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Sábado, 08 Outubro 2022 10:08

Ao "desespero" da população regime cubano está a responder com repressão - analistas

As manifestações populares de 2021 em Cuba têm sido este ano retomadas fruto do "desespero" da população com as dificuldades de subsistência, mas a resposta do regime centra-se na repressão, segundo analistas ouvidos pela Lusa.

“Nas últimas semanas houve protestos, inclusivamente de pessoas a bater tachos. Porém, são protestos marcadamente diferentes dos protestos do ano passado, em que as pessoas estavam furiosas com a situação global do país”, declarou Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional (AI) Portugal.

Para Neto, “as [manifestações] destas últimas semanas são já de puro desespero, pela situação de escassez de alimentos, pela fome, que não é recente, pela falta de eletricidade por vários dias consecutivos. Esta situação foi ainda mais agravada pela passagem do furacão Ian [que provocou mortos e grande destruição na Ilha]”.

Segundo ainda o responsável da AI, as autoridades cubanas continuam a culpar os "opressores", nomeadamente os Estados Unidos, sem "uma assunção de responsabilidades” por Governo de Cuba pela situação vivida no país.

“A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão continuam sem mudanças em Cuba. Existe um trabalho que tem de ser feito pelas autoridades cubanas, que é o da garantia de mínimos de direitos económicos e sociais e de liberdade de expressão” ao povo cubano, adiantou Neto.

Filipe Vasconcelos Romão, professor na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), afirmou que “até ao momento, as organizações não-governamentais que monitorizam a questão dos direitos humanos e o cumprimento e a salvaguarda dos mesmos continuam a denunciar o regime cubano, afirmando que não tem havido melhorias neste campo em relação a gestão dos governos anteriores, nomeadamente dos irmãos [Fidel e Raúl] Castro”.

Para Vasconcelos Romão, “neste sentido a repressão parece continuar a ser um instrumento considerado válido pelo regime cubano, que acaba por ser materializar na continuidade destes processos a quem foi considerado líder ou por ter participado nas manifestações do ano passado”.

“Estes são os dados que existem e os dados da oposição cubana, evidentemente, vão na mesma linha, o que parece demonstrar que o Governo de [Presidente cubano, Miguel] Díaz-Canel não procedeu grandes alterações neste âmbito”, sublinhou o professor da UAL e especialista em relações internacionais.

De acordo com a ONG Human Rights Watch (HRW), num relatório publicado no aniversário de um ano das manifestações, em 11 de julho de 2021 milhares de cubanos saíram às ruas na maior manifestação nacional contra o governo desde a revolução cubana de 1959. Esses protestos pacíficos, segundo a HRW, foram uma resposta às restrições aos seus direitos, à escassez de alimentos e medicamentos e à resposta do Governo de Cuba à pandemia da Covid-19.

O grupo cubano de direitos humanos Cubalex, citado pela HRW, referiu que mais de 1.400 pessoas foram detidas, incluindo mais de 700 que permanecem atrás das grades. Mais de 380 manifestantes e transeuntes, incluindo vários adolescentes, foram processados e sentenciados.

Já a Associação de Amizade Portugal-Cuba declarou à Lusa, por email, que “os acontecimentos de 11 de julho de 2021 foram desencadeados por um brutal ataque cibernético, com origem em organizações financiadas pelos Estados que, com a etiqueta [da organização de oposição] SOS Cuba, foram movimentadas dezenas de contas, com grande capacidade tecnológica, automatizadas, inorgânicas, robóticas e com instrumentos de informatização”.

Regime de Cuba passou a usar sanções para justificar problemas 

As sanções impostas a Cuba pelos Estados Unidos ao longo décadas estão a ser usadas pelo regime para justificar problemas e eximir-se de responsabilidades num contexto de crise, segundo analistas ouvidos pela Lusa.

“A imposição de sanções por parte dos Estados Unidos teve a ver, não com Cuba ser um regime democrático ou uma ditadura, mas sim com uma ditadura que se opunha aos Estados Unidos, que do ponto de vista ideológico [já que estava alinhada com a União Soviética durante a Guerra Fria] tinha nos Estados Unidos o seu maior inimigo”, declarou Filipe Vasconcelos Romão, professor na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).

Vasconcelos Romão referiu que “os Estados Unidos têm relações muito robustas, relações económicas fortes e venda de inclusivamente de armamento a outras ditaduras, como é o caso da Arábia Saudita”.

O embargo económico, comercial e financeiro dos Estados Unidos a Cuba é o mais longo da História moderna e vigora há cerca de 60 anos. As Nações Unidas já pediram por varias vezes o final do bloqueio ao país.

“É evidente que estas sanções sempre contribuíram e serviram de pretexto ao regime cubano para não materializar uma abertura económica mais efetiva, como também serviram para fundamentar a ideia dos Estados Unidos como o grande inimigo do regime cubano”, referiu o professor da UAL.

“A imposição de sanções acabou por fortalecer e ser um dos elementos que permitiu a manutenção do regime cubano ao longo destes anos, pois assim era possível apontar o inimigo externo para os problemas sócio-económicos da população cubana”, declarou Vasconcelos Romão.

O professor da UAL referiu que foi o ex-Presidente norte-americano Barack Obama o primeiro a tentar inverter a política norte-americana em relação à Cuba.

“Esta política para ser totalmente revertida tem de passar pelo Congresso norte-americano e isso não foi possível a Obama. Mas, levou a uma abertura e materializou-se no restabelecimento das relações diplomáticas e a reabertura das embaixadas em Cuba e nos Estados Unidos”, sublinhou Vasconcelos Romão.

Para o professor da UAL, a Administração [do ex-Presidente dos EUA, Donald] Trump congelou e reverteu algumas medidas, mas curiosamente não encerrou a embaixada norte-americana e não voltou à situação prévia a Obama. Agora, com o atual Presidente Joe Biden, já há algumas movimentações de reaproximação.

Por outro lado, o investigador Pedro Ponte e Sousa, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, declarou que para os EUA as sanções fazem sentido como medida ‘forte’ de condenação às prisões, e de condenação política da organização política cubana. Todavia, não é esse o objetivo das sanções económicas, ou do embargo. O objetivo não é punir o outro, mas antes facilitar a mudança política”.

“O problema, que conhecemos no caso de Cuba, mas em muitos outros, é que as sanções económicas funcionam do ponto de vista económico, penalizam profundamente a vida dos cidadãos comuns, mas não funcionam do ponto de vista político”, sublinhou Ponte e Sousa.

Para Pedro Neto, diretor excutivo da Amnistia Internacional (AI) Portugal, “as sanções têm justificação em determinados contextos e apontadas a determinadas pessoas e instituições”.

“O problema das sanções é que, por vezes, prejudicam aqueles que menos têm, aqueles que mais sofrem e os mais pobres. No caso de Cuba, as sanções já são duradouras, há muitos anos e quem sofre mais é o povo com maiores necessidades (...) quando existem (sanções), são uma forma de combater os abusos contra os direitos humanos”, declarou Neto.

“Entretanto, tem de se implementar [as sanções] com um caráter discriminatório, que atinja apenas aqueles que são abusadores dos direitos humanos e não todo o povo que está inocente. Em Cuba, as sanções podem justificar alguns dos problemas, mas nunca todos. Nós estamos a ver por parte do Governo é que continua a responsabilizar as sanções por todos os males de Cuba e eximirem-se das suas responsabilidades e este é um problema grande”, observou Pedro Neto.

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