Segunda, 08 de Dezembro de 2025
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Segunda, 08 Dezembro 2025 19:47

A urgência de regulamentar os conteúdos digitais em Angola

A recente decisão do Governo Chinês de permitir que apenas os influenciadores com formação académica comprovada abordem temas de natureza profissional reacende um debate necessário e urgente, especialmente para países como o nosso, onde o espaço digital cresce mais rápido do que a capacidade de monitorização e literacia digital dos utilizadores.

Embora se trate de uma medida controversa, ela levanta uma questão fundamental que ao nosso ver faz todo sentido: quem deve ter legitimidade para orientar, aconselhar ou informar o público sobre assuntos sensíveis e tecnicamente complexos? A resposta para essa questão deve ser o vetor orientador de determinadas políticas públicas com destino a gestão da actividade digital sobre tudo para os fazedores de opinião como os nossos influenciadores digitais.

Como é visivelmente sabido, na nossa realidade angolana, as redes sociais assumiram hoje um papel central enquanto ambiente para debates sobre questões ligadas a saúde, a política, a justiça, a educação, economia e até questões socioculturais delicadas. É exatamente aqui que se levante o grande o problema da legitimidade de quem pode discutir sobre esses assuntos no placo digital com propriedades, isto porque, muitos dos discursos que circulam a respeito dessas matérias, são produzidos por jovens influenciadores sem qualquer base técnica, sem cuidado científica ou profissional, sem levar em conta o respeito a diversidade cultural local ou regional, para abordar temas tão profundos. O impacto disso é concreto: gera revoltas infundadas, amplifica intolerâncias e cria perceções distorcidas sobre questões sociais que exigem rigor, responsabilidade e conhecimento especializado.

A falta de regulamentação faz com que qualquer individuo, desprovido de certos atributos académicos, sociológicos ou de maturidade, movida por vontade de obter likes ou pela necessidade de engajamento e fama, partilhe opiniões extremadas e, por vezes, perigosas. Discutir sobre esse aspecto, gera determinadas revoltas, portanto, para que fique claro, não se trata de limitar a liberdade de expressão ou de exposição de conteúdos ou ate mesmo do direito a informação, mas sim de proteger o público, sobretudo aquelas camadas que merecem a nossa especial atenção “as crianças e adolescentes”, que consomem estes conteúdos como se fossem verdades absolutas, sem preparação e sem controle, pois, com ampliação da internet, o controlo sobre o que os filhos fazem, assistem ou consomem, fica fora da alçada dos pais, e isto gera desafios constantes. Isto porque, que muitos destes jovens e crianças passam tendenciosamente a reproduzir comportamentos, discursos e atitudes que não se alinham com as normas sociais, éticas e culturais, criando um ciclo de desinformação e comportamentos anómalos.

Desta feita, percebemos nós que o exemplo da China, ainda que aplicado num contexto político distinto, deve servir de alerta e incentivo para o nosso governo em matérias de gestão e regulamentação do espaço digital. O espaço digital precisa de regras. Em Angola, já percebemos que a influência digital é tão poderosa quanto a comunicação tradicional, mas sem o mesmo grau de responsabilização. Um influenciador pode causar mais impacto em poucas horas do que um jornalista em vários dias e sem responder a qualquer código de ética.

Por isso, urge pensar numa política pública de regulação dos conteúdos digitais, não para censurar, mas para estabelecer padrões mínimos de responsabilidade. Dentro daquilo que é a experiência chinesa, podemos extrair algumas possíveis medidas, e adapta-las ao nosso contexto:

1 - Criação de categorias de conteúdos (profissionais, de entretenimento, educativos, opinativos) para definir quem pode abordar cada área.

2 - Formação obrigatória em literacia digital e ética comunicacional para influenciadores com determinado volume de audiência, pois, estes são os que mais geram preocupação, porque influenciam tendências, influenciam hábitos e comportamentos e ate mesmo mobilização das grandes massas.

3 - Parcerias com psicólogos, sociólogos e educadores para monitorar conteúdos que impactam directamente crianças e adolescentes.

4 - Mecanismos de responsabilização em casos de divulgação de informações falsas ou aconselhamento que prejudique terceiros ou mancha alguma dimensão cultural local ou regional.

Para sublinhar, o objectivo não é limitar a criatividade ou reduzir o dinamismo das redes sociais, mas sim garantir que o espaço digital seja um ambiente seguro, saudável e pedagogicamente coerente para que tudo e todos possam consumir com segurança. Hoje, é preciso admitirmos que os influenciadores são formadores de opinião em escala abismal face aos jornalistas, aliás, a título de exemplo, muitas informações transmitidas nos jornais televisivo no período da noite, são muitas vezes retiradas do que os influenciadores já difundiram pela manha ou pela tarde. Portanto, isto é preocupante, e ao meu ver, qualquer formador de opinião deve ter no mínimo responsabilidade, conhecimento e ética.

A China levou o debate ao extremo com seriedade e ofereceu uma provocação global: precisamos repensar a influência digital antes que ela se torne incontrolável. Em Angola, essa discussão não deve ser adiada. A proteção das nossas crianças, a qualidade da informação e a estabilidade social dependem disso.

Juvenal Quicassa, Pesquisador e Especialista em Relações Internacionais

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