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Quarta, 23 Março 2016 21:24

Deputada do MPLA diz que parlamento não pode fiscalizar serviços de saúde

Parlamentar da CASA-CE descreve situação de caos em hospitais de Luanda. Parlamentar da CASA-CE descreve situação de caos em hospitais de Luanda.

A deputada do MPLA Irene Neto (na foto) reconheceu que o Parlamento angolano não tem poderes para fiscalizar os serviços de saúde que conhecem um colapso no seu funcionamento.

A deputada do MPLA e presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Nacional   diz que  a presença da delegação parlamentar em nada alteraria o quadro assistencial dos doentes. Irene Neto afirmou que a visita foi apenas um gesto solidário e não com o mandato para fiscalizar a instituição e deixou claro que a lei impede que os deputados o possam  fazer.

O deputado Manuel Fernandes, da CASA-CE, disse que “foi bom” ter sido uma deputada do partido governamental a reconhecer as consequências do acórdão do Tribunal Constitucional, que retirou ao Parlamento o direito de fiscalizar a actividade do Executivo

Fernandes acrescentou que, apesar deste constrangimento legal é lamentável que os seus colegas não tivessem a sensibilidade para compartilhar o drama que se  vive naquela instituição. “Era importante visitar o local para perceber a situação que atravessam as crianças”, declarou Manuel Fernandes, que visitou recentemente o Hospital Américo Boavida, onde o atendimento dos cidadãos "é dramático". O parlamentar conta que crianças estão no chão, existe apenas uma enfermeira para cada 40 crianças e há mesmo dificuldade em esvaziar as morgues.

Deputada do MPLA Irene Neto, médica de profissão, protestou em carta enviada ao jornal OPAÍS contra o facto de, alegadamente, o matutino angolano ter referido  que os deputados, que visitaram recentemente o Hospital Pediátrico de Luanda,  se haviam recusado  a avaliar   o funcionamento do Banco de Urgências.

1. A manchete na primeira página “Deputados fogem das criancinhas”, a título de chamariz, desvirtua por completo o propósito da ida dos Deputados ao Hospital Pediátrico de Luanda.

2. O âmbito da visita foi reiteradas vezes sublinhado como sendo em gesto solidário e não em termos de fiscalização que, como é do conhecimento público, foi amplamente definido pelo Tribunal Constitucional no Acordão produzido sobre as competências da Assembleia Nacional e seus integrantes.

3. Assim, a 7ª Comissão da Assembleia Nacional foi levar alguns bens alimentares em gesto de solidário e a ocasião serviu para reunir com a direcção clínica e ouvir as dificuldades apresentadas assim como para transmitir o propósito que animou a visita parlamentar, num encontro aberto a que a comunicação social teve o privilégio de assistir.

4. A delegação parlamentar composta por cerca de 14 deputados, dos quais 4 são médicos e um é enfermeiro, foi acompanhada por um largo grupo de jornalistas.

5. A afirmação de que os “parlamentares recusaram-se a visitar a sala de urgências” é falsa e falaciosa. Em função do elevado número de participantes, foi decidido visitar- se uma das enfermarias e não o banco de urgência, pela própria direcção clínica com anuência da comissão parlamentar e fazer em seguida a doação de bens.Como é que a jornalista chegou a esta conclusão mesmo após os pronunciamentos da Presidente da 7ª Comissão?

6. E acrescenta a jornalista, para maior dramatismo, “onde dezenas de crianças lutavam entre a vida e a morte”. Em que é que a visita dos parlamentares iria alterar este quadro? E qual o nexo de causalidade ou outro entre a luta entre a vida e a morte e a visita dos deputados? Entendemos claramente a insinuação irresponsável e leviana mas não a consentimos.

7. Mais ainda, diz de forma redutora que “a sua visita limitou-se a uma reunião formal com o corpo clínico…”. O papel do deputado não é o de substituir o corpo clínico pelo que a visita teria de limitar-se à sua finalidade: fazer doação dos bens para minimizar as dificuldades existentes.

8. Para melhor entendimento por leigos na matéria, ao formarem-se como médicos, os mesmos cumprem um juramento, o Juramento de Hipócrates que obriga ao Princípio da não-maleficiência, isto é, a obrigação de não infligir dano intencional. Este princípio deriva da máxima da ética médica “Primum non nocere”.

9. E é precisamente no âmbito da ética que devemos considerar a qualidade das visitas ao banco de urgências.

10. No pico das endemias como malárias nas épocas de chuva e com o surgimento de outras epidemias, agravadas pela crise financeira e de saneamento básico, os serviços de urgência das unidades sanitárias, desde sempre a área mais sensível dos cuidados de saúde, quase que entram progressivamente em colapso.

11. Cientes da especial sensibilidade derivada de uma combinação de factores tais como o número elevado de doentes vindos dos serviços de saúde dos municípios para o centro, que excede a capacidade física do hospital e do pessoal de serviço nas equipas de urgência, o que leva a uma diminuição da qualidade de cuidados prestados quer pela falta de privacidade e de confidencialidade, de espaço, pelo barulho, pelas interrupções, pela falta de material hospitalar, cientes de que todas estas condições adversas comprometem a relação médico-doente, colocando muita pressão nos médicos;

12. Sendo o tempo um factor decisivo no tratamento dispensado nos serviços de urgência;

13. Como profissionais de saúde e tendo todos estes factores em consideração, para não causar distúrbios, a 7ª Comissão resolveu não criar distracções nem atrasos na administração de cuidados urgentes nem tão pouco provocar actos de agressão e violência por parte dos doentes aos membros das equipas de saúde que muitas vezes acontecem nessas circunstâncias.

14. Com grave ponderação, tomamos essa decisão, pelo que não aceitamos de forma alguma a desvalorização do gesto de solidariedade realizado pelos deputados da Assembleia Nacional. Ou o nosso gesto de preocupação e boa vontade aborreceu os jornalistas do diário O PAÍS? Esperamos ter clarificado as razões do nosso procedimento que tanto espanto causou a jornalista e relembramos que a 7ª Comissão da Assembleia Nacional tem visitado bancos de urgências em circunstâncias diferentes sem, em primeiro lugar, causar dano. A mesma ética deveria ser transversal aos códigos deontológicos de outros profissionais.

© OPAÍS

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