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Quarta, 27 Agosto 2014 13:55

Dhlakama quer comissão da verdade para investigar morte de civis em Moçambique

O Presidente da Renamo pediu a criação de uma comissão da verdade para investigar mortes de civis na recente crise militar em Moçambique, afirmando que os confrontos provocaram milhares de baixas no exército e apenas 25 no seu partido.

Em entrevista por telefone à Lusa, Afonso Dhlakama anunciou o desejo de criar "uma comissão da verdade, à semelhança do que fizeram na África do Sul, com [Nelson] Mandela, depois do fim do `apartheid`".

"Podemos criar uma comissão da Renamo, da Frelimo, do MDM [os três partidos representados no parlamento], mesmo alguns oficiais, para investigar nas zonas afetadas por esses confrontos militares", afirmou Dhlakama, que declina responsabilidades nas baixas de civis.

"Por amor de Deus! O que eu vi com os meus olhos foi uma campanha por parte das forças armadas de andar a queimar residências da população. Aqui na mesma Gorongosa, posto administrativo de Caia, nas zonas de Tasaronda, Vanduzi, Satungira, Casa Banana, Piro, mesmo nos distritos de Maringuè queimaram muitas casas", descreveu.

Segundo Dhlakama, que admite baixas de civis "por engano" no fogo cruzado nos confrontos com as escoltas militares das colunas de viaturas, no troço da única estrada que liga o sul ao centro do país, a Liga dos Direitos Humanos de Moçambique "sabe qual o lado que maltratou as populações".

"A Renamo nem o podia fazer por uma questão de coerência", observou. "Se estou no mato, a sofrer, com frio e a escapar de tiros, à procura da melhor vida da população e da democracia que é negada pela Frelimo [partido no poder], seria descabido, não significaria nada: estamos a lutar para quê?"

O líder da oposição afirmou que nunca se encontrou em parte incerta, comunicou sempre com a estrutura do partido, nunca lhe faltou nada nos últimos meses, e que se mantém na zona de Satungira, Gorongosa, na província de Sofala, a cerca de cinco quilómetros do local que abandonou, a 21 de outubro de 2013, depois de um ataque do exército.

"Era o dia destinado para me matarem, só Deus é que não quis", recordou. "Parecia gingar, os obuses a cair à frente, atrás, mas ia a falar, a comunicar com a minha família, com meus filhos que estão na cidade, para que não chorassem porque se tratava de uma brincadeira", lembrou. "Nem sei como escapei".

Dhlakama disse que "nunca pensou que [Presidente, Armando] Guebuza em pleno dia poderia mandar pessoas com morteiros, bazucas, antiaéreas a disparar mesmo para matar", quando ao mesmo tempo enviava emissários com mensagens para ele e os militares das duas partes bebiam cerveja juntos e a água do mesmo poço na Gorongosa. "Foi então que comecei a pensar que os homens políticos podem fazer discursos bonitos mas por dentro são maus". Depois desse dia, passou a acreditar que devia sofrer por "uma luta para salvar milhões de moçambicanos".

"Reagi com muita força, enquanto as `fademo` [Forças Armadas de Moçambique] começaram a regredir muito, a morrer como ratos", relatou. "Quantos milhares! O próprio ministro da Defesa, Graça Chongo [chefe das Forças Armadas] e todos os outros perderam milhares de tropas aqui", afirmou

"Mas não estou orgulhoso por isso, falo até com meu corpo arrepiado, porque são filhos de pessoas que morreram, morreram uns milhares aqui em Satungira. Eram por dia carregados 20, 30, 40 mortos, escondidos e lançados nas valas comuns", descreveu o líder da Renamo, referindo que, do seu lado, houve apenas 25 baixas, incluindo um oficial superior.

Segundo Dhlakama, o exército podia desconhecer qual a casa em que se encontrava mas sempre soube que estava em Satungira e semanalmente bombardeava a região com armas pesadas de longo alcance. "Felizmente, nem a população feriram, porque esses obuses caiam na serra, e eu reparava `esses miúdos estão a perder tempo`", lembrou o líder da oposição, afastando informações da "propaganda da Frelimo" de que estava doente.

"Estou bem e pronto para iniciar a campanha eleitoral nos próximos dias", afirmou.

Líder da Renamo exige garantias do Presidente moçambicano antes de "limpar" eleições

O líder da Renamo espera que o encontro com o Presidente moçambicano sirva para obter garantias quanto aos acordos para o fim das hostilidades e também para preparar o período posterior às eleições, que Afonso Dhlakama espera ganhar.

"Esse encontro é muito importante para mim e para o próprio Presidente da República, porque ele vai deixar o poder", afirmou o presidente do maior partido de oposição em Moçambique, em entrevista por telefone à Lusa.

Dhlakama disse que, no encontro entre os dois líderes, ainda por marcar, exigirá garantias de que o Presidente Armando Guebuza deixe instruções, no fim do seu mandato, ao partido no poder para preservar o acordo de cessar-fogo e o entendimento com o Governo, assinados pelas delegações das duas partes no domingo, salientando que "foi sempre a Frelimo que atacou a Renamo e violou os acordos".

"Quero que ele diga que doravante essas coisas vão parar", declarou o líder da oposição, que se mantém no seu refúgio na serra da Gorongosa, no centro do país, e de onde espera sair brevemente, após a transformação dos acordos em leis.

Segundo Dhlakama, o Presidente moçambicano também quererá garantias da sua parte, para o período posterior às eleições gerais de 15 de outubro (presidenciais, legislativas e assembleias provinciais), que prevê ganhar.

"Ele poderá pensar que Dhlakama vai vingar-se dos dirigentes da Frelimo e eu também tenho de dizer a ele, como Presidente da República, que não - `irmão, esqueça, o passado é o passado, fica na história, mas agora vamos olhar para a frente`", afirmou o presidente da Renamo, assegurando que a tentativa de assassínio que diz ter sido alvo, no ataque à sua residência em Satungira, na Gorongosa, a 21 de outubro passado, está ultrapassada. "A guerra é mesmo assim e ele [Guebuza] também precisa de ouvir da minha boca garantias para o futuro dele".

O fim da crise do último ano e meio entre as duas partes, motivada inicialmente por divergências sobre a lei eleitoral e depois sobre a composição das Forças de Defesa e Segurança, deve também "encorajar os investidores estrangeiros e nacionais, porque são dois líderes que se abraçam, o que significa que é um ato de reconciliação", encerrando um período em que a imagem do país ficou "manchada".

Dhlakama não avançou quando abandonará o local onde se encontra nem para onde, dizendo que está a analisar se sairá para Maputo, ou para Nampula, no norte do país, onde tinha residência antes de se fixar na Gorongosa, ou ainda para a cidade da Beira.

Após uma "vitória militar" nos confrontos com o exército, o líder da Renamo prepara-se agora para iniciar a campanha eleitoral.

"Por termos ganho a campanha está feita", declarou, sustentando que a recente luta resultou numa lei eleitoral, que "permite que os partidos tenham liberdade e o direito de trabalhar nos órgãos eleitorais locais e controlar os eleitores", além do cessar-fogo e das bases de entendimento em relação à integração de homens da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança e ainda observadores estrangeiros para vigiar todo o processo.

"Isto é uma revolução e as pessoas sabem quem fez isso, quem obrigou o regime a aceitar esses valores foi o sacrifício do Dhlakama e da Renamo", assinalou, acrescentando que estes ganhos "motivam todos os intelectuais, sobretudo jovens de 18, 20, 30 anos, licenciados, que estão a ver Dhlakama como salvador e querem experimentá-lo para desenvolver as suas políticas setoriais".

"A Renamo vai limpar, já ganhámos", afirmou o líder da oposição, recusando cenários apontados por comentadores políticos e sondagens que colocam a sua candidatura presidencial e o seu partido atrás da Frelimo e do MDM (Movimento Democrático de Moçambique).

Em relação ao candidato presidencial da Frelimo, Filipe Nyusi, Dhlakama prevê que não atinja sequer 30% e, quanto ao MDM, que tem vindo a consolidar a sua força no voto urbano, afirmou que os dissidentes da Renamo que fundaram esta força em 2008 "estão a regressar todos os dias ao partido".

Líder da Renamo diz que aceitará resultados das eleições em Moçambique

O líder da Renamo disse à Lusa que reconhecerá, pela primeira vez na história da democracia em Moçambique, os resultados das próximas eleições gerais, acreditando que a nova lei eleitoral é credível e garante uma votação transparente.

"Com certeza. Por isso, andámos a lutar por uma lei credível, para permitir que as coisas sejam transparentes", declarou Afonso Dhlakama, em entrevista à Lusa por telefone, quando questionado se, após a alteração da lei eleitoral, no âmbito das negociações da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) com o Governo, o maior partido de oposição reconhecerá os resultados em qualquer cenário.

"Se todos os moçambicanos e os partidos seguirem as regras da lei eleitoral, quem vier a ganhar as eleições, mesmo que seja um partido pequenino, queremos ser os primeiros a reconhecer a derrota", afirmou Dhlakama, que espera, porém, uma vitória nas presidenciais e do seu partido nas legislativas e assembleias provinciais.

A Renamo conseguiu em fevereiro uma alteração legislativa para aumentar o peso da oposição na composição dos órgãos eleitorais e vigilância em todas as mesas do ato eleitoral previsto para 15 de outubro, o primeiro dos consensos com o Governo até à assinatura, no domingo, de um cessar-fogo para o fim das confrontações militares entre as partes e que duram há um ano e meio.

"Quando a lei não está boa, isso permite a um partido que coloque os seus militantes na mesa e os outros sejam amarrados e agredidos", afirmou o presidente da Renamo, mas no futuro, prosseguiu, "a todos, mesmo aos partidos pequenos, deve ser permitido que tenham os seus representantes [nas assembleias de voto], porque é uma luta. A prova dos nove é ali".

A partir de agora, segundo o líder da oposição, "é despejar, contar e dar a vitória a alguém, não um cesto de boletins pré-assinalados, uns comités do partido carregarem [votos] porque o presidente da mesa era do mesmo, tudo combinado, e quando as pessoas queriam reclamar eram agarradas e levadas para a cadeia".

Dhlakama acredita que o cessar-fogo e os documentos do acordo com o Governo têm condições para ser duradouros, até porque espera que sejam transformados em leis na Assembleia da República.

"É isto que chamamos de garantias. Não só para Dhlakama e para os moçambicanos, mas mesmo para os estrangeiros que querem investir em Moçambique e vão procurar saber se a guerra já acabou e se os acordos foram transformados em leis", considerou o líder da oposição, vincando também as diferenças em relação ao Acordo Geral de Paz, assinado em 1992 com o então Presidente Joaquim Chissano.

Na altura, "deu-se eco, com Chissano a receber medalhas e tudo, mas a Frelimo [partido no poder] continuou a fazer desmandos, a atacar, a roubar votos e não havia clareza, embora houvesse protocolos, e até os intelectuais moçambicanos tinham dificuldade em interpretar o Acordo Geral de Paz, o que é diferente destes documentos".

Agora, frisou, "está tudo claro" e "até uma criança de três anos saber dizer que, no [Centro de Conferências] Joaquim Chissano, Macuiana e Pacheco [negociadores da Renamo e Governo] assinaram um documento e o que significa", lembrando ainda que o atual Presidente, Armando Guebuza, "vai abandonar o poder e tem a preocupação de deixar o país em paz".

Dhlakama, que prevê sair nos próximos dias do seu refúgio na serra da Gorongosa, centro do país, onde se encontra desde que a sua base na região foi atacada em outubro do ano passado, espera também uma atitude diferente da comunidade internacional.

"No passado, éramos obrigados a reconhecer a derrota, quando éramos nós que ganhávamos, e os nossos votos eram roubados e retirados, mesmo com europeus a observar", comentou, lamentando que os observadores tenham ficado "sempre do lado do Governo", provocando, "com essas brincadeiras", um atraso no país de 22 anos.

"Procederam muito mal os nosso amigos europeus", afirmou Dhlakama. "Creio eu que tenham apanhado a lição e as coisas vão mudar", concluiu.

LUSA

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