Segundo Luzia Moniz, a atual emigração de jovens angolanos, com esperança frustrada pelas eleições gerais de 2022, é diferente daquela registada na segunda metade dos anos 80, onde estes, a maioria menos qualificada, emigrava para escapar do recrutamento para a guerra.
“Por isso mesmo, eram os quadros menos qualificados e daí eles terem quase todos, ou grande parte, ido parar a trabalhos, como obras públicas e privadas, exatamente por essa sua falta de qualificação”, disse à Lusa.
Hoje o fenómeno “é diferente, as pessoas não estão a fugir de uma eventualidade de ir para o campo de batalha, mas estão a fugir da falta de condições sociais, económicas e políticas no país”, apontou.
“A desgovernação, esse modelo errado que o país adotou em termos político e económico, é que leva muita juventude agora a fugir”, salientou.
Luzia Moniz, radicada há anos em Portugal, disse estar “muito preocupada” com o novo fenómeno migratório que se verifica em Angola, referiu que a atual “fuga” de jovens, sobretudo para Portugal, Canadá e Brasil, é resultado das “esperanças frustradas” pelos resultados das eleições de 2022.
“Essa juventude tinha a esperança que pudesse resolver ou atenuar seus problemas, criando esperança com as eleições, porque essa juventude acreditava que as eleições que decorreram em 2022 seria o momento da viragem”, disse.
De acordo com a também jornalista, os jovens angolanos acreditavam que as eleições gerais de 28 de agosto de 2022, onde o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) foi declarado vencedor, seriam o começo de uma nova era para o país.
“(Acreditaram que) seria o momento em que substituiriam a liderança do país e com isso iniciar-se-ia um novo caminho, e sempre que há uma mudança há o efeito psicológico das pessoas que criam uma esperança, e isso não aconteceu nas eleições de agosto de 2022”, observou.
Criticou a atual taxa de desemprego jovem em Angola, que diz rondar os 60% e ser “das mais altas do mundo”, salientando que jovens com formação e com família já constituída “não conseguem encontrar soluções” para se sustentarem no seu país.
Porque “estamos a falar de jovens maduros, formados, que já têm família constituída com filhos em idade escolar, e não conseguem encontrar as soluções para a sua própria vida e das famílias e nem por futuro dos seus jovens”, indicou.
“Angola não oferece isso hoje e pelo andar da carruagem, pela natureza do regime político, e não se vislumbra desde já uma alteração, a não ser que aconteça um epifenómeno que desemboque numa revolução ou numa coisa do género, essa juventude tenta procurar, cada um por isso em termos familiar, a solução para os seus problemas”, realçou.
A fuga de jovens para a Europa “coincide” com o “inverno demográfico” que se vive na Europa, nomeadamente em Portugal, Alemanha, França e outros países, onde há cada vez mais gente da terceira idade do que jovens.
“E isso impede, naturalmente, o rejuvenescimento da população e os países não se constroem, não se desenvolvem com gente mais velha, ma sim com a juventude, que é o motor da construção do desenvolvimento de qualquer país”, argumentou.
No entender da socióloga, Angola deve enfrentar durante “muitos e muitos anos” as consequências do êxodo atual de jovens para Portugal e para outras paragens, porque o país e o continente africano “ainda vivem as consequências do tenebroso tráfico de escravos”.
“Nós, África, nós Angola em particular, ainda estamos a viver essas consequências, nós viveremos por muito tempo as consequências dessa sangria em termos de quadros que está a acontecer em Angola”, apontou.
Com a saída de “jovens qualificados” para o exterior devem permanecer em Angola os “bajuladores, que se agarram ao poder político e ao partido (no poder) como a sua boia de salvação e de sobrevivência independentemente das suas qualificações”.
Luzia Moniz acredita mesmo que os que estão a abandonar Angola “são os construtores e uma mais-valia para o desenvolvimento do país”, pelo que, a longo ou médio prazo, referiu, “estamos a ficar com um país onde os cérebros não estarão”.
Sem os seus cérebros, acrescentou, esse país “é um país pronto para ser recolonizado, porque a recolonização é isso, quando se encontram vazios de pensamento, de reflexão, a recolonização ou a subjugação de um povo fica sempre mais facilitada”.
“E não faltam por este mundo fora potências e outros países disponíveis para recolonizar alguns países africanos”, assinalou.
A socióloga exortou igualmente as autoridades angolanas a prestarem atenção ao atual movimento migratório de jovens referindo que o país poderá “colocar em risco”, a médio e longo prazo, a “sobrevivência, independência e a sua soberania” como Estado.
“E esta é a minha maior preocupação, tenho pena que a liderança política, João Lourenço e o seu MPLA não se pronunciem, tenho pena que a comunicação social pública, capturada pelo Estado, não aborde com seriedade e com verdade um dos maiores dramas do pós-independência”, rematou Luzia Moniz.