"Qualquer empresa em Angola, mesmo que produza no mercado nacional, tem de importar matérias-primas; até as bebidas, um dos setores em que a produção nacional está mais desenvolvida, tem de importar a maior parte dos 'inputs'", explicou à Lusa a analista do banco BPI que segue a economia angolana.
Luísa Felino referiu que "como a importação das matérias-primas para a elaboração do produto final é feita através de operações no sistema bancário, o intermediário faz a conversão cambial, e daí a necessidade de as empresas terem dólares para pagar as importações".
O problema da falta de dólares em Angola não se fica, no entanto, pelo sistema financeiro - chega muito rapidamente à economia real através da ligação entre o financiamento das empresas e do Estado e o consumo privado e público.
A redução da entrada de receitas em dólares por causa da descida do preço do petróleo, que em meados deste ano custava menos de metade do que durante o pico no verão de 2014, implica uma enorme quebra nos cofres do Estado, que contava com essas verbas para realizar investimento público, nomeadamente em infraestruturas que são vitais para o desenvolvimento de Angola, garantindo também muitos empregos que agora estão em risco.
Não tendo essas receitas, o Governo foi obrigado a rever o Orçamento, cortando a fundo na despesa logo no final do ano passado, num movimento de contração que se vai prolongar para o próximo ano.
Na generalidade, o executivo tem sido elogiado pelos analistas internacionais e pelas instituições económicas pela rapidez com que reagiu à crise, apesar dos riscos do endividamento e do custo do serviço da dívida, mas há poucas alternativas para garantir a entrada de dólares quando o petróleo, o principal financiador do desenvolvimento do país, vale metade do que valia há um ano e pouco.
"Só quando o preço do petróleo voltar a subir é que a situação se reverterá visivelmente", considerou Luísa Felino, sublinhando que "no curto prazo, as autoridades vão ter de gerir a situação, retraindo a procura, o que já sucedeu do ponto de vista do setor público, com o ajustamento no orçamento, mas também no setor privado, nas famílias e nas empresas, que vão gastar menos, mas este é um processo mais longo".
O Banco Nacional de Angola (BNA) tem tido um papel preponderante ao deixar a moeda desvalorizar, e age também como regulador sobre a utilização de dólares pelo sistema bancário.
"Todo o processo é centralizado pelo BNA, que disponibiliza aos bancos as divisas através dos leilões, mas como o BNA tem menos dólares a entrar porque o petróleo está mais barato, também liberta menos dólares para os bancos", disse a analista do BPI, que lembrou que "como a procura por dólares é maior do que a oferta, existe uma lista de espera para os bancos pedirem a quantidade de reservas que querem".
O número mais visível da crise cambial é talvez a desvalorização do kwanza face ao dólar, que já perdeu mais de 30% do valor desde o início do ano, mas onde se nota mais a situação é na falta de dólares em circulação e na escassez de alguns produtos nos supermercados, a par do aumento dos preços e das dificuldades em fazer pagamentos atempados ao exterior, o que implicou que muitos fornecedores já exijam o pagamento contra a entrega das mercadorias.
"Há a perceção de que existe escassez, e mesmo para as importações diretas de produtos de consumo final, existe essa perceção nos supermercados, as pessoas começam a sentir que certos produtos já não estão a ser disponibilizados", apontou Luísa Felino, sublinhando que que "a inflação [que prevê chegue aos 14% ainda este ano] resulta da desvalorização cambial e deste problema".
A situação promete agravar-se na próxima segunda-feira, quando um banco sul-africano que disponibiliza reservas a alguns bancos angolanos deixar de fornecer dólares, de acordo com a agência Bloomberg, que cita fontes conhecedoras do processo.
Atualmente, o Banco Nacional de Angola já recomenda aos bancos que limitem os levantamentos dos clientes a mil dólares (940 dólares) por semana, mas o BIC (o maior em número de balcões) e o BAI (o maior em ativos) têm limites mais generosos, apesar das dificuldades que também eles enfrentam.
Lusa