Segunda, 11 de Agosto de 2025
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Segunda, 11 Agosto 2025 19:25

Angola entre o "medo" e a "caça ao homem" depois dos tumultos que dividem o MPLA

Luanda acordou sob forte dispositivo policial, apesar de as ameaças de protesto não se terem concretizado. O medo não acabou, o nervosismo também não. Ondas de choque dos tumultos atingem MPLA.

"Os dias 28, 29 e 30 representam um marco a não esquecer. Na semana passada, atingimos o ponto de rutura com o passado de submissão popular. Podemos crer que já não haverá retorno a esse passado" Paulo de Carvalho, deputado e membro do Comité Central do MPLA

Ainda assim, Luanda continua a viver na incerteza do que serão os próximos dias. “A retórica da polícia não nos convence, estamos todos muito tensos, muito apreensivos”, diz ao Observador um dos mais conhecidos economistas angolanos, Carlos Rosado de Carvalho.

Para já há uma certeza, vinda de dentro do MPLA: “Os dias 28, 29 e 30 representam um marco a não esquecer. Na semana passada, atingimos o ponto de rutura com o passado de submissão popular. Podemos crer que já não haverá retorno a esse passado”, escreveu um conceituado deputado e académico do partido no poder há 50 anos, Paulo de Carvalho.

Na conversa de cerca de dez minutos com Francisco Paciente, antes de entrar num ministério angolano para negociar melhores condições para a classe, contou como os dirigentes do setor “com alguma visibilidade” estão “a correr riscos de vida, não pernoitam nas suas casas”, pois “vão-se sentindo ameaçados”. Por quem, porquê?, perguntou o Observador. “Para não serem detidos de forma arbitrária, sem um processo, em Angola há muitas detenções arbitrárias”, justificou. À tarde, pouco depois, chegava a sua vez.A ANATA — que aparentemente convocou e depois desconvocou (pela voz do presidente) e voltou a marcar (pela voz do vice-presidente) uma paralisação de três dias no final de julho que derrapou para uma onda de violência — já tinha um dos líderes privado de liberdade. A 1 de agosto, o número dois da associação foi levado, em Benguela, pelo SIC e isolado numa cela de que só saiu vários dias depois.

A detenção dos dois dirigentes da ANATA não só gerou um coro de críticas, como criou novo pretexto para uma suposta nova paralisação esta semana e um rio de informações contraditórias. Nos últimos dias sucederam-se mensagens nas redes sociais a marcar o protesto, com as associações de taxistas a desdobrarem-se em desmentidos, o que provocou um clima de inquietação em Luanda. A tal ponto que o Governo sentiu necessidade de, neste domingo, vir garantir, uma vez mais que “a situação de segurança pública no país é estável, sem o registo, nos últimos dias, de situações que condicionem o normal funcionamento das instituições e a livre circulação de pessoas e bens”. Os “cidadãos podem levar a sua vida normal”, garantiu o porta-voz da Polícia Nacional de Angola (PNA), Mateus Rodrigues, numa declaração à imprensa.

“A Polícia Nacional de Angola tem acompanhado com atenção a produção, publicação, republicação e disseminação de informações nas redes sociais, na sua grande maioria falsas, caluniosas e até criminosas, com um único sentido: espalhar o medo, insegurança e a instabilidade social no país”.
Mateus Rodrigues, porta-voz do Ministério do Interior

Ainda assim, a PNA marcava um ponto da situação às 9h00 e outro às 18h00. Porquê, se está tudo normal?, perguntou o Observador ao Ministério do Interior (equivalente ao Ministério da Administração Interna português). “Para evitar desinformação nas redes sociais”, respondeu o Gabinete de comunicação institucional e imprensa do MI. Para o Ministério do Interior, “há uma guerra nas redes sociais”, assume ao Observador Mateus Rodrigues.

“A Polícia Nacional de Angola tem acompanhado com atenção a produção, publicação, republicação e disseminação de informações nas redes sociais, na sua grande maioria falsas, caluniosas e até criminosas, com um único sentido: espalhar o medo, insegurança e a instabilidade social no país”, referiu no domingo o subcomissário aos jornalistas.

A ativista Laura Macedo tinha lançado o apelo este domingo: “Paralisação ou não paralisação? Na dúvida, vamos ficar em casa. Não queremos mais mortes desnecessárias”. Muitos ouviram-na. “Havia menos gente, menos carros na rua em algumas zonas da cidade”, descreve Luís Pinto, morador no Kilamba, ao Observador.

"Estão a usar uma lei criada no ano passado contra o vandalismo que responsabiliza os promotores das manifestações por eventuais desacatos, As penas podem ir até aos 25 anos de prisão, mais pesadas do que as previstas para pedófilos, por exemplo" Carlos Rosado de Carvalho

Mais de 300 condenados por vandalismo, “alguns com penas bem pesadas”

Para já, não se cumpriu a ameaça da semana passada: “Se o vice-presidente da ANATA não for libertado na sexta-feira, dia 8, os taxistas vão parar novamente entre 11 e 17 de agosto”, assegurou ao Observador um ativista na quinta-feira. Pois bem, não só Catimba continuou sob custódia do SIC como o mesmo aconteceu a Paciente. Os dois estão detidos com o mesmo argumento: “Por factos que se configuram na prática dos crimes de associação criminosa, incitação à violência, atentado contra a segurança nos transportes e terrorismo, consubstanciado em fortes indícios do seu envolvimento na promoção dos atos de vandalismo e arruaça contra bens e serviços públicos e privados, protagonizados no final de julho”, lê-se no comunicado do SIC.

Estão a lançar mão de uma “lei criada no ano passado contra o vandalismo que responsabiliza os promotores das manifestações por eventuais desacatos”, assinala Carlos Rosado de Carvalho. As penas podem ir até aos 25 anos de prisão, “mais pesadas do que as previstas para pedófilos, por exemplo”, critica o também jornalista. Problema: a ANATA e as outras associações de taxistas não convocaram nenhuma manifestação, mas sim uma paralisação com uma indicação muito clara: “Fiquem em casa”.

Mateus Rodrigues, porta-voz do Ministério do Interior, separa as águas: “O problema não é a convocação, mas as consequências, a convocação da manifestação não é crime, nem a realização de protestos pacíficos e ordeiros é crime. O caso dos dirigentes da ANATA é de incitação à violência por meio das redes sociais” sendo que “a violência veio a realizar-se”, esclarece ao Observador. O processo dos dois continua “e houve mais detenções” nessa linha, informa o sub-comissário.

Noutra frente, a dos atos de vandalismo, prosseguem os julgamentos dos mais de 1.500 detidos. “Já houve mais de 300 condenações, e alguns com penas bem pesadas, de um ano e seis meses de prisão efetiva”, revela Mateus Rodrigues.

Esta segunda-feira, da reunião extraordinária do Conselho da República marcada para “analisar os eventos ocorridos entre 28 de julho e 1 de agosto nas províncias de Luanda, Huíla, Malanje, Benguela, Cuango, Icolo e Bengo e Bengo”, saíram três apelos.

"Os dirigentes do setor com alguma visibilidade estão a correr riscos de vida, não pernoitam nas suas casas para não serem detidos de forma arbitrária, sem um processo, em Angola há muitas detenções arbitrárias" Francisco Paciente, presidente da Associação Nacional de Taxistas Angolanos

O primeiro pede à população “para manter uma postura cívica e ordeira, pautada pelo exercício responsável e consciente” dos direitos e liberdades consagrados na Constituição e na lei”.

O segundo é também dirigido aos cidadãos que devem “respeitar as autoridades, evitando a disseminação de desinformação nas plataformas digitais para se salvaguardar o bem-estar de todos”.

Finalmente, o terceiro é endereçado às forças de segurança: “O Conselho da República encoraja os Órgãos de Defesa e Segurança a prosseguirem com as medidas de garantia da ordem, tranquilidade e segurança públicas e a manutenção da paz social”.

E nem uma palavra sobre as 30 mortes (ou mais) e os 277 feridos.

Luanda, a capital que “é um barril de pólvora” e que anda a recolher pneus

Pouco antes de se saber que Francisco Paciente fora detido, em Lisboa decorria uma missa, e uma manifestação, protesto que se repetia em Londres. A mulher que a polícia disse ser “estrangeira, talvez em situação migratória irregular”, e os vizinhos juram ser angolana, nascida no Uíge, tornou-se no rosto das vítimas mortais dos tumultos. O fim trágico desta mulher de 33 anos e as várias detenções refletem muito do que se passou nos três dias e na semana seguinte: protesto, vandalismo, violência, pilhagem, morte, fome, revolta, desinformação, medo. E política.

“O Governo diz que a situação está calma, mas ninguém acredita, pois as razões da contestação mantêm-se, a fome é real, há medo de mais pilhagens e saques, a polícia está preparada para o pior, o Presidente da República deixou isso claro — até os pneus velhos [o governo provincial de Luanda] começou a retirar das oficinas e das ruas, para impedir que os queimem — e pode haver muita repressão”, teme o professor universitário.

"É tudo uma incógnita, a revolta está lá, as causas não desapareceram, pode explodir novamente, e vai ser maior e pior, até porque a polícia está a preparar-se para reagir com mais agressividade, se é que isso é possível" Sedrick de Carvalho, jornalista e ativista

“Há uma preocupação muito grande na sociedade. Receia-se que o que se passou a 28, 29 e 30 se possa repetir, porque o Palácio não percebeu o que está por trás disto, está a ignorar os sinais, a tratar tudo como crimes, como se fossem só arruaças e vandalismo, e não como um protesto contra o Governo e as suas políticas”, lamenta Carlos Rosado de Carvalho.

“Luanda é um barril de pólvora”, avisa Reginaldo Silva, jornalista veterano angolano e membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social de Angola.

“É tudo uma incógnita, a revolta está lá, as causas não desapareceram, pode explodir novamente, e vai ser maior e pior”, alerta Sedrick de Carvalho, jornalista e membro da Uyele – Associação Cívica. “Até porque a polícia está a preparar-se para reagir com mais agressividade, se é que isso é possível”, diz o ativista que esteve preso um ano em 2015, quando o anterior Presidente José Eduardo dos Santos colocou na cadeia o chamado grupo dos “15+2”, acusados de preparar um golpe de Estado por discutirem sobre democracia.

“Estes três dias que abalaram Luanda tiveram um impacto muito negativo. Não é que a cidade não tenha no seu histórico pilhagens e onda de violência”, começa por dizer Reginaldo Silva. “Porém, não posso dizer que o pior já passou, as coisas vão complicar-se, os luandenses olham com muita apreensão para os dias que se seguem”, acrescenta o jornalista.

“Se quiserem matar, matem, façam o que acham que devem fazer”

Para já, a detenção de Francisco Paciente e Rodrigo Catimba “está a preocupar os taxistas pelo que não se prevê que haja paralisação”, insiste o líder do Movimento de Estudantes Angolanos, Francisco Teixeira. Além do mais, adianta, “receberam carros novos”. Ou seja, analisa a socióloga angolana Luzia Moniz, o MPLA (Movimento Para a Libertação de Angola] no poder usou duas das suas armas preferidas: “O medo e a compra das consciências”.

Na periferia da capital, o nervosismo tem sido outro: “Não dormimos duas vezes seguidas no mesmo sítio”, conta, a partir de Luanda, o ativista Nelson Cultura. Nas redes sociais, circula uma lista de pessoas a serem detidas, sendo que um dos nomes é o presidente do MEA. “Agora enterramos os mortos, cuidamos dos feridos, ajudamos os detidos. Depois vamos voltar às manifestações pacíficas, ordeiras e disciplinadas, sem tumultos, sem perdas de vida, sem queimar nada”, prometeu Francisco Teixeira, que se tem destacado na luta por melhores condições de ensino e a 19 de julho levou 20 mil estudantes para a rua sem que se registassem distúrbios.

“Constantemente ameaçado”, o dirigente estudantil admite que “humanamente” tem medo. Todavia, isso não o faz desistir. “Tenho esta missão, desempenhada dentro da lei, por isso se me quiserem prender, prendam. Se me quiserem matar, matem, façam o que acham que devem fazer”.

Há vários vídeos de jovens a dizer o mesmo nas redes sociais, identificando-se e começando e despedindo-se com “saudações revolucionárias”. O mais delicado são as famílias. Há um mês que os filhos de Francisco Teixeira não saem à rua, por uma questão de segurança. “Não percebem porque é que os outros podem andar livremente e eles estão trancados em casa”.

No bairro de Ana Mubiala Silvia, Caop-B, em Viana, um dos subúrbios de Luanda, as noites também não são as mesmas. Há um antes e um depois de 29 de julho, no segundo dos três dias da paralisação de taxistas, que resvalou para uma onda de pilhagens e repressão policial. Os moradores oscilam entre “a revolta e o medo, a dor e a necessidade de ajudar as famílias de quem morreu porque o Governo angolano não se responsabiliza. Tivemos de nos mobilizar para conseguir fazer o enterro que as famílias não conseguem pagar”, conta ao Observador o vizinho Nelson Cultura.

Mubiala corria com o filho pela mão quando dois tiros a mataram pelas costas

Naquele dia, a rua não se encheu com o cheiro e o fumo do “pincho”, os pedaços de carne de porco assado que Ana Mubiala Silvia vendia para sustentar a família. Deixou em casa a grelha e foi à procura do filho de 15 anos. “Tinha mandado o rapaz à cantina [pequena loja informal de bairro]”, relata Nelson Cultura, e quando ouviu a confusão ficou com receio do que lhe pudesse acontecer. O “miúdo não estava nos tumultos, a cantina não foi vandalizada”, continua o morador do bairro. “O problema começou noutro local onde o povo estava a romper [saquear] o supermercado Arreiou, junto à universidade Piaget e a polícia começou a disparar e matou um ativista, o Gato Preto, que ia para o trabalho. As pessoas começaram a fugir”. Mubiala e o filho “não tinham nada a ver com isso, mas a polícia começou a trancar as entradas para o bairro e todos fugiam, porque isto aqui era uma guerra, a polícia atirava à queima roupa”.

"Muitas destas mortes são preventivas: matam para os outros perceberem que não podem vir para as ruas protestar. O Governo usa o medo para gerir conflitos sociais. Aliás, o medo é o instrumento essencial da política do MPLA" Luzia Moniz, socióloga

A mulher corria pela sua rua, a Guarda Passagem, também conhecida por Dr. Agostinho Neto [primeiro Presidente de Angola], com o filho pela mão, quando um carro da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) a alguns metros atrás dela, disparou. “Primeiro na perna, depois na cabeça”, diz Nelson Cultura. Há um vídeo, demasiado gráfico para ser aqui divulgado, em que se vê tudo. As imagens da mãe a fugir, a ser atingida e a cair e do filho a tentar levantá-la e depois ajoelhado no chão junto ao corpo ensanguentado circularam rapidamente nas redes sociais e geraram a comoção dentro e fora do país.

A mãe de seis filhos não foi a única baleada fatalmente naquela rua, naquele dia. “Morreram mais cinco pessoas, todas jovens”, lamenta Nelson Cultura. Mas tornou-se num símbolo da “repressão policial injustificada” que levou mesmo organizações da sociedade civil a falar em “execuções sumárias” e partidos políticos da oposição a condenaram veementemente o assassinato de uma mulher indefesa, pelas costas. Alguns, como a UNITA e o Partido Liberal (criado em fevereiro deste ano, por exemplo,) visitaram os seis órfãos, com idades entre os sete meses e os 15 anos e o viúvo de 42 anos que vive de biscates: “Era ela que garantia o sustento e os estudos dos filhos”, acrescenta o ativista. Numa dessas visitas, vê-se o rapaz que viu a mãe morrer. Tem uma sweatshirt em que se lê life is short (a vida é curta).

A polícia tem “ordens para matar” ou mata para se proteger?

As explicações das autoridades, que confirmaram que Mubiala foi alvejada pela polícia, acentuaram a indignação. O comandante-geral da Polícia Nacional Angolana (PNA) disse que ela “era estrangeira” em “situação migratória ilegal” e participava nas pilhagens. Francisco da Silva garantiu que a polícia usou meios proporcionais para garantir a integridade física dos agentes.

“Quando aquele grupo tentou insurgir-se contra os agentes da Polícia, claro que a integridade física do agente deve ser salvaguardada em primeira instância e nesta [situação] foi neutralizada, infelizmente faleceu”, explicou Francisco da Silva. “Lamentamos a morte, mas, infelizmente, o agente teve que salvaguardar a vida, a sua integridade física e preservar a autoridade do Estado”, adiantou o comandante no final de uma visita a uma esquadra que a população atacou num outro bairro de Viana.

No entanto, no vídeo vê-se a mulher a fugir, junto com outras pessoas, sem quaisquer agentes da polícia por perto, e um carro da PIR a disparar a vários metros.

“A polícia que tem treino para proteger, fazer a defesa do cidadão, garantir a ordem e a segurança pública, não pode, de qualquer forma, disparar nas costas de uma mãe que corre numa área que não tem supermercados e que não traz nada nas mãos — e mesmo que trouxesse, isso nunca justificaria ser assassinada. Isto não é aceitável”, condenou Adalberto Costa Júnior ao telefone com o Observador. “Não vamos ficar quietos” prometeu o presidente do maior partido da oposição, a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), sem concretizar o que vai fazer. “As pessoas não são números, têm vidas, trajetórias, estamos a fazer o levantamento rigoroso do que se passou”, justifica.

“A polícia tem ordens para atirar a matar”, denuncia Nelson Cultura que nega as afirmações de Francisco Silva. “Não estava a vandalizar e não é estrangeira, é do Uíge, os pais emigraram para o Congo na guerra civil, nos confrontos entre MPLA e UNITA na zona; o nosso comandante da polícia gosta de deturpar informação. E ainda que fosse. Porque é estrangeiro pode matar-se?”, interroga-se.

“O MPLA, quando está em aflição e quer justificar as suas maldades, gosta de ‘estrangeirar’ os outros” acusa Luzia Moniz que organizou a missa em homenagem a Mubiala e a “todas as vítimas daquele massacre, pois são 30, e há muitos desaparecidos”.

"Nós temos medo deles, mas não temos nada a perder. Eles têm medo de nós e têm tudo a perder" Francisco Teixeira, presidente do Movimento de Estudantes de Angola

A cofundadora e ex-presidente da PADEMA (Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana) classifica como “preventivas” muitas destas mortes: “Matam para os outros perceberem que não podem vir para as ruas protestar”. Ou seja, o Governo usa o “medo para gerir conflitos sociais”. Aliás, continua a jornalista e ativista, “o medo é o instrumento essencial da política do MPLA, sempre foi, é uma das formas de manter no poder”.

Mas o “medo tem dois sentidos”, frisa Francisco Teixeira. “O clima é muito mau. Insegurança é grande. Nós temos medo deles, mas não temos nada a perder. Eles têm medo de nós e têm tudo a perder”. Entenda-se por eles “as pessoas que controlam o país, esse grupo pequeno que tem tudo, esbanja dinheiro ostensivamente enquanto o povo come dos caixotes do lixo e passa fome”. Eles “triplicaram a segurança, estamos a ser vigiados, o banco onde a MEA tem o seu dinheiro começou a levantar problemas, a nossa conversa está a ser gravada, seguramente, há muita pressão. Só quem tem coragem sai de casa”, salienta.

"O que vimos recentemente não foram manifestações e não teriam esse designação em qualquer democracia ocidental. Foram atos de vandalismo, de puro terrorismo, portanto, crimes e assim sendo são casos de polícia", Hilário Esteves, porta-voz do MPLA

O MPLA recusa as ideias de que o partido usa o medo para se perpetuar no poder. O seu porta-voz exalta a “natureza liberal e progressista do partido”, antes de afirmar “categoricamente o apreço” do MPLA “pelo exercício das liberdades fundamentais dos cidadãos”. No entanto, frisa Hilário Esteves, isso “não pode de forma alguma ser confundido com excessos e violações de direitos alheios e a vandalização de bens e valores constitucionalmente tutelados”. De resto, o MPLA repete o que o Ministério do Interior tem dito: “O que vimos recentemente não foram manifestações e não teriam essa designação em qualquer democracia ocidental. Foram atos de vandalismo, de puro terrorismo, portanto, crimes, e assim sendo são casos de polícia”, reforça. “É claro que lamentamos a perda de vidas humanas que nos são muito caras”, ressalva Hilário Esteves, na única frase relativa às vítimas mortais. “O MPLA, enquanto partido que suporta o Governo, naturalmente tem interesse na manutenção da estabilidade e no normal funcionamento das instituições democráticas, na preservação da paz e da segurança das famílias e das empresas, por isso repudia e repudiará sempre qualquer ação com origem interna ou externa tendente a pôr em causa estes valores”.

Nos bairros de Luanda há uma mistura de vontades. Mercedes Nunes, moradora no Camama divide-se entre “o querer gritar contra a fome”, e o desejo de paz e segurança. Ficou apavorada com as pilhagens, saques e vandalização de carros, por exemplo. Chorou ao lado da prima que viu o negócio de uma vida ser destruído. E por outro lado, não pode “embarcar em muitas aventuras revolucionárias”. A razão é simples: “Ganho ao dia, se não trabalhar, não tenho comida para pôr na mesa aos três filhos”. Um deles é engraxador, “gosta muito de refilar contra o Governo”, mas “se tudo pára, ele não tem sapatos para limpar, não recebe nada e com nada não compra pão”. Desde que Mubiala morreu, Mercedes está mais atenta aos movimentos do filho. “Tenho medo, muito medo. Mas ele não tem…”.

Essa é a principal razão que leva Sedrick de Carvalho a não prever um protesto de grandes dimensões tão cedo. “As pessoas vão demorar a voltar à rua. Estão com medo”.

“General Nila” baleado e Teca Panzo detido por denunciar “roubo de chinela”

As “pessoas estão atemorizadas com o que se passou mas a ideia também é essa, criar um ambiente de terror”, avisa o economista Filomeno Vieira Lopes, coordenador do Bloco Democrático (BD), que tem números diferentes dos do Governo sobre as vítimas mortais. “Ainda estamos a confirmar, mas para já são quase 40. Pediram às famílias para enterrarem imediatamente as pessoas que estavam nas morgues (conhecemos três ou quatro casos desses), sem funeral, para não lhes dar visibilidade”, revela.

Os “ativistas estão a ser procurados, alguns detidos, muitos deles estão desaparecidos, há mortes de jovens durante a noite [quando já não havia tumultos]”, denuncia o professor universitário.

Alguns “foram libertados e agora são novamente procurados pela polícia”, acusa o líder partidário que dá como exemplo o ativista Olívio Serrote, conhecido por “General Nila”. Já tinha sido detido a 15 de fevereiro quando negociava com a polícia no início de uma manifestação contra a fome e o desemprego e agora voltou a ficar sob a custódia policial.

"Há uma "verdadeira caça ao homem", com pessoas a serem presas por "delito de opinião, tudo o que se diz é delito de opinião" Filomeno Vieira Lopes, coordenador do Bloco Democrático

“Foi detido arbitrariamente no dia do arranque da paralisação dos táxis, baleado e espancado brutalmente pela polícia e está detido há uma semana, sem ter cometido qualquer crime”, divulgou o BD em comunicado. Segundo a Amnistia Internacional, o “General Nila” foi atingido na perna esquerda enquanto realizava uma transmissão ao vivo nas redes sociais no dia 28 de julho dos protestos contra o aumento dos combustíveis.

Esta semana o BD soube pela família que o ativista foi na quarta-feira passada transferido para a comarca de Viana “ferido, sem acesso a assistência médica, confinado numa cela super lotada, correndo o risco de amputação” sem que, até ao momento, “alguma autoridade se tenha pronunciado”. A Juventude Bloquista descreve-o como “mais um caso de perseguição política e abuso de poder em Angola”.

No Uíge, um membro do conselho provincial do Bloco Democrático foi a tribunal depois de denunciar o furto, por um polícia, de uma chinela a um vendedor. Lusakumuno Teca Panzo acabou em liberdade, mas teve de pagar uma multa de mais de 100 mil kwanzas (93 euros) e uma indemnização à polícia de 400 mil kwanzas (373 euros). O salário mínimo em Angola varia entre os 50 mil e os 70 mil kwanzas (46 e 65 euros sensivelmente). O partido sustenta que Lusakumuno já estava “sob o olhar atento da polícia” pois tinha sido um dos responsáveis pela manifestação na zona no dia 19 de julho.

Há mais relatos de pessoas detidas sem razão aparente. Luaty Beirão, membro do Movimento Cívico Mudei e um dos “révus” (de revolucionário) do “15+2” que se tornou internacionalmente conhecido em 2015 ao fazer uma greve de fome quando esteve preso, denunciou também, por exemplo, nas suas redes sociais a detenção do ativista Jesse Lourenço, em Malanje, quando estava a filmar os protestos.

Há uma “verdadeira caça ao homem”, com pessoas a serem presas por “delito de opinião, tudo o que se diz é delito de opinião”, critica Filomeno Vieira Lopes. Carlos Rosado de Carvalho é mais específico: “Há uma caça aos ativistas, apesar de a polícia também andar nos bairros à procura de pessoas que terão roubado nas pilhagens e saques e que consideram ser perigosas para a segurança”.

Mateus Rodrigues nega esta ação em declarações ao Observador: “Ninguém está a ser perseguido. Não há caça ao homem. Os indivíduos estão a ser detidos porque estão implicados nos atos de arruaça, vandalismo e pilhagem. E eles são levados para o órgão de justiça, são levados para o tribunal. Estão instruídos processos, inclusive estão a ser julgados e estão a ser condenados”.

O raciocínio do sub-comissário é linear: “Se há condenações é porque há factos. Então eles não estão a ser detidos por perseguição ou por qualquer outra situação. Estão a ser detidos por envolvimento provado nos atos que levaram à violência nos dias 28 e 29”.

O líder do Bloco vê aqui mais do que razões de segurança ou de tentativas de dissuasão: o Governo do MPLA quer “penalizar os ativistas, aplicar-lhes uma pena qualquer, para não serem ativos no processo eleitoral [de 2027] de maneira a que não se possam candidatar”, sublinha o político. Observador 

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