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Quarta, 06 Abril 2016 22:27

FMI em Angola: “Uma excelente notícia” para Portugal

Empresários com operações em Angola mostram-se muito satisfeitos com a notícia de que o FMI poderá, em breve, aterrar em Luanda. É uma "boa oportunidade para pôr esta economia a funcionar", dizem.

 “O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer que se tem um problema“. E foi exatamente isso que o governo de Luanda fez com o pedido de assistência ao Fundo Monetário Internacional (FMI), na opinião de um empresário com negócios em Angola e que é, também, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP). Bruno Bobone diz que a possibilidade de o FMI aterrar, em breve, em Luanda é uma “ótima notícia para Angola, para os angolanos e para as empresas portuguesas — e portugueses — que lá estão”.

Foi com otimismo, esperança — quase como um respirar de alívio –, que os empresários ouvidos pelo Observador receberam a notícia. O FMI vai trazer dólares, que há vários meses escasseiam em Angola, e, com isso, vai aliviar o sufoco sentido pela população local e pelos expatriados que vivem no país. Expatriados que, em muitos casos, já começaram a regressar aos países de origens, incluindo Portugal, porque a “salvação já não é ali“.

Não é o caso de Pedro Castro, presidente da Multilem, uma empresa especializada em design e produção de eventos, que há vários anos fez de Angola uma forte aposta e não pretende desistir. O empresário diz que “o ano de 2015 foi um ano recorde para a empresa”, apesar das dificuldades que já estavam a adivinhar-se (a derrocada do petróleo começou no final do último verão). “Em 2016 continuamos a trabalhar bem, mas temos tido maiores dificuldades ao nível dos pagamentos, na relação com fornecedores e clientes”, diz o empresário.

“Não podíamos continuar como estávamos“, resume o empresário, referindo-se à situação em Angola. Pedro Castro dizendo-se “bastante otimista” com a provável chegada do FMI a Luanda. O FMI não traz apenas dólares. Traz, também, uma análise aprofundada do potencial e das fraquezas da economia angolana. Haverá um plano estruturado — “tenho essa esperança”, diz Pedro Castro — que representa “uma oportunidade para pôr esta economia a funcionar“.

Eu acho que pode ser uma boa notícia, porque um dos grandes males com que a economia angolana tem convivido é a instabilidade e a insegurança em termos económicos. Pode ser uma oportunidade para pôr em ordem o funcionamento económico do país e irá garantir que não é colocado em risco um funcionamento normal das instituições”.

Mais rigor. Mais organização. Mais produção interna e menos importações — “nós em Angola temos de importar tudo, mesmo os produtos básicos”. Pedro Castro diz-se “absolutamente convencido de que o FMI não vai compactuar com certos problemas que existem na economia angolana”. E sublinha que fala apenas de economia, porque não gosta de ser meter na política. A Pedro Castro, da Multilem, apenas interessa que exista “estabilidade” e “desenvolvimento da economia” de um “país riquíssimo” como é Angola.

O FMI é uma garantia, acredita o empresário, de que não haverá uma “degradação ainda maior das condições económicas” — isto apesar de “todos sabermos que o FMI é conhecido por ter uma cartilha e aplicá-la, de forma que por vezes pode ser dolorosa“. “O objetivo é sempre, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento da economia”, ressalva.

“O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer que se tem um problema”

Esse primeiro passo está dado. Num comunicado do Governo, emitido esta quarta-feira, garante-se que o compromisso dos responsáveis é com a “diversificação” da economia. Apesar de a derrocada dos preços do petróleo ter terminado, segundo a maioria dos especialistas em mercados de matérias-primas, o Governo angolano dá o pontapé de saída para as negociações com o FMI reconhecendo que o setor do petróleo ainda representou mais de metade (52%) das receitas fiscais do Estado em 2015.

O Governo está, portanto, empenhado nos objetivos de diversificação estabelecidos no Plano de Desenvolvimento Nacional 2013-2017 e considera que preservar a estabilidade macroeconómica e prosseguir com um plano ambicioso de reformas estruturais são fatores essenciais para atingir esses objetivos”.

A economista-chefe do BPI, Paula Carvalho, afirmou em nota enviada à Lusa que “este financiamento adicional deverá permitir suavizar o processo de ajustamento da economia angolana, que tem ainda um grau de dependência elevado do setor petrolífero, o que significa possivelmente menor necessidade de ajustamentos cambiais mais significativos, menor ritmo de redução das reservas internacionais e mais tempo para adequar a procura interna ao novo contexto internacional”.

Técnicos do FMI estiveram no final do ano passado em missão em Luanda e já tinham avisado que seriam necessários “ajustes de política àquilo que parecem ser receitas de petróleo mais baixas, algo que deverá ser permanente”. O FMI sublinhava, num elogio, que já na altura se tinham tomado medidas para “mitigar o impacto do choque” do petróleo baixo. Mas era preciso mais — sobretudo porque a queda do petróleo no final de 2015 e início de 2016 viria a ser mais abrupta do que alguns poderiam acreditar.

No relatório final da missão do FMI, liam-se recomendações várias. Era preciso ganhar margem orçamental e “assegurar que parte das receitas do petróleo angolano sejam poupadas para as gerações futuras, ao abrigo de um esquema justo e transparente de governação que permita, ao longo do tempo, criar um saldo orçamental positivo”. Era necessário pagar dívidas a fornecedores ao mesmo tempo que se asseguravam contas públicas equilibradas — sem interromper os investimentos públicos essenciais e sem esquecer os mecanismos de proteção aos elementos mais vulneráveis da sociedade. Na receita do FMI estava, também, a sugestão de que fosse introduzido um imposto IVA (sobre o valor acrescentado), que “dê ao Estado uma fonte mais estável de receita fiscal”.

Estas são as medidas que irão, provavelmente, nortear o desenho do programa de ajustamento em Angola. O que “é uma notícia muito boa, que pode contribuir para uma política de recuperação daquela economia”, diz ao Observador Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP). Para Bruno Bobone, que é, também, presidente da empresa de transporte de contentores e logística Pinto Basto, chamar o FMI “mostra que há bom senso e que há vontade de resolver os problemas”.

 “O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer-se que se tem um problema”, diz o responsável. “E a chegada do FMI a Angola só pode melhorar a situação do país, já que este irá estruturar a sua intervenção colocando ênfase sobre a reforma da economia, algo que será bom para os angolanos e para os portugueses”, acrescenta.

É certo que o ajustamento não virá sem sofrimento, poderá haver maior desvalorização da moeda, despedimentos na função pública. Os próximos meses poderão ser mais difíceis, mas daqui a um ou dois anos acredito que esta economia já terá sido posta a mexer”.

Um empresário com conhecimento íntimo da economia angolana, Bruno Bobone diz que “o FMI tomar conta dos acontecimentos em Angola é uma enorme mais-valia para Portugal”. “Neste momento a situação já é de controlo absoluto [dos movimentos de capitais], com muitas dificuldades na repatriação de dividendos, na transferência de salários”, diz o empresário, num retrato da encruzilhada em que o governo angolano se vê há vários meses.

Angola viveu em guerra tantos anos, até 2002, e não é em 14 anos que se constrói uma economia equilibrada. Acumularam-se problemas, é certo, mas isso é algo natural. Com o petróleo em queda, agora é o momento certo para fazer as mudanças que é necessário fazer”.

Bruno Bobone diz-se “muito esperançoso” de que a intervenção do FMI poderá ser um momento decisivo para dar a volta às dificuldades e lançar as bases para um futuro melhor — para Angola e para quem lá faz negócios. Isto, contudo, não esquecendo que “Angola é um mercado de parceria, não é um mercado onde se vai buscar receita. É um mercado de parceria que pode ser muito importante para Portugal, por isso é que não é favorável que — por ignorância, por interesses ou por qualquer outra razão — andemos de candeias às avessas relativamente a Luanda”.Wwwwwww

© Observador

 

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