Ministro da Economia, Abraão Gourgel, o ex-ministro das Finanças, José Pedro de Morais Júnior, o ex-vice ministro das Finanças, Manuel da Cruz Neto, e o ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Amadeu Maurício, foram recentemente ouvidos pelos juízes da 8ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda.
Os quatro prestaram depoimentos em separado durante igual número sessões por terem sido arrolados no processo-crime, vulgarmente designado de “Caso BNA/Transferências”, como declarantes. Isto porque foram durante os seus consulados como mais altos responsáveis das instituições acima mencionadas que se deu um dos maiores rombos financeiros registados em Angola depois da independência.
Abraão Gourgel recorreu a um dispositivo legal que estabelece a possibilidade de os membros do Executivo serem ouvidos, na sua condição de declarantes ou testemunhas em igual situação, na sua residência ou no local de serviço, para solicitar que fosse inquirido no Ministério da Economia.
Embora este pedido tenha sido feito à última da hora e encontrado uma certa resistência por parte da instância de defesa, os juízes determinaram que assim fosse feito e não restou outra alternativa à dupla de procuradores, aos advogados de defesa e a alguns dos arguidos senão transformarem a sala de reuniões da instituição supracitada em sala de audiências, nesta terça-feira, 16.
O anfitrião depôs na qualidade de ex-governador do Banco Central na data dos factos e, para possibilitar em caso de contradita, os juízes levaram simplesmente os seus antigos subordinados que são apontados como os autores do crime.
Segundo uma fonte de O PAÍS, o governante esclareceu que tomou conhecimento de tais irregularidades através de um telefonema que recebeu do então Ministro das Finanças em exercício, Manuel Cruz Neto.
O seu interlocutor o havia informado que o mesmo ao verificar o saldo da conta do tesouro constatou que era negativo e pediu esclarecimentos a então directora em exercício do Tesouro, Ilda Jamba, mas esta, por sua vez, disse que não sabia explicar e foi ao BNA com o propósito de perceber o que se estava a passar.
Assim que regressou ao seu posto de trabalho, Ilda Jamba, reuniu-se com os seus superiores hierárquicos para em conjunto analisarem as informações que receberam e concluíram que estavam perante uma situação de fraude e tomaram todas as medidas necessárias para detectar os infractores e os locais para onde foram enviados tais montantes.
Abraão Gourgel, que na altura se encontrava ausente do seu posto de trabalho, disse que os seus colegas comunicaram aos bancos correspondentes para cancelarem as operações que ainda estavam em curso e congelar dos valores já depositados nas contas identificadas.
Confirmou também que as operações em si foram feitas dentro do circuito e que as assinaturas constantes nos documentos juntos aos autos são suas. Esclareceu que os expedientes relativos às operações em referência deram entrada no seu gabinete e foram remetidas de imediato para a Direcção de Gestão de Reservas (DGR) que tem a incumbência de as confirmar no sistema e emitir um parecer que servia de orientação.
O declarante explicou ainda que era em função deste parecer que autorizava ou não as operações desta natureza. Surpreendeu os presentes afirmando que a fraude não estava no BNA, mas sim na tramitação de documentos do gabinete do Ministro para o gabinete do Governador.
“Herói” em acção
A seguir ao titular da pasta da Economia, entrou para a sala de audiência improvisada Manuel da Cruz Neto, o homem que descobriu a fraude. E não se coibiu em afirmar que o sistema em vigor era frágil e facilitava este tipo de situações.
Contou que na altura exercia a função de ministro em exercício porque o seu superior hierárquico se encontrava em missão de serviço na China e não hesitou em contactá-lo assim que se apercebeu que existia um saldo negativo nas reservas do Estado.
O ex-vice ministro da Finanças disse que comunicou não só ao seu chefe como ao então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Abraão Gourgel, depois de ter ouvido a sua colega Ilda Jamba.
De acordo com a nossa fonte, o declarante disse que na época todos eles mostraram-se surpreendidos e diziam que não era possível porque o sistema tinha garantias de segurança.
Depois de confirmarem as fraudes, os dirigentes das duas situações, nomeadamente, o Ministério das Finanças e o BNA, realizaram uma reunião conjunta para detectar a origem do desfalque. Neste encontro, concluiu-se que o erro estava na falta de ligação ou comunicação entre o sistema de pagamento em moeda interna e o sistema de pagamento em moeda externa, bem como na ligação do sistema do BNA ao sistema do Ministério das Finanças.
Para facilitar a compreensão de todos os presentes, detalhou que o mesmo código de um expediente para pagamento em moeda interna era utilizado para o procedimento em moeda externa, porque o primeiro processo que tramitava na Direcção de Operações não era concluído. Isto é, era deixado em aberto para que durante três a cinco dias um outro processo tramitasse na Direcção de Gestão de Reservas, o sistema confirmava a operação e era executada sem que aquele (o sistema) recusasse.
Manuel da Cruz Neto recordou que, neste encontro, os técnicos não conseguiram esclarecer por que razão a primeira operação não era concluída ou o sistema permanecia aberto por tantos dias e muito menos quem eram as pessoas responsáveis pelo fecho da operação.
Estes pormenores levaram os magistrados judiciais e os causídicos a se questionarem como foi possível os peritos que conduziram as investigações não se terem apercebido disso. “Ficamos sem saber como foi possível eles não realizarem uma investigação a altura de trazer os verdadeiros autores das fraudes”, disse a nossa fonte.
O declarante integra os quadros do Ministério das Finanças há vários anos, tendo exercido o cargo de director de Gestão de Reservas, na década de 90.
O ministro das Finanças, Armando Manuel, que na época do rombo financeiro aos Cofres do Estado, exercia a função de director do Tesouro Nacional, não compareceu à audiência do julgamento em que está arrolado como declarante.
Apesar de não ter apresentado justificado ao Tribunal, uma outra fonte afecta ao seu Ministério assegurou que terá sido em função da reunião do Conselho de Ministros para a Economia Real, realizada no mesmo dia.
Segurança das transacções em análise
O ex-ministro das Finanças, José Pedro de Morais Júnior, e o então governador do BNA, Amadeu Maurício, não tiveram os mesmos privilégios e compareceram na semana passada no Palácio Dona Ana Joaquina para prestarem declarações. Indagado sobre as modalidades de funcionamento da instituição que dirigia, José Pedro de Morais descreveu que para a segurança das transacções, o expediente por regra, devia ser elaborado na Direcção Nacional de Tesouro e depois o Director da área levava pessoalmente o dossiê para despacho no seu gabinete. Onde depois de analisado e confirmado na presença do Director Nacional, o mesmo era assinado e encaminhado para o gabinete do Governador do BNA, através de funcionários previamente seleccionados para o efeito.
Explicou que o ofício que assinava era elaborado em papel especial, o que garantia alguma segurança, e em cumprimento de exigências e formalidades que tinham que ser observadas na altura.
A nossa fonte atestou que José Pedro de Morais demonstrou não acreditar que alguns dos arguidos, pelo seu nível académico e os cargos básicos que exerciam nas instituições em referência, foram capazes de realizar aquelas operações. O ex-governante disse ainda que os técnicos do Ministério das Finanças e do BNA realizavam, periodicamente, encontros de conciliação dos movimentos financeiros efectuados na conta do tesouro. E que, por outro lado, os titulares das pastas das Finanças e do Banco Central também se encontravam frequentemente para analisar e balancear estas operações de modos a determinarem as oportunidades dos pagamentos, em função da liquidez.
“Ele disse acreditar que por esta via, qualquer fraude neste sentido seria facilmente detectável”, assegurou o nosso interlocutor.
Segundo a nossa fonte, o ex- Governador do BNA, Amadeu Maurício, não só confirmou a versão apresentada pelo então Ministro das Finanças, como também acrescentou não ser possível que pessoas “estranhas” ao circuito de processamento dos pagamentos tenham feito tais operações. Disse que só seriam possíveis realizar estas operações fraudulentas em conluio com todas os intervenientes na cadeia de tramitação de pagamentos.
O PAIS