Quarta, 12 de Novembro de 2025
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Quarta, 12 Novembro 2025 16:22

Angolanos fartos de promessas não cumpridas 50 anos após a independência

Ontem, 11 de novembro, Angola celebrou o 50º aniversário de sua independência. Em julho, os angolanos protestaram ao longo de várias semanas, registando-se dezenas de mortos e centenas feridos e de presos.

Desencadeados por um aumento nos preços dos combustíveis, resultado de uma tentativa do governo para reduzir os subsídios, os distúrbios espalharam-se rapidamente por todo o país.

“A escalada, juntamente com a reação intransigente do governo, é sintomática de duas coisas: as péssimas condições económicas do país e o crescente descontentamento com as expectativas frustradas de mudança na Angola do presidente João Lourenço”, diagnostica Daniel Tjarks, investigador de Geografia Humana da Universidade de Sarre, Alemanha.

Após 38 anos de governo de José Eduardo dos Santos, a posse de Lourenço em 2017 levou “muitos angolanos voltassem a sonhar“. Os sonhos, porém, “foram destruídos”. “Uma promessa quebrada repentinamente passou quase despercebida recentemente quando, duas semanas após os protestos, o parlamento angolano encerrou silenciosamente o ano legislativo”. Embora os deputados angolanos tenham começado a preparar o terreno para as eleições nacionais de 2027, através de ajustes nos estatutos eleitorais, nada foi mencionado na agenda sobre as eleições locais há muito prometidas no país”.

Ao longo dos últimos 15 anos, os angolanos habituaram-se a atrasos e adiamentos daquilo que outrora fora considerado um alicerce para um país mais democrático. Em 2010, o MPLA, partido no poder, reafirmou o compromisso com a eleição dos governos locais – as autarquias – na Constituição do país. A promessa de descentralização cativou inicialmente a imaginação da sociedade civil e das organizações internacionais. Mas, após atrasos e justificações tímidas, chegou nova desilusão. As razões dadas oscilam entre infraestruturas insuficientes, questões legislativas não resolvidas ou a pandemia de Covid-19.

“Sou cientista social interdisciplinar e, para o meu doutoramento, estudei as cidades de Angola e o sistema altamente centralizado de governança local do país”, situa Daniel Tjarks, doutorado no Instituto de Ciência Sociais de Lisboa. A investigação de Tjarks levou-o a concluir que o governo de Angola “não tem interesse real em estabelecer as autarquias – pelo menos, já não”.

O que tem impedido a estratégia de descentralização do poder governante é uma “transformação surpreendentemente rápida da geografia política tradicional angolana”. A transformação demográfica e de filiação partidária “tem afastado cada vez mais” o MPLA – no Governo – do eleitorado urbano que antes considerava o seu principal grupo de apoio, o que ajuda a explicar por que “fracassaram as esperanças de mudanças sistémicas na Angola do pós-guerra”.

A inversão da geografia política angolana

Em 2002, Angola emergiu de décadas de guerra civil como Estado autocrático de partido único. Nos anos seguintes, o governo do MPLA, sob liderança de José Eduardo dos Santos, “introduziu reformas cautelosas”, que incluíram “as primeiras eleições multipartidárias em tempos de paz, em 2008, e o alívio da repressão”. Com a Constituição de 2010, o governo “reafirmou o seu compromisso com a descentralização”.

Após uma vitória esmagadora em 2008, o MPLA estava “no auge do seu poder”. Tinha garantido mais de 80% dos votos nacionais, a grande maioria em todas as províncias. Nessa altura, a Unita, antigo adversário na guerra, estava fraca e desacreditada. Com abundantes receitas petrolíferas e linhas de crédito chinesas, o governo de Angola “podia sentir-se bastante confiante na sua manutenção do poder”.

O partido optou também pela ideia de “gradualismo” – que significava “restringir as eleições locais aos tradicionais redutos urbanos do partido, onde se sentia mais seguro em termos de apoio eleitoral”. A ascensão da Unita como partido da oposição, contudo, “alterou rapidamente os cálculos de poder do governo”.

“Enraizada nas comunidades Ovimbundu das terras altas angolanas, a Unita foi, durante os anos de guerra, frequentemente descrita e apresentada como a contraparte rural do supostamente mais moderno e urbano MPLA. Mas logo depois do fim da guerra, em 2002, o partido tornou-se um concorrente sério e conseguiu expandir a base de apoio”, descreve Daniel Tjarks.

Surgiu igualmente como alternativa viável para um eleitorado urbano jovem e politicamente alienado nas cidades de Angola. Para eles, a Unita “oferece uma potencial ruptura com um sistema político no qual perderam a fé“. Os resultados eleitorais são “a prova inequívoca”. Em todas as eleições nacionais desde 2008, o MPLA perdeu cerca de 10% dos votos. Esta dinâmica foi mais acentuada na capital, Luanda, que a Unita conquistou oficialmente pela primeira vez em 2022. Esta mudança de poder em Luanda “atinge o próprio alicerce do sistema do MPLA”.

O imperativo de controlar Luanda

Angola é dominada pela sua capital – “sistema que analisei noutro trabalho como viés metropolitano“, acrescenta Tjarks. “Cerca de 40% dos habitantes das cidades angolanas vivem na capital, que gera e absorve a grande maioria dos recursos económicos e financeiros do país.” Estas riquezas “sustentam o que outros investigadores descreveram como um tipo de “assentamento político” urbano. Ou seja, “as estruturas de clientelismo e a corrupção características da Angola do pós-guerra dependem fundamentalmente do capital financeiro atraído pelos setores imobiliário e da construção civil de Luanda, impulsionados pelo petróleo”.

Ao longo dos anos, a dinâmica cleptocrática do sistema controlado pelas elites angolanas foi exposta através de diversas investigações sobre a economia política angolana e pelo jornalismo de investigação que produziu os Luanda Leaks. O conjunto de investigações mostrou como o entrelaçamento do partido-estado com a petroeconomia “facilitou o enriquecimento descarado da classe dominante angolana”.

Em contraste, quase metade dos angolanos vive com menos de 3,15 euros por dia. Por sua vez, os mais próximos ao círculo íntimo do poder distribuíram em grande parte a riqueza petrolífera do país entre si.

Das promessas à manipulação dos angolanos

Perante as suas próprias promessas de descentralização e do surgimento de um eleitorado decididamente urbano da Unita, o MPLA enfrenta um dilema. Nos últimos 15 anos, a solução tem sido optar por um adiamento permanente. Grupos de oposição e da sociedade civil, como o Jovens pelas autarquias (Juventude pelo Governo Local), denunciam há muito o ocorrido.

O capítulo mais recente da saga da descentralização angolana surgiu já neste ano, com uma nova estrutura administrativa. “O número de unidades de governo local mais do que duplicou e a capital foi dividida em 16 unidades”. A reforma “permitirá que o MPLA atribua os atrasos às infraestruturas insuficientes num futuro próximo”. E garantirá ainda que, “caso as autarquias sejam eventualmente estabelecidas, os governos locais permaneçam relativamente fracos”.

Trata-se de “uma estratégia antidemocrática bem conhecida de manipulação da descentralização – testada e comprovada em países como Etiópia, Malawi e Uganda”. “Não há dúvidas de que o entusiasmo inicial que saudou a posse de Lourenço em 2017 diminuiu e que a perspetiva atual para a democracia local em Angola não parece muito mais promissora do que sob o governo do seu antecessor”, considera o especialista em Geografia Humana e Ciências Sociais.

Portanto, “é razoável duvidar de que os angolanos vejam eleições locais a decorrerem tão cedo”. A questão mais importante que se avizinha é “como o MPLA responderá ao crescente número de queixas que recentemente eclodiram nas ruas de Luanda”. E em que medida permitirá que estes sentimentos populares “encontrem expressão livre e justa nas eleições nacionais de 2027”.

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