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Terça, 21 Novembro 2023 14:51

A velha questão do sistema de eleição dos deputados à Assembleia Nacional

Alguns participantes do Segundo Congresso Angolano do Direito Constitucional, realizado recentemente, voltaram a abordar a questão genérica do sistema de eleição dos deputados à Assembleia Nacional.

Por Ismael Mateus/JA

Desde os anos que antecederam os debates que levaram à aprovação da Constituição de 2010, temos vindo a defender (sem sermos ouvidos) a necessidade de alteração do modo de eleição dos 90 deputados (5 por cada uma das 18 províncias) do Círculo Provincial na Assembleia Nacional.

Se depender dos partidos políticos, nenhuma alteração será feita, já que a situação prevalecente é favorável aos jogos políticos e à distribuição de favores que dominam a cena política do país. O principal argumento para a mudança é o facto de a nossa sociedade necessitar de soluções jurídico-constitucionais que reduzam o excesso de política partidária na vida administrativa e institucional do país. O longo passado de conflitos empurra-nos a todos para espaços de grande polarização político-partidária e de conflito, razão pela qual defendemos que se deve aumentar a oportunidade para os cidadãos que não tenham filiação partidária, assim como os cargos que não dependam de filiação partidária. Ora, a apropriação e o controlo dos círculos eleitorais fazem parte da estratégia dos partidos políticos para a conquista de mais assentos parlamentares e, nessa medida, não se espera que os partidos políticos operem mudanças significativas, a menos que a isso sejam pressionados.

Mesmo que a reflexão ocorrida em sede da academia não produza resultados imediatos, temos a esperança de que ela inicie um caminho que leve a sociedade em geral a interessar-se mais pelo tema da despartidarização do sistema eleitoral e das instituições do país, em cujas vagas se deve premiar mais o mérito e a independência de pensamento do que a filiação partidária ou a proporcionalidade com a composição do Parlamento.

Estamos de acordo que se mantenha o princípio da transformação de todas as províncias em círculos eleitorais. Se tomarmos como certo o aumento do número de províncias para 20, a Constituição terá necessariamente de ser alterada.

Será então uma boa ocasião para que a sociedade volte a exigir a alteração do número pré-definido de cinco deputados por cada província ou a alteração completa do modo de eleição dos deputados do Círculo Provincial, como temos vindo a propor.

O primeiro tema a debater é a injustiça que decorre do facto de todas as províncias, independentemente da sua densidade populacional, terem o mesmo número de deputados. Parece-nos absolutamente justo que o número de deputados por província seja encontrado em função do número de votos, sendo por isso mais justo que as províncias com mais população tenham igualmente mais deputados. Embora se compreendam as reservas que levaram a que se optasse pela decisão de repartição igualitária do número de deputados por província, esse factor representa hoje um elemento desajustado com a realidade, favorecendo claramente as regiões menos populosas do país. O ideal é que se defina o número de votos necessários para eleger um dos 90 deputados, cabendo depois ao número de votos determinar a quantidade de assentos por região. Com base nos dados das últimas eleições, seriam necessários cerca de 160 mil votos para eleger cada deputado do Círculo Provincial, o que quer dizer que alguns círculos provinciais correriam o risco de não ter votos bastantes para eleger um deputado. O mais provável é que conhecêssemos um processo de migração de eleitores para que nenhuma província perdesse a sua representação parlamentar.

Outra alteração a fazer é a diferenciação entre o modo de eleição dos dois círculos, ou seja, os 130 deputados do Círculo Nacional continuaria a ser na base de listas plurinominais organizadas por partidos políticos, enquanto que os deputados do Círculo Provincial passariam a ser escolhidos em listas uninominais.

As listas uninominais são candidaturas individuais, podendo ter ou não apoio partidário e sobretudo estabelecendo uma relação directa com o eleitor. Cada eleitor ganha o poder de escolher o seu representante local. Com a nossa história de conflitualidade político-partidária e com fraquíssimos níveis de participação da sociedade, a possibilidade de candidaturas extrapartidárias iria estimular grandemente o aparecimento de figuras não partidárias, independentes ou mesmo partidárias não vinculadas à disciplina interna (que é claramente um dos instrumentos bloqueadores da autonomia parlamentar).

As listas uninominais encorajam o respeito pela opinião dos cidadãos e envolvem directamente o cidadão na gestão política. Uma eleição individual dos deputados iria permitir, por um lado, a Assembleia Nacional libertar-se das amarras político-partidárias determinadas pelas listas plurinominais e, por outro, conferir muito mais poder aos cidadãos, que assim poderão exercer em seu benefício uma pressão directa sobre os seus deputados para que estes exerçam a sua função fiscalizadora do Governo.

Ainda esta semana, durante o debate sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE), assistimos vários deputados do Círculo Provincial mais preocupados em defender as suas cores partidárias do que em assegurar que as políticas do Governo sejam implementadas e uma avaliação realista e orientada para a satisfação das necessidades dos cidadãos. A eleição individual de deputados estabelece o papel de intermediação, o que faz com que os cidadãos tenham a quem recorrer nominalmente em caso de injustiça, incumprimento das autoridades administrativas ou deficiente prestação de serviços públicos.

Trata-se, na verdade, de um amplo processo de reformas políticas que nos devem levar a um processo de prevenção de conflitos e de partilha de oportunidades e de poder entre partidos políticos e a sociedade em geral. É mais do que desejável um aumento do espaço político para os cidadãos sem filiação partidária. O excesso de partidarização da vida política, sobretudo das instituições do país, tem uma relação directa com o facto da militância ou o alinhamento partidário se ter transformado numa condição-chave para participação política do cidadão. Alguém que não se sujeite à disciplina partidária nem às relações clientelares partidárias, dificilmente consegue exercer cabalmente a sua cidadania. A CRA pode ser um elemento fundamental da "despartidarização das mentes”.

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