"Angola está hoje numa fase de desenvolvimento enorme e com uma capacidade de exploração de recursos que lhe permite ter índices de desenvolvimento de dois dígitos", referiu em entrevista à Lusa Pedro Pezarat Correia, 81 anos, autor de diversos estudos sobre o processo de descolonização.
A cumprir a segunda comissão em Angola quando eclodiu o 25 de Abril de 1974, Pezarat Correia promoveu contactos com os movimentos de libertação em representação da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA) e integrou a delegação portuguesa aos acordos do Alvor (janeiro de 1975), onde foi negociada a partilha do poder e a independência de Angola.
"Hoje, e em relação a Portugal, Angola está a ficar um pouco na posição em que o Brasil se colocou depois da independência. Começa a ser um recurso para Portugal", assinalou o autor de "Descolonização de Angola - A Joia da Coroa do Império Português" (1991) e de "Angola - Do Alvor a Lusaka" (1996), entre várias publicações.
Ao insistir na comparação com o Brasil, a antiga colónia que se autonomizou em 1822, o general na reforma salientou que Angola já constitui um "refúgio" da mão-de-obra portuguesa, com mais de 100 mil emigrantes.
"Já está perto de atingir outra vez o patamar de portugueses que havia em Angola antes da independência, eram mais ou menos 320 mil, não contando com os militares", afirmou.
Numa abordagem à evolução da antiga colónia após a independência - declarada pelo MPLA em novembro de 1975, já em plena guerra civil e com intervenção internacional -, Pezarat Correia disse detetar uma alteração radical que associou ao fim da Guerra Fria e à globalização.
"Negando tudo o que foram os seus programas e as suas bases ideológicas, mas mantendo o mesmo partido... o partido pragmatizou-se, para usar um termo suave", disse, referindo que o MPLA se inseriu "na ideologia e economia capitalistas" em íntima "ligação" com as principais potências.
"Apesar dos problemas sociais que persistem", em particular nas "imediações de Luanda", ou da natureza do regime, Pezarat Correia destacou as "imensas potencialidades" de um país que não está apenas dependente das suas importantes reservas petrolíferas.
"Também tem um recurso de riqueza natural enorme, a água, hoje com imensa importância no contexto mundial. Angola tem imensa água, o planalto central de Angola é de uma riqueza aquífera enorme. E,portanto, Angola pode ser um celeiro de produtos que, nomeadamente em África mas no mundo em geral, começam hoje a ser de uma enorme riqueza potencial, que são os produtos agrícolas e pecuários", sustentou.
Além disso, prosseguiu, Angola tem diamantes, ferro, "imensas" matérias-primas, pesca ou "enormes" potencialidades turísticas.
"Dentro de 30 anos, Angola ultrapassou Portugal, já não estou cá para ver mas não tenho dúvidas disso", assegurou.
Ainda numa abordagem à definição do regime de Luanda, Pezarat Correia refere-se a uma democratização, mas "entre aspas".
"Há uma democratização das estruturas, há eleições em Angola (...) mas é evidente que a democracia que o MPLA proclamava nos seus documentos extraordinários, que para além da democracia política houvesse democracia económica, social, cultural, essa está bastante longe de ser atingida", afirmou.
O ex-membro do Conselho da Revolução destacou uma elite angolana que vive "muito bem", uma "classe média em crescimento", um sistema de ensino "difundido pela grande maioria da população", uma rede de saúde que "atinge grande parte da população dos interiores", o crescimento nas cidades do interior e problemas por resolver.
"Um dos problemas mais graves por resolver em Angola é o social, (...) nomeadamente na periferia de Luanda", onde ainda permanecem centenas de milhares de deslocados internos, uma herança do prolongado conflito, assinalou.
Numa referência ao processo de descolonização, do qual foi um observador privilegiado, indicou que nas suas investigações chegou à "conclusão decisiva" de que em Portugal, à semelhança de outras antigas potências coloniais, "havia a tendência para tentar analisar e interpretar a descolonização na ótica do colonizador", colocando-o sempre no centro e como protagonista do processo.
Pelo contrário, assegurou que "o protagonista é o colonizado", e sem reparar esse "vício de fundo" seguem-se outros erros, como considerar que a descolonização "foi o que se seguiu" à colonização.
"A descolonização convive com a colonização, isto é, enquanto o colonizador está a colonizar, toda a luta do colonizado contra a colonização já é descolonização", acrescentou.
Lusa