Somos as mulheres que, sem armas nas mãos, carregamos nos ombros o peso da guerra. Que trabalhamos nas lavras para alimentar comunidades inteiras enquanto os canhões troavam. Que nascemos filhos arrancados debaixo das nossas camas contra sua vontade para a linha da frente, e que nunca mais voltaram.
Somos os médicos e enfermeiros que, sem condições, improvisamos hospitais em tendas e escolas demolidas pelas bombas, salvando vidas com as próprias mãos, muitas vezes sem remédios nem instrumentos.
Somos os soldados que não aparecemos nos livros, os que não fomos fotografados em poses heróicas, mas que se arrastaram nas trincheiras, que dormimos na lama, que demos tudo e regressamos mutilados ou não regressamos nunca.
Somos as viúvas que esperamos anos e anos à beira do caminho, com o pescoço dorido de olhar para o horizonte, esperando o regresso de um marido que se perdeu no pó da guerra.
Somos os filhos que perdemos os pais, que perdemos a infância, que perdemos a escola. Fomos a geração que aprendeu a sobreviver entre escombros e que, ainda assim, não desistiu de viver.
Porque não somos condecorados?
Qual é a medida do mérito? Quais são os critérios que transformam alguns em heróis oficiais e outros em meros figurantes esquecidos? Será que a coragem só vale quando é testemunhada por câmaras? Será que a dor só conta quando tem sobrenome famoso?
Não aceitamos o silêncio como resposta.
Não aceitamos a história contada apenas pelos que estiveram nos palcos do poder.
Não aceitamos que os filhos que vimos nascer, que educámos, que crescemos, sejam hoje condecorados enquanto nós, que lhes demos a base, somos apagados da memória.
Também queremos. Também merecemos.
Porque a história desta pátria não está apenas nos manuais escolares, nem nas placas de mármore, nem nas condecorações oficiais. Ela está nos nossos corpos marcados, nos nossos olhos cansados, nas nossas mãos calejadas.
E é por isso que afirmamos
Não há verdadeira liberdade enquanto houver cidadãos invisíveis.
Não há verdadeira reconciliação enquanto houver memórias silenciadas.
Não há verdadeira justiça enquanto os que deram a vida mesmo sem medalhas não forem reconhecidos.
Este é o nosso manifesto.
Falamos como viúvas, como mães, como filhos, como combatentes esquecidos, como trabalhadores incansáveis como jornalistas, como sapateiros. Falamos como povo. E dizemos em uníssono: Também merecemos ser condecorados!
Por Rafael Morais