A medida consta de um decreto executivo conjunto, de 17 de julho, assinado pelos ministros do Interior, do Comércio e dos Transportes, que proíbe o "exercício de venda de peças sobressalentes de veículos automóveis e motorizadas fora dos estabelecimentos autorizados".
"A sociedade angolana tem vindo a constatar com bastante preocupação furtos e roubos de veículos automóveis e motorizadas que, em muitos casos, são vendidos fora das localidades em que ocorrem tais factos e noutros casos desmantelados para o aproveitamento dos salvados que são vendidos nos mercados informais", lê-se no documento, a que a Lusa teve acesso.
Jantes e pneus, além dos sobresselentes, espelhos retrovisores, óticas e todo o tipo de peças em plástico são habitualmente roubadas de viaturas estacionadas na via pública, nomeadamente em Luanda. A Polícia Nacional tem também recuperado mensalmente dezenas de viaturas, roubadas para serem desmanteladas e vendidas em peças, nas ruas e mercados informais.
O decreto executivo conjunto considera que estas práticas "violam os direitos patrimoniais dos legítimos proprietários e põem em risco o bem sublime que é a vida" e admite que a necessidade de "tomar medidas destinadas a mitigar a ocorrência de furtos e roubos de veículos automóveis e motorizadas no território nacional".
Desde 17 de julho que a venda de peças sobresselentes em Angola é apenas possível em concessionárias automóveis, lojas de venda de acessórios ou oficinais de assistência técnica, mediante apresentação de documentação sobre a situação legal, a fonte de aquisição do material, condições de trabalho e documentos das viaturas.
Os infratores incorrem, além da penalização através de coimas, em responsabilidade penal, podendo responder em tribunal pela prática de crime.
Na praça dos Correios de Luanda a regra é não perguntar de onde vêm as peças
Um negócio ameaçado pela proibição decretada pelo Governo, de venda de peças automóveis na rua ou mercados informais, precisamente para travar a onda de furtos a viaturas.
"Se nos tiram daqui é só para morrer. Não tenho mais nada para fazer, isto é trabalhar para sobreviver", explicou à Lusa Alfredo Miguel, de 47 anos, que vende naquela praça molas e amortecedores para ligeiros.
As peças são usadas, garantindo que chegam de viaturas acidentadas. Ainda assim, sobre a proveniência concreta, diz que é uma pergunta que "não vale a pena fazer" e que quem ali compra também não faz.
"Cada coisa que aparece vem de um sítio, aparece com um objetivo. Nós só damos resposta que é na graça de Deus, na providência do Senhor, nosso criador", conta.
Há 20 anos a trabalhar na praça dos Correios, até admite que a proibição de venda informal decidida esta semana pelo Governo pode ajudar a travar a delinquência, só não sabe é o que vai fazer quando chegarem os fiscais.
"O Governo saberá como vai fazer com o seu povo. Se nos deixa a padecer e morrer", atira.
Nesta praça todos sabem ao que vão e sobre as peças usadas, a regra é não fazer muitas perguntas.
"Nós não temos a certeza", explica Venâncio José, em conversa com a Lusa, sobre a origem das peças. Diz que são de viaturas acidentadas, que compra a empresários nigerianos, e pouco mais.
O negócio é sem faturas ou garantias e pode "passar o dia sem vender nada". Ainda assim, admite, serve para "sustentar a família".
Aos 32 anos, e com 10 anos a vender todo o tipo de peças naquela praça, confessa receio com o futuro, face à proibição.
"Vai-nos prejudicar. Onde vamos? Somos chefes de família. Nós vamos trabalhar onde o Governo disser que há trabalho", observa.
Venâncio afirma compreender a preocupação, face à onda crescente de assaltos e roubos de viaturas, mas pede que qualquer medida seja acompanhada de apoios: "Se não quer que o filho trabalhe aqui, que mostrem onde pode o filho trabalhar".
Noutro ponto da praça, improvisada com dezenas de bancas e uma enorme chapa para proteger do sol escaldante, Fernando Elias, 37 anos, "especializou-se" na venda de peças de motor, como segmentos, capas ou juntas.
"Vendemos o que nos convém, o que mais os clientes pedem", explica.
Justifica que tudo o que vende é proveniente do Dubai: "Eu compro na mão daqueles que trazem a grosso".
Contudo, o negócio já conheceu dias melhores, apesar da crise de peças que o mercado angolano vai enfrentando, devido aos problemas financeiros e cambiais no país, que dificultam as importações.
"Não posso falar aqui que tenho tido muitos clientes porque estaria a mentir. Há dias que é proveitoso e há dias que não", confessa.
Garante que tudo o que vende é novo e que as perguntas dos clientes são poucas. "Há cliente que tem a curiosidade de fazer a pergunta e há clientes que vêm só para comprar e não fazem perguntas, sobre de onde vêm as peças", diz.
Sobre o futuro, afirma simplesmente aguardar uma explicação sobre a anunciada proibição de venda na rua ou mercados informais.
"Gostaria de saber porquê", atira Fernando.
Discos de embraiagem e prensas são a especialidade de Oliveira Cahombo, de 34 anos. Afirma que compra tudo no Dubai e que num "dia bom" é capaz de vender até 20.000 kwanzas (70 euros).
"Mas há dias em que não vendemos nada", assume.
A decisão de autorizar a venda de peças para automóveis e motociclos apenas em empresas e oficiais autorizadas tornou-se o centro das conversas na praça dos Correios, e também da preocupação de Oliveira.
"Essa proibição será um grande defeito para nós. É daqui que sai o nosso pão de cada dia", conta, angustiado.