que não há possibilidade para um aumento generalizado dos salários na função pública. “Ainda que comecemos por uma diferenciação positiva, os que ganham 21 mil Kz a 31 mil Kz, em nossa perspectiva, devem ser aumentados”.
Ainda assim, o aumento dos salários na função pública, inclusive nos escalões inferiores, dependerá da disponibilidade financeira. Mas, o secretário de Estado da Administração Pública entende que se deve fazer um acréscimo dos vencimentos a um limite que garanta a compra da cesta básica, pelas razões já anunciadas.
Vânio Americano garantiu, igualmente, que outros departamentos ministeriais estão envolvidos, inclusive o Ministério das Finanças, para se começar a criar condições que visem minimizar ou mitigar os constrangimentos “que são efectivamente assustadores”.
Manuel Viage, secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos - Confederação Sindical (UNTA-CS), considera acertada a intenção do Executivo aumentar o salário básico, como anunciou o secretário de Estado da Administração Pública, por causa da inflação e da depreciação do Kwanza, face às moedas fortes.
O líder sindicalista disse ser oportuno que o aumento aconteça já para haver consumo. Mas, Heitor Carvalho, economista e director do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada de Angola (CINVESTEC), contraria os argumentos de Manuel Viagem e, consequentemente, a intenção do Executivo aumentar o salário mínimo.
“Aumentar os salários dos funcionários públicos não aumenta a oferta. Portanto, haverá mais moeda e menos produtos porque as importações vão continuar a diminuir à medida que o petróleo se for esgotando”, afirmou o economista e investigador para mais adiante alegar que em nada serviria uma actualização salarial hoje.
Apesar dos argumentos de Heitor Carvalho, o sindicalista (embora apologista do reajuste salarial), está convicto de que a actualização não vai assegurar o poder de compra dos funcionários públicos porque “são várias as necessidades por que passam actualmente ”.
“60 mil Kz ou 80 mil Kz não são suficientes para garantir a cesta básica dos funcionários públicos, uma vez que as despesas no mercado estão a cima dos 120 mil Kz. O Estado também deve pensar nos privados (trabalhadores) e nas classes mais vulneráveis”, declarou o secretário-geral do maior movimento sindical do País.
Na situação actual, adverte Heitor Carvalho, o Estado deve primeiro apoiar as pessoas que vivem na miséria extrema, manter serviços públicos mínimos e não defender os interesses corporativos dos seus funcionários.
À semelhança do líder da UNTA-CS, o investigador do CINVESTEC contesta os montantes avançados pelo secretário de Estado, Vânio Americano, como proposta de um possível salário mínimo nacional (60 mil Kz ou 80 mil Kz), pois estão longe de assegurar a aquisição da cesta básica, no actual contexto económico.
“Fernando Heitor (economista, consultor e docente universitário) também considera um dilema a questão dos salários em Angola, principalmente os da função pública. Para o também ex-administrador do Banco de Poupança e Crédito (BPC), a solução do problema passa pela indexação do salário à taxa de inflação ou acumulada.
“Sempre que a taxa de inflação subisse, automaticamente o salário do trabalhador seria ajustado (não confundir com aumento). Tal como o comerciante ou o industrial que ajusta os preços dos produtos quando a taxa de câmbio sobe. Que seja feito o mesmo com os ordenados dos funcionários públicos”, defendeu.
O ex-vice ministro das Finanças considera que uma das causas dos baixos salários em Angola é a baixa produtividade económica no sector público e privado.
“A economia angolana gera ganhos de produtividade e de competitividade muito baixos, quando comparado com algumas economias dos países da região e quiçá da Europa, Ásia e América. Neste cenário, dificilmente se pode falar em aumentos absolutos de salários”, afirmou.
Com salários baixos, avançou, nenhuma economia atinge níveis de crescimento e desenvolvimento económico sustentado. “A grelha remuneratória em Angola anda invertida”.
O ex-deputado considera a taxa de inflação um imposto injusto que reduz ainda mais o poder de compra dos salários. “Os preços sobem todos os meses e, às vezes, sem justificação plausível, o que gera especulação, ganância, esquemas de corrupção e roubo, para além de outros constrangimentos económicos e sociais”.
A questão do salário mínimo também mereceu a crítica de Alves Romualdo Daniel, politólogo. “Angola passa por um momento económico e social crítico, os clamores surgem de todos os quadrantes e estratos sociais, o aumento do ordenado dos funcionários públicos minimizaria o descontentamento, mas não resolveria o problema”.
O panorama económico, disse, desaconselha o reajuste do salário na função pública pelas consequências económicas que podem advir. “Um aumento salarial nos próximos meses teria fins, meramente, políticos, do que económico-social”.
A questão do salário mínimo nacional foi levantada na 2ª dição do Briefing do MAPTSS, tendo apresentado dados que reportam o apuramento realizado pelo Gabinete de Estudo, Planeamento e Estatística com base em vínculos da função pública, extraídos do Sistema Integrado de Gestão Financeira (SIGF) do Estado.
Segundo dados do SIGF, a função pública tem 388 538 funcionários e agentes, sem contar com o pessoal civil dos Ministério da Defesa e Interior; titulares de cargos políticos; deputados; ex-deputados; Forças Armadas Angolanas (FAA); Polícia Nacional (PN); Serviços de Inteligência Externa e Serviço de Inteligência e Segurança do Estado; antigos combatentes, assim como os pensionistas.
O facto de os militares das FAA não estarem registados no SIGF levou ao questionamento. Delfina Cruz, directora Nacional da Administração Pública, em declarações à imprensa, reconheceu que é uma falha derivada do contexto político, económico e social que o País viveu, num passado muito recente.
Vânio Americano, secretário de Estado, reforçou a explanação da directora Nacional do MAPTSS. “No fundo a Dra. Delfina deu as mãos à palmatória ao dizer que os militares deveriam estar registados no SIGF, mas o contexto político da época não permitiu”.
Os dois quadros séniores do MAPTSS acabaram por reconhecer que a existência de fantasmas nas FAA é resultado da falta de controlo ou registo no SIGF.
“Quando estamos a falar de fantasmas nas Forças Armadas, falamos de somas de dinheiro que saem do OGE. É este problema que o Presidente da República, João Lourenço, se referiu. Daí a necessidade deste pessoal ser cadastrado, tal como os funcionários públicos”, declarou Delfina Cruz.
Para evitar que se cometam os mesmos erros do passado, o secretário de Estado da Administração Pública defende que o efectivo das FAA deve estar registado na base de dados para um controlo efectivo. “As reformas que estão a ser implementadas hoje visam melhor a regulamentação dos procedimentos administrativos”.
Segundo dados apurados pelo Mercado, até ao ano passado a Polícia Nacional tinha 114 674 efectivos. 30% da força policial estava em Luanda, capital do País. A taxa de cobertura era de 800 habitante para um agente da PN . Naquele ano, foi cabimentado cerca de 437, 2 mil milhões Kz para despesa com o pessoal para militar.
As Forças Armadas Angolanas (FAA) constituem a junção dos vários ramos militar do País, fundadas em 1991. Resultou da fusão de dois exércitos, as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), braço armado da UNITA. O efectivo está estimado em mais de 150 mil homens.
Dados extraídos do OGE, apontam que em 2020 o montante destinado para cobrir a despesa com o pessoal militar foi de 337,8 mil milhões Kz.
O Estado angolano investe fortemente nas FAA, tal facto o tem permitido actualizar os equipamentos militares nos últimos. Segundo dados apurados, os gastos com as forças armadas cifram-se em, pelo menos, 1 650 milhões USD. MERCADO