A juíza já tinha sido visada numa carta de 10 de setembro, a que a Lusa teve acesso, assinada pelos presidentes do conselho de administração e do conselho executivo do Banco Económico (ex-Banco Espírito Santo de Angola) e dirigida ao presidente do CSMJ, Joel Leonardo, pedindo-lhe para avaliar a conduta da magistrada.
Num comunicado de imprensa, o CSMJ explica que Regina de Sousa ter-se-á dirigido em 02 de outubro ao Banco Económico (BE), “pessoalmente”, para exigir a execução de uma decisão por si proferida – que não é mencionada – alegando ter recebido orientações nesse sentido por parte dos presidentes do CSMJ e do Tribunal Supremo.
“Tal orientação nunca foi dada”, refere a nota, salientando que a comissão permanente do CSMJ e o seu presidente se demarcam da atuação da juíza contra a qual foi instaurado um processo disciplinar.
Em declarações à Lusa, Regina Sousa confirmou ter sido notificada, mas disse não poder comentar o processo.
A queixa que o BE endereçou ao presidente do CSMJ em setembro referia que todos os processos instaurados contra o banco têm sido entregues a Regina Sousa, do Tribunal Provincial de Luanda, e questionava a sua conduta.
“Tratando-se de mera coincidência, ou não, existem alguns traços na conduta da referida magistrada, que esta instituição reputa como parciais e prejudiciais aos seus interesses e aos interesses do Estado angolano, considerando que esta instituição é detida maioritariamente pela Sonangol EP, a maior empresa pública do país”, lê-se na carta.
O BE aponta a solicitação de penhora das contas de José Walter António Pontes, em 2018 – que o banco não terá conseguido executar por não existirem “valores suficientes” –, tendo o tribunal solicitado depois a transferência dos valores para a conta da sociedade Sukulider – Comercial, domiciliada no Banco de Fomento Angola, referindo a existência de um processo executivo.
Na carta, o banco salienta que nunca conseguiu ter acesso ao processo, cujo número não constava dos ofícios enviados pelo tribunal, apesar de várias diligencias junto da instituição.
Em 07 de agosto de 2019, o banco terá recebido um requerimento do escritório de advogados ATM, reclamando a execução da sentença, ao qual respondeu que José Pontes tinha “responsabilidades creditícias”, tendo autorizado o BE a “deduzir o valor em dívida das suas contas bancárias no caso de incumprimento do principal devedor”.
Informava ainda que o executado celebrou, em representação da sociedade de construção civil e obras públicas Centro Cerro Angola, um contrato de abertura de crédito sob a forma de conta empréstimo caucionada, no valor aproximado de 244 milhões de dólares (208 milhões de euros), “que foi reestruturado a 12 de maio de 2017”, tendo José Pontes assumido o pagamento da dívida.
Além deste contrato, José Pontes seria também avalista num outro contrato com a Imolap – Sociedade Imobiliária Lar do Patriota, no valor de 25 milhões de dólares (21 milhões de euros), existindo relativamente às suas contas suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, sendo norma, nestes casos, “a conta não ser movimentada”.
O BE refere que a juíza está envolvida num caso semelhante – elaboração de um ofício sem existir um processo – envolvendo o empresário Mello Xavier.
Em 23 de dezembro de 2019, o BE terá sido citado para uma providência cautelar requerida pelas sociedades Anjog, Ocean Private e InvestLeader, que contestou, tendo a audiência de prova sido marcada para 21 de abril de 2020.
A audiência terá sido interrompida logo no início por Regina Sousa, sob pretexto de que o presidente do Tribunal Supremo se iria deslocar até lá para tratar do processo e retomada dois dias depois.
Nesse dia, os mandatários das partes foram informados novamente de que o presidente do Tribunal Supremo iria tratar do processo.
“Durante todo o processo, a meritíssima juíza foi tendo uma atitude parcial, tendo indeferido um recurso dos nossos mandatários, pelo facto de ter decidido ouvir uma testemunha que a outra parte não tinha arrolado tempestivamente”, realça a carta do BE
A juíza terá também pedido uma inspeção judicial ao BE para a qual foram notificados peritos do Banco Nacional de Angola, um relatório que foi entregue em junho de 2020 ao tribunal, mas não consta do processo, segundo o banco.
Os advogados do BE recorreram da sentença, tendo então a juíza afirmado que os mandatários “falsificaram o processo quando o levaram à confiança”, o que o banco contesta garantindo que estes “nunca o tiveram na sua posse”.
Em 15 de agosto, segundo o BE, a juíza terá ligado para o escritório dos advogados para que estabelecessem “a ponte entre o escritório e o tribunal”, tendo-lhe sido respondido que “todas as comunicações com o tribunal teriam de ser por escrito”.
O BE queixa-se de a juíza ter considerado que o recurso interposto pelo banco ficou “deserto” (ou seja, foi abandonado), sem qualquer fundamento e pede ao CSMJ que “tome as providências necessárias para repor a legalidade no processo”.