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Segunda, 23 Agosto 2021 16:57

“Precisamos de uma autoridade independente para fiscalizar o combate estrutural contra a corrupção”

Filomeno Vieira Lopes foi eleito presidente do Bloco Democrático (BD) na última Convenção do partido, no princípio de Julho. Na primeira entrevista ao Jornal de Angola como líder do BD, defendeu um combate estrutural contra a corrupção.

Para o político, muitos agentes de corrupção ainda conseguem fazer o seu trabalho muito à vontade. Considerou que as instituições de combate à corrupção são muito frágeis, por isso defendeu a criação de uma autoridade independente para fiscalizar e dar vida a esse combate estrutural contra a corrupção.

Foi eleito presidente do Bloco Democrático na última Convenção. Que avaliação faz do processo? 

Avalio o processo como muito positivo, por vários factores: em primeiro lugar, pelo facto de a Convenção ter dado a oportunidade a todos os candidatos aos cargos de presidente, vice-presidente e secretário-geral de contactar a massa militante e, em particular, todos os delegados. Foi um momento muito importante na vida do partido, porque os candidatos abordaram a situação política do partido com os militantes, apresentaram os seus programas e os delegados avaliaram as candidaturas sob vários ângulos e pontos de vista, desde os currículos dos candidatos às suas motivações, assim como as bases programáticas que cada um apresentou. Foi um momento alto para o Bloco Democrático, um momento mobilizador e houve oportunidade dos candidatos interagirem sobre a actual situação política nacional e mesmo fazer contacto com outros sectores da vida nacional.

E sobre a sua candidatura?

Quanto à minha candidatura, resultou de várias concertações, internas e externas, entre militantes e sociedade civil, bem como a vários sectores culturais, religiosos e da juventude, nacional e internacional, o que nos fez concluir que era necessária para o Bloco Democrático e também um refrescamento para o país. Em segundo lugar, foi um processo aberto e, em sede de Convenção, voltamos a apresentar os nossos propósitos e, também, foi um  processo transparente. A comunicação social pôde acompanhar desde a votação até à contagem dos resultados e, por consequência, sinto-me satisfeito porque houve verdade eleitoral.

Houve independência da comissão eleitoral?

A Comissão Eleitoral foi independente, um aspecto que devemos acentuar.  Nós, no país, temos uma Comissão Nacional Eleitoral  cujos membros estão na proporção da Assembleia Nacional. Um critério de partidocracia alheio às recomendações da SADC, elaborados para evitar conflitos, pois, como sabe, em África, as eleições degeneram muitas vezes em conflito. Portanto, sinto-me contentado, acima de tudo porque tivemos um processo exemplar que foi seguido, quer por outros partidos, quer pelo país e que demonstrou que a democracia é viável.

Que partido encontrou ao assumir a presidência?

Não há razões para lamentar, nem tão-pouco responsabilizar ninguém porque sempre fiz parte da estrutura do partido. Temos responsabilidades políticas. Encontrei um partido que mantém uma marca própria de muita credibilidade e responsabilidade que conseguiu se afirmar no mercado. É um partido que manteve uma conduta séria diante de vários assuntos nacionais. O partido precisa de crescer mais do ponto de vista quantitativa e qualitativo, precisa de forçar os seus quadros, os seus pensadores e precisa de se alinhar, de ter uma funcionalidade de maior eficiência, ser uma máquina de pensamento e de acção, de forma a que tenha uma posição sobre todos os assuntos nacionais, que consiga partir destes assuntos nacionais ser claramente mobilizador de uma maneira multissectorial, que cada assunto, cada acção possa ser inspirador de uma prática política que permite concretizar os nossos objectivos, que no caso é a mudança do regime. Precisamos transformar o Bloco numa verdadeira instituição. Precisamos, olhar um plano de desenvolvimento institucional nacional, mas também de um plano de desenvolvimento individual, onde se possa criar militantes que se tornem referência social, cientes do seu trabalho, tendo conhecimento e habilidades de fazer, com ética e com valores, es de serem prestativo onde estiverem, quer seja no poder de Estado, administração, actividades individuais, sendo capaz de saber ser e saber fazer. Que tenham conhecimento da atitude, transformando o cidadão num verdadeiro cidadão à altura dos desafios para exercer as suas funções onde quer que esteja.

Qual é a ideologia do BD? É um partido de esquerda ou de direita?

O Bloco Democrático é um partido de causas. As designações, quer de direita, quer de esquerda, é meio formal e circunstancial que vem de algumas contradições de carácter classista. Mesmo depois do tempo colonial, a diferença entre ricos e pobres é muito grande e isto tem sido um conjunto de atitudes. As pessoas se posicionam de acordo à sua classe, porém, há problemas comuns entre as classes: há vários problemas de direitos humanos, problemas ambientais, problemas que gostaríamos de ver resolvidos, razão pela qual decidimos ser um partido liberal. Estamos com os desfavorecidos, desempregados, aqueles cujos direitos são violados. Somos um partido de progresso. Apaixonado pela transição energética, achamos que esta indústria de fósseis não é favorável ao desenvolvimento da humanidade, advogamos a ecologia. Somos um partido de empoderamento, achamos que as pessoas devem crescer e esse crescimento deve ser visível, quem é pobre deve crescer, deve tornar-se rico. Não gostaríamos de ver alterado o modelo industrial de Angola. Temos uma lógica de desenvolvimento crescente. Estamos contra a actual Lei Geral do Trabalho porque penaliza muito o trabalhador.

Estão lançadas as bases para que o BD possa trilhar rumo ao propósito máximo de qualquer partido político, que é alcançar o poder?

Eu penso que sim. Porque o exercício democrático é sempre um exercício que permite que os grupos que se predispõem a dirigir os partidos políticos corrijam os aspectos negativos e potenciar os pontos positivos e submetem-se à escolha dos delegados. Durante a Convenção não elegemos apenas aqueles que têm funções unipessoais, mas também o Conselho Nacional, na base de uma moção de orientação política. Significa que o partido optou por uma Moção que, por acaso, era encabeçada por mim, pelo candidato a vice-presidente Justino Pinto de Andrade e o secretário-geral Muata Sebastião. E acabámos por convergir a um dado momento em ideias estratégicas idênticas para o partido, o que nos fez apresentar esta Moção de orientação política. O que significa que o partido acabou por mandatar estas individualidades para levarem à frente esta tarefa exposta na Moção de orientação política e estamos confiantes que isto dará um novo ar ao Bloco Democrático. 

Quais são as linhas orientadoras desta Moção de Estratégia?

Entre outras linhas, a Moção orienta que, neste momento, o mais importante, num curto prazo, para o país é, efectivamente, a mudança do regime. A análise que esta Moção apresenta é que não há democracia no país. Ela está numa fase que não se consegue estabelecer. Há uma transição que nunca mais acaba. As tarefas que a Nação tomou em consenso, em 1992, como a decisão de se fazer uma profunda descentralização com eleições autárquicas em todo o país, na medida em que o poder anterior era extremamente concentrado. O desaparecimento do partido único, não só do ponto de vista formal, mas também do ponto de vista funcional, na maneira de governar o país, esta tarefa não está concluída. A passagem de uma condição de privilégio do militante e para que todos nós, em face do Estado, sejamos considerados como cidadãos, isto também não foi conseguido. A efectiva separação de poderes em que qualquer poder goze da sua independência para realizar o seu trabalho. Isto significa que há todo um conjunto de situações, nomeadamente o próprio espaço democrático, público, que não está completamente viabilizado. A ausência de pluralidade da comunicação social e o facto de a comunicação social pública não estar ao serviço do cidadão, está condicionada por um partido, então isto tudo faz com que seja necessário concluir esta tarefa de transição democrática. Isso só será possível se mudarmos o regime, pois o regime não é democrático, ele é autocrático. Por isso, o objectivo do BD, no curto prazo, é a mudança do regime. E a Moção é muito clara em relação ao instrumento necessário para se atingir este objectivo: a construção de uma Frente Ampla.

Que instrumentos e estratégia o BD tem para materializar este propósito?

No nosso entender, nenhum partido político está em condições de materializar esta tarefa sozinho, nem mesmo às vezes associado. Para se materializar este propósito, precisamos de uma frente ampla, precisamos de incluir a sociedade civil. Porque esta tarefa tem um desdobramento duplo. Não basta apenas provocar a mudança para a saída do actual regime no poder, mas é preciso, fundamentalmente, construir um novo regime político no país. Construir um poder efectivamente democrático. Isto significa que a sociedade civil precisa de estar devidamente empenhada nesta tarefa. Não acreditamos numa democracia que seja apenas dos partidos políticos, porque a sociedade civil, para nós, é como se fosse a mãe da razão da nossa existência e quem se separa da mãe perde o norte. É o que tem acontecido no país e, por consequência, o nosso processo degenerou. Os indicadores que temos assistido, quer seja da situação económica, quer política e social, demonstram que há uma profunda degradação da situação económica, cultural, política e social do país que clama por uma mudança. Esta é a primeira parte da estratégia da nossa Moção, havendo uma segunda parte que traz propostas que pretendem transformar o BD numa verdadeira instituição.

Além dos partidos já conhecidos, que outras personalidades e organizações farão parte da frente ampla?

Do nosso ponto de vista há alguma condição objectiva que proporciona esta frente ampla. A condição objectiva é o facto de que há vários sectores do país que vivem um grande descontentamento em relação à governação e à natureza do Estado em que estamos inseridos e que, portanto, eles próprios aspiram a esta mudança. Precisamos, sim, criar o factor subjectivo que são os partidos políticos que compreenderam esta aspiração das várias camadas da população e os vários sectores despertos da sociedade civil. As instituições incluídas são aquelas que iniciaram a tripartida, nomeadamente o Bloco Democrático, UNITA e projecto PRA-JA Servir Angola e todas as organizações da sociedade civil que não estão recenseadas, mas que têm dado contributos muito grandes em relação a recomendações à governação, do ponto de vista económico, político, social, ecológico e ambiental. É o caso do amplo movimento para as autarquias, que está completamente frustrado porque se organizou para as autarquias em 2020 e gastou muita energia que foi abaixo porque a minoria política que é a maioria no Parlamento, o MPLA, está contra as autarquias, contrapondo-se à grande maioria social que é pela realização das autarquias, tendo até como base o discurso do Presidente da República que apontava as autarquias para 2020. Conclui-se que há um grande descontentamento e há, por outro lado, outros elementos ligados aos partidos políticos que citei e, naturalmente, as outras organizações que abraçarem esta causa podem fazer parte desta frente ampla.

Pode-se afirmar que o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, será o cabeça de lista, seguido por Abel Chivukuvuku, do projecto PRA-JA, e  Bloco Democrático, além de representantes da sociedade civil?

Nesta altura estamos mais preocupados com as questões políticas, de estruturação, os conceitos que envolvem esta ampla frente. Com certeza que, mais para frente, serão abordadas as questões de equilíbrio de poder entre as várias forças. É óbvio que há uma grande força política no país na oposição que integra a UNITA, PRA-JA Servir Angola e o Bloco Democrático. Em função da capacidade de cada força que nem sempre significa o número de militantes, mas, sobretudo,  outros factores como qualidade, competência e mérito, vamos encontrar quadros adequados para fazer esta frente, recorrendo aos membros dos partidos políticos, onde para o Parlamento, teremos uma lista composta por vários membros dos partidos políticos afectos à frente e membros da sociedade civil. Se a ampla frente tiver êxito, naturalmente que haverá mais cargos por repartir porque terá funções governativas. Se for semelhante a uma coligação que requer uma liderança, vamos escolher a liderança adequada. Ficamos satisfeitos porque os dirigentes da tripartida que indicia esta ampla frente anunciaram que lutariam contra os seus próprios egos para se encontrar uma solução que seja nacional. Há duas lideranças avançadas, nomeadamente o presidente da UNITA e o coordenador do PRA-JA Servir Angola. Porém, ainda não estamos preocupados com isto, estamos mais preocupados em definir bem quais os fundamentos que nos têm levado a isto, seus objectivos, missão, conceitos, valores, qual a ética que deve presidir esta frente e sua estruturação.

Fala-se de uma possível impugnação dos resultados do último congresso da UNITA que elegeu o actual presidente. Caso se confirme, qual seria a posição da frente ampla?    

Não quero fazer futurologia, tão-pouco entrar neste debate porque a UNITA apresentou dados que demonstram que isso não é assunto. Portanto, vamos ver o desenvolvimento desta matéria, mas, como sabe, o Tribunal Constitucional validou todo o Congresso da UNITA. Sabemos que a situação para a oposição é sempre difícil, porque não existe separação de poderes, nomeadamente o poder judicial independente porque joga um papel de estratégia para o partido no poder que está a trabalhar para evitar que se crie esta ampla frente. E sempre que se cria uma coligação neste país, o partido no poder trabalha para se evitar as coligações. Estou a referir-me à primeira coligação que surgiu em 1992, a AD Coligação. Através de um conjunto de actos de corrupção e intrigas, se tentou desfazer esta ampla frente, houve inclusive violações da própria lei e os tribunais tiveram que se calar, naturalmente. Temos o caso da CASA-CE. O presidente Abel Chivukuvuku saiu da forma como saiu e os tribunais funcionam unicamente dentro dos interesses do partido no poder.

Quer, com isso, dizer que a CASA-CE não tem pernas para andar sem o seu fundador, Abel Chivukuvuku?

Esta resposta cabe à CASA-CE. Mas o que podemos afirmar é que aquela corrente independente, liderada por Abel Chivukuvuku, na altura tinha um grande peso e, com a sua saída, ficou, mais ou menos, provado que as suas estruturas ficaram abaladas. Entraram novos componentes no projecto e, eventualmente, poderão fazer algum esforço para manter a coligação.

Caso o BD decida caminhar de forma independente, há probabilidades de vir a ter Abel Chivukuvuku como cabeça de lista?

Como sabe, conversamos bastante com o PRA-JA Servir Angola, para incorporar o BD e não chegamos completamente a um acordo. O PRA-JA ficou de dar uma resposta ao Bloco mediante uma resolução que o Conselho Nacional elaborou até finais de Março último. Mas, do ponto de vista estatutário, não há nenhum impedimento de uma outra personalidade ser escolhida pelo BD para ser o cabeça de lista. E, neste sentido, e com uma resolução como esta que me referi, já sugeria que o Abel Chivukuvuku pudesse ser o cabeça de lista do BD, é muito normal que esta disponibilidade se mantenha sem qualquer problema. O presidente do BD não é, necessariamente, o cabeça de lista. Pode ser até uma personalidade da sociedade civil, pode ser um outro militante que esteja em melhores condições de assumir esta responsabilidade.

Estamos a um ano das próximas eleições gerais. O BD já está a afinar a máquina para este grande desafio político?

Acabamos agora a nossa Convenção e estamos a viver o período de passagem de pastas e ao mesmo tempo reflectir sobre os novos caminhos. Temos uma Moção de Estratégia e temos de encontrar um programa adequado para a sua materialização. A nossa prioridade tem sido fazer contactos com vários membros da sociedade civil e organizações, no sentido de colhermos a sua opinião sobre esta frente ampla e integrar a mesma. Por outro lado, estamos a desenvolver contactos com a UNITA e o PRA-JA para a sua formatação. Queremos que, daqui a nove meses, possamos estar em todos os municípios do país para que tenhamos mais músculos para os novos desafios.

O BD está representado nas 18 províncias?           

Estamos presentes nas 18 províncias, mas nos faltam poucos municípios. É nestes onde vamos incidir a nossa atenção, depois da tomada de posse. A corrente de simpatia que temos ainda não se transformou numa força política plena. Temos províncias onde estamos representados em toda a sua extensão, como são os casos de Luanda,  Uíge e Benguela. Temos debilidades nas Lundas. O objectivo é, nos próximos meses, estarmos representados em todos os municípios.

Entre os desafios para sobrevivência das forças políticas está o financiamento. Como é que o BD está em termos de quotas?

Está mal, como não podia deixar de ser! O grande mérito do BD reside na sua resiliência. Ter um conjunto de membros que formam a sua ossatura que, de alguma maneira, sente que a participação política é uma missão e fazem tudo por tudo para que esta chama não se apague. Mas, financeiramente, estamos extremamente debilitados. Recebemos dos fundos públicos, mensalmente, 2 milhões e 700 mil kwanzas, o equivalente ao salário de dois técnicos superiores. Ou seja, salário para duas famílias! No entanto, temos militantes que fazem um bom esforço que, além das quotas, fazem doações ao partido. Ainda temos uma grande falta de consciência em relação às quotas. Temos militantes que ainda não perceberam que as quotas constituem um problema político. Se nos integramos numa organização que quer transformar o país, temos que dar pelo menos três coisas, nomeadamente trabalho, inteligência e recursos. A nossa filosofia não é de quotas fixas. Os militantes podem pagar o que quiserem dar ao partido. Há um esforço político constante para que haja essa consciência de quotização. Temos alguns amigos que compreendem a nossa política e tudo fazem. Trabalhamos com poucos recursos, mas, ainda assim, com muita vontade que nos permite viver e faz muita solidariedade nos seus membros, pois temos um país onde grande parte da população está desempregada e temos dirigentes do BD desempregados, alguns por razões políticas.

O BD tem relações com outros partidos políticos no estrangeiro?

Não temos grandes relações com o exterior. Tivemos, em alguns momentos, relações com muitos países a nível da Europa e do continente africano e que sempre foram relações políticas e dos processos democráticos para a troca de experiências e formatar a nossa diplomacia. Temos apenas um deputado na Assembleia Nacional e quando um partido não tem um grupo parlamentar forte a sua diplomacia fica beliscada. Em todo o caso, temos boas relações com o Bloco de Esquerda, em Portugal, interagimos com todos os partidos democráticos daquele país, mas não temos uma grande intensidade de relações internacionais, apesar de termos membros um pouco por todo o mundo.

Se o BD alcançasse o poder qual seria a estratégia para o desenvolvimento económico e social do país?

O país precisa de ter uma volta e esta volta passa pela mudança do regime. Uma vez mudado o regime político, haverá uma luz a abrir-se para a mudança. Os grandes problemas nacionais nesta altura são a pobreza e o desemprego e estamos a gizar um programa. Em 2017, contribuímos para traçar o plano de governação da CASA-CE e estamos a trabalhar o nosso próprio programa 2022-2027.

E quais serão as linhas deste programa?

Como disse, temos a pobreza e o desemprego como dois principais problemas para serem resolvidos. Vamos apresentar projectos muito concretos, temos alguns economistas que estão a trabalhar nesta matéria. O nosso programa será discutido com as outras forças da ampla frente, caso seja esse o caminho, para que possamos ter um programa comum. O povo tem de saber que opções temos para resolver problemas como a educação e saúde. É normal que tenhamos de caminhar para um programa feito antes das eleições. O povo precisa saber o nosso projecto para resolver estes grandes problemas. Entendemos que para resolver o problema da pobreza passaria por um programa de emergência, pois um país com 49 por cento da população pobre e alguns em situação de pobreza extrema precisaria de um programa de emergência. A actual governação olha para o "Kwenda” como um programa de emergência, mas nós implantamos uma filosofia segundo a qual devemos  passar da emergência para um programa de desenvolvimento. A forma de resolver os problemas de pobreza passa por dar às pessoas instrumentos capazes de produzir e se inserir na linha do desenvolvimento. A nossa pobreza é multissectorial, portanto, não se trata apenas da fome, mas até de acesso ao Bilhete de Identidade, porque dificulta inclusive a mobilidade para a busca de recursos em outros sítios.

Qual é a vossa visão em relação à estratégia de combate à corrupção em curso no país?

Devemos fazer um combate estrutural contra a corrupção, porque o país está organizado para ser roubado. Isto significa que muitos agentes de corrupção conseguem fazer o seu trabalho muito à vontade. As instituições de combate à corrupção são muito frágeis, os tribunais não têm força de travar este grande mal, pois a corrupção é desencadeada dentro do partido que governa e, transversalmente, a todas as instituições. Logo, precisamos de uma autoridade independente para fiscalizar e dar vida a esse combate estrutural contra a corrupção. Precisávamos de mecanismos que permitissem aos cidadãos fiscalizar as instituições, mecanismos capazes de criar um sistema de integridade para minimizar esta situação.

A dívida pública do país preocupa o BD?

Preocupa-nos! Eu próprio sou militante da dívida pública, porque em 2000 criamos a Secção do Jubileu, da qual fui membro na subsecção de transparência. Também foi neste ano que apresentamos o plano de pobreza porque a lógica era conseguir o perdão da dívida pública. Sabe-se que uma boa parte da dívida pública é considerada odiosa, pois foi contraída no contexto de guerra e corrupção. Contrair dívida que resulta da armadilha da dívida... fazer empréstimos para pagar juros... esta dívida tem uma problemática muito grande! Para o nosso caso em particular, temos inclusive situações de sobrefacturação. Para o caso de Angola, o Estado se endividou sem que houvesse a contrapartida de um serviço ou produto, o que lhe vai tornar numa dívida odiosa. O melhor seria investir na contrapartida para o combate à pobreza. Em 2000, apresentamos ao Governo um plano de luta contra a pobreza que não teve qualquer respaldo. Esta dívida é preocupante; a dívida pública não pode ultrapassar os 60 por cento do PIB e a nossa é de cerca de 120 por cento. E também é alarmante saber que 25 por cento desta dívida, de acordo com a própria ministra das Finanças, provavelmente é uma dívida que não existe. O Estado está a pagar esta dívida, sacrificando duramente todos os angolanos. A dívida externa é altamente preocupante, estamos sempre a buscar dinheiro lá fora. Há organismos bilaterais que tentam impor as suas políticas, tentar organizar o país e quando encontram países como o nosso acabam por criar sérios problemas. Estamos a implementar novos impostos e taxas, numa altura de apertar o cinto, fruto da situação económica actual. Isto diminui a condição das populações que já vivem uma situação de extrema pobreza e miséria.

Recentemente, o país fez alterações pontuais à Constituição da República. Qual foi a contribuição do BD?

No âmbito da tripartida, houve um pronunciamento muito claro em relação à revisão pontual da Constituição. Há propostas que sempre fizemos que nunca foram contempladas. Houve alteração ordinária da Constituição, no fim da legislatura, sobretudo para impedir que a actual oposição fosse poder e tivesse mais força e, ela própria, fazer uma alteração constitucional. A alteração da Constituição para a consagração do voto directo do Presidente da República seria uma mais-valia. Defendemos, também, a alteração do modelo de eleição dos deputados à Assembleia Nacional, que obrigaria uma relação directa entre deputado e o eleitor, e não de forma indirecta, através do partido. Precisamos votar nos deputados e não nos partidos políticos. A diáspora continua sem círculo eleitoral, o Parlamento continua sem o poder de fiscalizar as acções do Executivo. São estas reformas que, realmente, interessam, mas o que se fez é impedir uma revisão constitucional mais profunda nos próximos tempos. Jornal de Angola

 
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