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Quinta, 12 Dezembro 2019 12:15

Masturbação faz bem e recomenda-se. Marta Crawford, sexóloga, explica porquê

Permite conhecer o próprio corpo e até descobrir as preferências sexuais, o que acaba por valorizar as experiências com outras pessoas, independentemente de ser solteiro ou de estar numa relação amorosa. Conselhos e recomendações de especialista.

Amaldiçoada durante séculos, a masturbação foi considerada um pecado, uma ideia essencialmente disseminada pela religião que se foi enraizando na sociedade e que, ainda há pouco mais de duas décadas, continuava a persistir. "Nos colégios internos masculinos, tinham aparelhos que permitiam saber se havia ejaculações noturnas e os rapazes, se o fizessem, eram castigados por isso", sublinha a sexóloga Marta Crawford.

As meninas também não eram poupadas à carga negativa que estava associada a este comportamento sexual individual. "Seriam mal-vistas se o fizessem", realça a especialista. Nalguns meios mais rurais e no interior do país, o preconceito subsiste até aos dias de hoje. Mas a especialista deixa claro que "a masturbação não é prejudicial à saúde". Muito pelo contrário, como Marta Crawford não se cansa de explicar.

Inúmeros estudos científicos desenvolvidos ao longo das últimas décadas corroboram os benefícios da autoestimulação. Muitos deles devem-se à segregação da dopamina (hormona do prazer) e da oxitocina (hormona do amor), fazendo com que o organismo reaja positivamente a vários níveis. A empresa alemã Barmer Krankenkasse, que comercializa planos de saúde, sugere a masturbação para combater insónias. Marta Crawford confirma, garantindo que a masturbação "é uma forma de cada um conhecer melhor o seu corpo", o que ajuda a perceber onde se gosta de ser tocado, com que pressão e velocidade.

Além disso, liberta a tensão sexual e muscular, reduz o stresse, ajuda a dormir melhor, melhora o estado de espírito, alivia as dores menstruais, tonifica a região pélvica e anal e ainda melhora a autoestima e autoimagem. Como se fossem precisos mais incentivos para a população masculina se dedicar com intenso prazer a esta experiência subjetiva, um estudo da Universidade de Harvard, nos EUA, veio reforçar esta crença.

Publicada em dezembro de 2016, esta investigação demonstrou que ejacular com frequência protege mais a população masculina contra o cancro da próstata, o tumor mais frequente nos homens dos países industrializados. Mais concretamente, os investigadores descobriram que os na casa dos 20 anos que ejaculavam, no mínimo, 21 vezes por mês, reduziam o risco de virem a desenvolver este tipo de neoplasia em 19%.

O culto do pénis

Apesar da mudança de paradigma, continua a ser mais associada aos homens. "Eles recorrem mais à masturbação", diz a sexóloga. Este é um hábito que os acompanha, na sua maioria, desde a infância. Porquê? "Os meninos têm uma espécie de supervisão médica para se masturbarem. Quando vão ao pediatra, muitas vezes, o médico diz que é preciso puxar o prepúcio para baixo", responde de imediato Marta Crawford.

Rapidamente se apercebem que, de vez em quando, o pénis fica ereto e torna-se "um brinquedo que os faz sentir bem", refere. Já as raparigas tendem a iniciar-se na autoestimulação mais tarde, porque, geralmente, descobrem esse prazer por acaso. "Encostando-se nas bordas das coisas em que roçam a zona da vulva, nas banheiras de hidromassagem, nas piscinas com jatos de água, no bidé, e começam a sentir sensações agradáveis", conta.

Há uma razão fisiológica para esse desfasamento. É que no caso dos homens, o processo está facilitado pelo facto do "órgão sexual estar no exterior do corpo, visível", sublinha a especialista. Para tocarem nos seus genitais, as mulheres têm de "introduzir a mão, mesmo que seja apenas para estimular o clítoris". Daí que recorram frequentemente a outros objetos, como vibradores, almofadas, chuveiros, entre outros.

O jogo do nunca

Embora muitas mulheres se autoestimulem, com mais ou menos regularidade, Marta Crawford encontra, na sua prática clínica, algumas "que nunca se masturbaram", refere. Esta é uma situação que se deve ao tipo de educação que tiveram, porque, quer queiramos quer não, somos o reflexo do nosso meio. O pudor e os tabus têm, ainda hoje, um impacto enorme no nosso comportamento, condicionando-o.

"Em consultório aconselho-as a fazerem essa descoberta [da masturbação], mas é complicado", admite a sexóloga. Por um lado, algumas mulheres terão sempre uma certa dificuldade em comunicar ao parceiro ou à parceira o que lhes dá prazer sexual, por não terem conseguido explorar o seu corpo ou por se sentirem amordaçadas pelos chamados bons costumes, expressão muito usada antigamente.

Por outro lado, outras passam a conhecer-se tão bem que conseguem atingir o orgasmo com um simples cruzar de pernas. Como? "Fazendo compressão em toda a zona pélvica e os movimentos que fazem quando se masturbam, sem tocar no clitóris", relata a sexóloga. É uma forma discreta de se autoestimular em público sem que terceiros se apercebam, defende ainda a autora de livros como "Viver o sexo com prazer".

Agora, para conseguirem um clímax mais intenso é preciso estimular o clitóris. "É uma zona muito carregada de sensibilidade, porque tem 8.000 terminações nervosas. Para se ter uma ideia, o pénis só tem 4.000", realça a sexóloga. "Quando é bem estimulado, gosta-se muito", assegura a especialista portuguesa. "É, de longe, a melhor forma de uma mulher ter um orgasmo", garante ainda Marta Crawford.

Pornografia para que te quero

Ao passo que o género feminino recorre mais à imaginação e às fantasias para se excitar, pensam naquilo que gostariam de fazer ou que lhes fizessem, o género masculino é "muito mais sensível a estímulos visuais, reage mais durante o dia e está mais disponível", realça a sexóloga, o que os torna mais vulneráveis aos efeitos dos filmes pornográficos, facilmente acedíveis a qualquer hora, em qualquer lugar.

"A pornografia torna os homens preguiçosos na sua autoestimulação e, se começam a ver um género com práticas sexuais bizarras, que não têm nem nunca vão ter numa relação, podem começar a perder o interesse pelas experiências sexuais que têm com os parceiros ou com as parceiras", critica a sexóloga. Neste sentido, se se aperceber de uma mudança no comportamento sexual do seu parceiro, procure perceber o que se está a passar, "sem fazer um bicho-de-sete-cabeças porque o outro se masturba". Porque a masturbação no seio de uma relação não é preditor de problemas nem é infidelidade.

Talvez isso seja mais difícil de compreender se as parceiras nunca se masturbaram, mas podem incentivá-las a experimentar e criar as condições ideais para que o façam. "Num sítio onde se sintam seguras, descontraídas e onde ninguém vai ligar nem aparecer de repente", sugere. Esse espaço para explorar o próprio corpo é essencial para poderem dar outros passos, como autoestimular-se à frente dos parceiros ou praticar a masturbação mútua.

Por Filipa Basílio da Silva / SAPO

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