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Quinta, 11 Agosto 2022 15:34

Eleições 2022: Juristas angolanos divididos sobre apelos do presidente da CNE

O apelo do presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) angolana às autoridades para que impeçam a concentram dos eleitores no exterior das assembleias de voto provocou reações antagónicas em alguns juristas angolanos contactados pela Lusa.

O presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva, apelou esta terça-feira aos magistrados e à polícia de Angola no sentido impedirem a eventual concentração de cidadãos junto às assembleias de voto depois de terem votado, fazendo “cumprir a lei”.

Três magistrados contatados pela Lusa consideraram consensual que a CNE “não manda” no Ministério Público, e que “cada órgão de Estado conhece o seu papel”. Já a adequação do apelo de Pereira da Silva foi considerada “desnecessária” por uns e “pedagógica” e “legítima” por outros.

A CNE considera uma violação da lei o apelo da sociedade civil – nomeadamente do movimento “Votou, Sentou” - e da oposição, que têm incentivado os eleitores a permanecerem nas assembleias de voto após a votação no dia 24 de Agosto.

“A lei orgânica eleitoral tem uma norma que estipula que as forças da ordem têm a responsabilidade de impedir que pessoas embriagadas ou que possam perturbar as assembleias de voto devem ser mantidas a uma distância de até 500 metros”, reconheceu Benja Satula.

“O problema, creio, é o da interpretação da norma. Há toda uma razão para que as forças da ordem impeçam a perturbação das eleições por pessoas embriagadas ou mesmo por pessoas que, não estando embriagadas, queiram perturbar a votação. O que já não está previsto - e por isso esta posição do presidente da CNE me parece desnecessária - é que pessoas que queiram observar o que esteja a acontecer na assembleia de forma ordeira sejam impedidas de o fazer”, acrescentou o causídico.

Em total contramão com esta posição, Sebastião Vinte Cinco considera que a questão “tem a ver com a segurança de quem está a votar e pensa vir votar” e que “qualquer situação de distúrbio que possa fazer perigar o exercício do direito de voto” deve ser “acautelada”.

“As pessoas podem sentir-se inibidas de exercer o direito de voto, justamente por receio de ser envolvidas num distúrbio, num ato de perturbação da ordem pública que possa ter consequências para a sua integridade física”, acrescentou o advogado.

“É necessário acautelar que este movimento [Votou, Sentou] não venha a inibir os cidadãos de sair de casa para exercer o direito de voto” defendeu.

Sebastião Vinte Cinco chamou ainda a atenção para outra norma da lei eleitoral, que estabelece que qualquer ato de perturbação capaz de suspender ou impedir o início do processo de votação por um limite de cinco horas é motivo justificativo para a anulação das eleições e consequente repetição no prazo máximo de oito dias depois.

“Imagine-se um cenário em que este movimento [Votou, Sentou] se descontrole, o que é até normal atendendo a que são muitas pessoas. No pior cenário, todo o processo eleitoral pode vir a ser posto em causa”, afirmou.

A questão que se coloca – segundo um constitucionalista angolano, que falou sob condição de anonimato – “é a do aglomerado de pessoas em torno das mesas de voto, que pode eventualmente causar mal-estar ou perturbação do voto, o que é ilegal”.

O mesmo especialista jurídico chamou a atenção para a circunstância de “muitas mesas de voto” virem a funcionar “ao ar-livre, em lugares muito precários”, pelo que “aglomerar de pessoas à volta da mesa de voto pode constranger o exercício do direito de voto”.

“Sempre que há eleições, a CNE leva por diante alguns atos formativos com vários órgãos, com a polícia, com o Ministério Público, com os jornalistas, com uma série de entidades para explicar, até porque, infelizmente, a cada pleito eleitoral temos uma lei nova. Este ato foi, por isso, sobretudo uma ação pedagógica, de dar a conhecer a lei”, explicou ainda.

“Foi assim que percebi a ação da CNE. Agora, a CNE não manda no MP. A decisão de mover qualquer ação contra pessoas que perturbem o exercício do direito de voto é e será sempre do MP”, sublinhou.

Na “interpretação da lei eleitoral” de Satula, o apelo do movimento Votou-Sentou não impede que pessoas que não estejam embriagadas e que não estejam a perturbar possam estar junto das assembleias de voto, “a uma distância considerável, inclusivamente a menos de 500 metros, desde que se salvaguarde uma área de trabalho, mas que possam observar o que esteja a acontecer na assembleia”.

“Não vejo que isso possa ser alvo de impedimento ou qualquer procedimento sancionatório por parte das autoridades. Acho que não é este o espírito da lei”, acrescentou o advogado, considerando que o tipo de ações de prevenção por parte dos grupos de cidadãos como o Votou, Sentou “pode ter muito eficaz para garantir a transparência das eleições nos grandes centros urbanos como Luanda, Benguela, Huambo ou na Huíla”.

“Já nas zonas de acesso mais difícil estes movimentos terão pouca eficácia”, disse.

Já Sebastião Vinte Cinco antecipa mais problemas do que benefícios em ações com a proposta pelo Votou, Sentou. “Há uma história recente, em 2021, na Zâmbia, em que um movimento semelhante ao que está a verificar-se aqui foi bem-sucedido porque o seu candidato foi eleito. Mas, no nosso caso, haverá delegados de todas as listas” em todas as 12.512 assembleias de voto, afirmou.

O causídico sustentou que os delegados “vão ter acesso a toda a informação dos votos e podem, com base nas atas a que vão ter acesso, ter elementos para conferir o resultado final das eleições”.

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