Sexta, 17 de Outubro de 2025
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Sexta, 17 Outubro 2025 21:00

Por que a Suíça não devolve o dinheiro de Angola?

A Suíça recusa devolver 900 milhões de dólares a Angola, apesar de decisão judicial. Em entrevista à DW, o jurista Rui Verde explica o impasse e por que a pressão política pode ser a única saída.

O Presidente João Lourenço voltou a pressionar a Suíça a devolver os cerca de 900 milhões de dólares bloqueados em contas ligadas ao empresário Carlos de São Vicente, condenado em Angola por peculato e branqueamento de capitais. Lourenço apelou ao cumprimento das decisões judiciais angolanas e criticou a "falta de colaboração" de países que continuam a reter valores que, segundo o Governo, pertencem ao Estado.

No discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente afirmou que a ausência de mecanismos internacionais eficazes tem travado a recuperação de ativos no estrangeiro, apesar dos avanços internos no combate à corrupção. Lourenço garantiu que Angola já recuperou mais de 7 mil milhões de dólares, mas insistiu que "as sentenças dos tribunais são de cumprimento obrigatório em qualquer Estado de Direito".

Em entrevista à DW, o jurista Rui Verde analisa as razões jurídicas por trás da resistência suíça e explica por que as decisões de tribunais angolanos não produzem efeito automático fora do país. Segundo ele, a Suíça exige provar de forma independente a origem ilícita dos fundos, o que prolonga o impasse e deixa Angola dependente da via política e diplomática para tentar recuperar o dinheiro.

DW África: A Suíça mantém congelados cerca de 900 milhões de dólares ligados a Carlos de São Vicente, apesar de existir uma decisão judicial angolana que determina a reversão desses ativos para o Estado. O que impede, na prática, a Suíça de devolver esse dinheiro a Angola? É uma questão jurídica, política ou de confiança nas instituições angolanas?

Rui Verde (RV): A decisão suíça pretende ser uma decisão estritamente judicial. O Tribunal Penal Federal da Suíça afirma que a decisão da Justiça angolana não é suficiente para justificar a restituição dos fundos, porque a Suíça deve ela mesma estabelecer a origem criminal desses fundos. Portanto, têm de ser as autoridades suíças a prosseguir o seu próprio inquérito, sem um calendário claro para uma eventual restituição. Esta é a posição formal do tribunal suíço.

DW África: Angola argumenta que as suas sentenças devem ser cumpridas "em qualquer Estado de Direito que se preze". Que valor jurídico têm essas decisões fora do país? Podem ser automaticamente reconhecidas na Suíça ou é preciso um novo processo lá para validar a devolução?

RV: Nesta fase, os mecanismos multilaterais e os tratados não terão qualquer efeito, porque há uma decisão judicial suíça. A única coisa que pode ter efeito é a pressão política e diplomática angolana para inverter esta situação. Deve-se sublinhar, por exemplo, no caso inglês, o facto de as autoridades inglesas devolverem automaticamente o dinheiro a Angola, sem qualquer problema - foi o famoso caso dos 500 milhões de dólares de José Filomeno dos Santos. Deve-se, por outro lado, lembrar que Angola, quando foi o julgamento por corrupção de Manuel Vicente em Portugal, exerceu uma forte pressão diplomática e política muito pública contra Portugal que levou as autoridades portuguesas a separarem os processos e a enviarem o processo de Manuel Vicente para Luanda.

DW África: Dado o impasse atual, que vias Angola poderia seguir para conseguir o repatriamento desses fundos? Há mecanismos multilaterais — como tratados de cooperação judicial, acordos bilaterais ou ações civis nos tribunais suíços — que poderiam destravar a devolução?

RV: Não vejo que haja para Angola outra solução que não seja recorrer à pressão política e diplomática, tal como a mecanismos para além do direito internacional que, como se sabe, é um direito imperfeito, pois não tem uma sanção se os países não quiserem e, portanto, não resolve nada. Sendo assim, ou temos o impasse até as autoridades suíças decidirem alguma coisa, ou João Lourenço tem de utilizar outras formulações, mas de ordem política e de forte pressão, se quiser recuperar o dinheiro.

Vê-se que a Suíça não reconhece automaticamente as decisões angolanas e, no fundo, afirma que é necessário um novo processo suíço liderado pelas organizações suíças para chegar a uma conclusão. A questão é que este processo em Angola já começou há vários anos. Carlos São Vicente já está no quarto ou quinto ano de prisão e os suíços ainda não têm uma decisão. E aqui há alguma estranheza, como é evidente, presumindo-se que se há país eficiente e com uma investigação criminal eficiente é a Suíça.

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