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Quinta, 13 Fevereiro 2014 17:42

GPL vs Zunga: Uma guerra sem quartel '- Reginaldo Silva

Tudo o que hoje se passa em Luanda no que toca à informalização da actividade comercial, com destaque para o que acontece com o comércio ambulante vulgo zunga- cujo combate é a nova briga que o GPL/CACL comprou, mas ainda não pagou- só pode ser o resultado de um impacto demográfico exponencial, que há muito deixou de estar sob controlo das autoridades.

As causas desta progressão estão minimamente identificadas pelo que, mesmo que haja vontade política consequente para se inverter esta tendência, os resultados só se farão sentir a médio prazo, caso a “luandização” do poder e da distribuição do rendimento nacional seja substituída por uma estratégia mais coerente de combate às profundas assimetrias regionais. De outra forma não há solução sustentável.

Penso que esta conclusão já faz parte do domínio do óbvio, mas num país como Angola, nunca é demais revisitar estas evidências, pois por vezes até parece que estamos a ser atingidos por uma epidemia de “autismo institucional”, com todo o respeito que me merecem os portadores desta terrível doença sem aspas.

Estamos a falar de  uma cidade que do ponto de vista do mercado de trabalho, está a rebentar pelas costuras, que está saturada, que já não tem mais nada para oferecer aos seus habitantes.

Estamos a falar de uma cidade que continua, entretanto, a ser procurada por compatriotas nossos que abandonam as suas zonas de origem, por terem chegado a conclusão que mesmo sendo hoje um pequeno “inferno”, a capital ainda consegue ser melhor em matéria de oportunidades do que o “paraíso” onde nasceram ou se encontram a viver.

Luanda continua a ser um polo de “atracção fatal” para todos os angolanos que nas outras regiões do país não conseguem encontrar soluções locais para os seus problemas sócio-económicos.

É a armadilha da capital.

É uma constatação grave, mas corresponde à realidade de um país que nas décadas de 60/70 via as famílias, onde se a minha estava incluída, a saírem de Luanda à procura de melhores condições de vida no interior.

Tenho para os meus botões que Angola só voltará a reequilibrar-se, quando novamente as pessoas sentirem esta necessidade, de deixar Luanda voluntariamente a procura de outros mercados por esta imensa Angola.

O drama de Luanda definitivamente nunca será resolvido dentro das fronteiras da macrocéfala capital angolana apenas com a construção de mercados municipais.

Há que pensar em Angola na sua imensidão e nas suas potencialidades.

Há que pensar em fazer outras Luandas, outras capitais, outras verdadeiras novas centralidades que não sejam apenas dormitórios periféricos da mesma e grande cidade.

Definitivamente Luanda já não tem capacidade para ao nível do mercado formal absorver a crescente procura existente, pelo que ao excedente desta força de trabalho só lhe resta mesmo o recurso ao comércio de rua.

O outro recurso é morrer de fome, pois o terceiro que seria o regresso às suas zonas de origens ou a procura de um modo de vida numa outra região do país, não nos parece que já seja uma opção com relevância estatística para ser considerada a nível nacional.

Todas as tentativas até agora feitas em Luanda para acantonar “este povo” nos chamados “mercados municipais” falharam redondamente, porque nas zonas onde eles foram implantados não existe procura suficiente nem poder de compra, para garantir alguma rentabilidade (por mínima que seja) a actividade comercial, como facilmente se pode constatar no terreno com as bancas vazias de clientes.

Antes de se pensar em atacar as consequências de um determinado fenómeno socioeconómico, seja com que medidas for, qualquer Governo que se preze tem de fazer uma avaliação o mais objectiva possível da realidade, para ver se a estratégia a adoptar tem alguma possibilidade de surtir os efeitos desejados.

Mesmo que não seja coroada de êxito total, o que é sempre difícil de se conseguir em qualquer conjuntura onde as adversidades são predominantes, é preciso evitar que a estratégia seja um completo fracasso, o que é sempre mau para credibilidade de quem está no “poleiro”.

Isto significa dizer que por vezes é melhor não apostar tudo numa determinada direcção, sob o risco de termos de recuar ainda mais caso as coisas deiam para o torto.

A aposta do GPL/CACL em mais esta recente ofensiva contra a zunga, pois não é a primeira e pelos vistos não será a última, tem os contornos do ou tudo ou nada, a traduzir mesmo alguma transferência de tácticas militares para o domínio do confronto social que o Executivo elegeu como método para tentar erradicar o problema da zunga.

A ideia que em tempos já defendi e que acho que continua a fazer todo o sentido é que neste combate, os dois “beligerantes”, quer a zunga, quer o governo, estão antecipadamente derrotados.

A zunga está naturalmente derrotada, porque a pobreza, enquanto for ela mesma, nunca há-de ganhar nada, para além de alguns tostões e de algum tempo/oxigénio para continuar a correr e a fugir dos fiscais e dos polícias rumo ao desespero permanente de uma existência sem objectivos que ultrapassem a própria sobrevivência quotidiana do ser humano.

Este é o problema maior da zunga para quem a combate, o que faz dela um “projecto” particularmente resistente a todo o tipo de ataques e ofensivas, seja de quem for.

De facto quem já não tem nada a perder, perdido está, sendo em consequência o seu comportamento muito difícil de controlar com meios convencionais, como é fácil de comprovar pela progressão que assistimos nas ruas de Luanda.

Qualquer avanço do seu combate nas ruas de Luanda será apenas temporário.

Aqui não se trata bem de estar contra ou a favor.

A coisa é muito mais complicada e sensível.

É evidente que não podemos estar de acordo com a transformação das ruas/passeios em mercados de levante, mas também sabemos que ninguém fica em casa, se a tiver, a espera da morte por inanição sem lutar pela sua sobrevivência e dos seus filhos.

A zunga é pura luta pela sobrevivência.

A zunga (tal como as favelas) só tem uma solução e todos nós sabemos qual é, como resultado de um exercício simples que tem a ver com a descoberta das razões que levam as pessoas a procurarem a sua sobrevivência no comércio de rua. A conclusão é evidente.

O que é particularmente grave na cidade de Luanda é que a zunga está a aumentar a olhos vistos e de forma absolutamente exponencial a contrariar todas as outras “evidências” oficiais de que se estará a registar uma redução na taxa de pobreza/miséria.

Reginaldo Silva

morromaianga.com

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