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Terça, 07 Janeiro 2020 22:21

Ana Gomes pede mais empenho de Portugal contra "cleptocracia angolana"

Depois do arresto dos bens de Isabel dos Santos, ex-eurodeputada defende quadro de cooperação entre Lisboa e Luanda para recuperar ativos transferidos ilicitamente para Portugal, onde diz haver "muita gente cúmplice".

Portugal tem de se empenhar mais para ajudar Angola a recuperar ativos e participações sociais que agentes da "cleptocracia angolana", como Isabel dos Santos, têm no país e não permitir que "advogados instrumentalizados" interponham ações para inviabilizar a operação. A ideia é defendida pela ex-eurodeputada portuguesa Ana Gomes, em entrevista exclusiva à DW África.

Ana Gomes é a favor de uma "cooperação política" por iniciativa do atual Governo português, assumida também pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Em reação, o chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, foi lacónico ao afirmar que Portugal coopera com Angola em todos os domínios, incluindo a área da justiça. O seu homólogo angolano, Manuel Augusto, agradece o apoio português e reafirma o empenho do Governo de João Lourenço no combate à corrupção.

Não basta vigiar, é preciso agir

Em entrevista à DW, Ana Gomes defende que "é preferível" que a titularidade das participações que a empresária Isabel dos Santos tem em empresas como a Galp, a NOS e a EFACEC, esteja sob a gestão do Estado angolano, do que continuar sob a tutela de agentes da "cleptocracia angolana" tóxicos para a reputação e credibilidade das empresas portuguesas.

Para a ex-eurodeputada, esta "é também a solução que mais protege as próprias empresas sedeadas em Portugal, que são hoje participadas pela senhora engenheira Isabel dos Santos e outros agentes da cleptocracia angolana".

Tribunal Provincial de Luanda ordenou o arresto preventivo das contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo

Ana Gomes fez esta afirmação quando questionada também sobre uma eventual ação judicial de arresto dos bens de Isabel dos Santos em Portugal, depois da recente decisão da Justiça angolana. A ex-eurodeputada diz que não basta o Banco de Portugal e a Bolsa de Valores de Lisboa estarem atentos. "É preciso que atuem", recomenda.

"Em 2015, o Banco de Portugal efetuou uma inspeção ao Banco BIC, detido em boa parte pela senhora Isabel dos Santos, por causa de envolvimento num esquema de branqueamento de capitais com circuito de traficantes de droga, nos casos Transfers e Many One, que utilizavam esse banco", lembra. "O Banco de Portugal classificou nessa altura o Banco EuroBIC como de alto risco intrínseco, mas não atuou. Limitou-se a contratar a Ernest Young para fazer uma auditoria e não teve consequências nenhumas".

Por isso, defende, "o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não precisam apenas de estar atentos. Precisam de agir, atuar, de acordo com os seus poderes de supervisão. E precisam de, naturalmente, recorrer à Justiça quando seja caso dela".

No geral, Portugal tem de fazer mais, diz Ana Gomes: "Não basta a Portugal cooperar. Eu penso que Portugal tem que pôr a mão na consciência, tem que ver que efetivamente houve muita gente aqui em Portugal cúmplice, conivente por ação e por omissão com a cleptocracia angolana".

Falta de vontade contra a "lavandaria"

De acordo com Ana Gomes, "o EuroBIC continua a ser uma lavandaria, designadamente para Isabel dos Santos, membros da sua família e outros agentes da cleptocracia que o regime do Presidente José Eduardo dos Santos permitiu que saqueasse Angola". A antiga eurodeputada reafirma estar na posse de documentação que sustenta as suas denúncias. "Não há falta de provas", garante.

"Ainda recentemente, no processo que a senhora engenheira Isabel dos Santos moveu contra mim, tive a ocasião de facultar ao tribunal imensa documentação que substancia aquilo que tenho dito. A atuação das próprias autoridades angolanas, designadamente com o arresto das contas e das participações da senhora engenheira Isabel dos Santos, só vem confirmar aquilo que eu vinha dizendo", considera.

Ana Gomes lamenta haver, sim, "falta de vontade política" e sustenta que "este é o momento de Portugal passar à ação". A ex-eurodeputada acusa as instituições portuguesas, "desde os supervisores da banca a outros reguladores, como a CMVM, como a Justiça, como ao nível político" de agirem mal, em conivência com a "cleptocracia angolana".

"É tempo de, ativamente, nos pormos claramente do lado daqueles que, hoje, em representação do Estado angolano, querem recuperar estes ativos que são pertença do Estado angolano", sublinha.

Cooperação em "todos os domínios"

Portugal, pela voz do chefe da diplomacia, Augusto Santos Silva, garante que coopera com Angola em todos os domínios, nomeadamente na área fiscal e da justiça. "Há cooperação entre as duas administrações fiscais e há cooperação entre as autoridades judiciárias", frisa Santos Silva, lembrando, no entanto, que é "membro do Governo" e, por isso, não se pronuncia "sobre questões e processos judiciais".

"O que posso dizer, como ministro dos Negócios Estrangeiros, é que a cooperação entre Portugal e Angola é uma cooperação que se estende hoje a todos os domínios. É hoje público e notório que essa cooperação existe, funciona e tem produzido resultados", frisa.

Em Lisboa, o chefe da diplomacia angolana, Manuel Augusto, lembrou que a sentença de 30 de dezembro, que decretou o arresto dos bens e participações de Isabel dos Santos, foi resultado de uma providência cautelar intentada pelo Governo, através do Ministério Público.

O processo de arresto de património adquirido de forma ilícita está apenas no seu início e não abrange apenas a filha de José Eduardo dos Santos, garantiu aos jornalistas: "A repatriação e a recuperação agora coerciva de bens mal adquiridos ou de património desviado é um processo que iniciou em 2018 e vai continuar. E o Governo só parará quando entender que aquilo que estabeleceu como meta em termos do levantamento que é feito permanentemente esteja alcançado".

Angola já recuperou cerca de 5 mil milhões de dólaresem ativos, segundo revelações da ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem.

Manuel Augusto, que se encontrou na segunda-feira (06.01) com o chefe de Estado português, agradeceu a colaboração prestada a Angola no âmbito das reformas em curso, nomeadamente no combate à corrupção. DW Africa

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