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Quarta, 22 Outubro 2014 16:14

"Política angolana para Portugal ultrapassa razoabilidade" - Marcolino Moco*

Estamos praticamente no fim de 2014, ano que, segundo apontei no meu opúsculo "Angola: a terceira alternativa" (2012, p.81) o Presidente José Eduardo dos Santos indicava (poderia ser até antes em 2013) como do estabelecimento do poder autárquico. Escusado referir aqui o ponto da situação.

Em lugar do poder autárquico temos a cidade de Luanda, agora entregue a claros moços de recados, quando se anunciam mais obras monumentais para a capital que irão precipitar ainda mais a desertificação do resto do país. Com a destituição de um interventivo Governador (Bento Bento), sob pretextos ridículos, Angola institucional acaba de levar mais um "golpe" espetacular, cuja preparação justifica, afinal, as inusitadas críticas à "administração" dos doutores Feijó e Bornito de Sousa, segundo certa imprensa, nos dias anteriores à medida.

2. O enriquecimento da família presidencial é tribalismo do mais descarado em nome de povos que aprenderam ser o tribalismo obra dos colonialistas. Na senda de consolidação de Portugal como plataforma do fortalecimento do colonialismo interno sobre todos os povos de Angola por uma só família e alguns aliados internos e externos, os chamados "empresários angolanos", compraram mais activos portugueses, com dinheiros que deveriam ser, pelo menos, investidos em Angola.

E compraram também mais um jornal, para calar os gritos de estupefacção perante "mobutismo" tão descarado, em pleno Século XXI; com o empresário "umbundo ou 'bailundo' " António Mosquito, a fazer de testa de ferro, não quisesse ficar sem a riqueza que aprendeu a reunir desde o período colonial. Como se sabe, é o que aconteceria também a outro empresário 'bailundo', ainda por cima da UNITA, o falecido Valentim Amós, se não aceitasse integrar, sem mais nem menos, o CC do MPLA, em 2003.

3. MPLA, outros partidos políticos e o resto da sociedade perante tudo isso. Cada vez mais se sabe que isso tudo não tem aprovação da esmagadora maioria do MPLA. O que há no MPLA é medo de perder o poder para uma oposição que poderia retaliar e acabar por vir a fazer o mesmo caminho. Ou como diz algum povo: "olha que estes já roubaram; os outros irão começar agora e seria o fim da macacada, tão pobre que eles são".

É, aliás o que se depreende de palavras atribuídas a uma notável militante do MPLA, a Dra. Teresa Cohen, quando a propósito da eventual sucessão de José Eduardo dos Santos na Chefia do Estado, diz ela que ele é como caso de uma avó que mesmo tendo 90 anos aflige-nos que algum dia nos venha a deixar. Por esta e por outras, continuo a pensar que o problema não se resolverá nem com eleições nem com golpes de sorte que alguns esperam. É preciso que angolanos de várias faixas, entrincheirados nos partidos tradicionais, sobretudo do MPLA e da UNITA, resolvam a questão real do "medo rácico-étnico e regional" que existe entre uns e outros, através de uma conversa nacional séria, mas calma.

 Este sim, seria um grande exemplo para o resto de África que vive o mesmo tipo de problema. Mas é preciso fixar bem: a política angolana, particularmente nas relações Angola-Portugal, está a ultrapassar toda a razoabilidade que se conheça, mesmo só no resto África.

*ex-primeiro ministro de Angola e ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

África Monitor

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