Segunda, 23 de Junho de 2025
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Segunda, 23 Junho 2025 12:49

Os ataques dos Estados Unidos contra instalações nucleares iranianas

Recentemente, isto é, a menos de 4 dias, observamos na arena global, os ataques dos Estados Unidos contra instalações nucleares iranianas, o qual representa mais um capítulo da política de força que tem marcado a ordem internacional contemporânea.

Sob a invocação do pretexto de conter a proliferação nuclear e assegurar a estabilidade no Oriente Médio, os EUA optou por uma ação severamente unilateral, totalmente fora dos moldes e da orientação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa decisão revela não apenas a continuidade de uma lógica de segurança baseada no uso preventivo da força, mas também aprofunda a crise de legitimidade do Direito Internacional e das instituições multilaterais. Tendo dito isto, é mister analisarmos o evento ocorrido em 3 variáveis essenciais o qual passo a destacar:

1 - A erosão do Direito Internacional

O Direito Internacional, especialmente o regime de não proliferação nuclear consagrado no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) de 1970, estabeleceu um conjunto de pressuposto com vista a equilibrar o direito dos Estados no que toca ao uso pacífico da energia nuclear com a proibição da construção de armamentos atômicos. O Irã, enquanto Estado signatário do referido tratado “TNP”, já esteve sob intenso escrutínio da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Mesmo diante das ambiguidades do programa iraniano, a via diplomática sempre foi apresentada como o caminho ideal, o que levou o culminar do Acordo Nuclear de 2015 (JCPOA), mediado por potências como Rússia, China, Reino Unido e Alemanha. E sobre esta premissa, o próprio Director Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em uma entrevista feito ontem 22/06/2025 em Al Jazzera, afirmou que nenhum dos relatórios feitos pela organização no âmbito da inspeção feita as instalações no Irão, confirmou o uso indevido da energia nuclear para fins bélicos, o que não justifica a invocação de um ataque preventivo dos EUA nos moldes da garantia da paz e da Segurança internacionais.

Face a isto, fica claro que a ação militar dos EUA desconsidera esse caminho legal e diplomático. Age-se fora da autorização do Conselho de Segurança da ONU, o que fere directamente o artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso da força salvo em caso de legítima defesa ou com autorização expressa do Conselho de Segurança da ONU. Portanto, ao agir sem respaldo internacional, os EUA reafirmam a lógica do excepcionalismo jurídico que defende a ideia de que, por razões de segurança nacional, podem se eximir das regras que impõem aos demais.

2 - Organizações Internacionais em colapso funcional

A inação ou impotência da ONU frente a esse tipo de ação confirma mais uma vez o diagnóstico realista de que as Organizações Internacionais continuam reféns dos interesses das grandes potências. Só para termos uma ideia, o Conselho de Segurança, composto por membros permanentes com poder de veto, não consegue funcionar de forma autônoma ou eficaz quando se trata de conter os excessos de seus próprios membros. Dito isto, o ataque ao Irão ilustra claramente e de forma crua, a incapacidade estrutural da ONU em garantir a paz e a segurança coletivas, tornando-se apenas mais um ente espectador diante de ações unilaterais dos EUA com potencial de desestabilização regional e global.

Um outro aspecto que podemos é que esse episódio reforça o argumento de estudiosos como Stephen Krasner, que defendem que as instituições internacionais são apenas arranjos moldados pelo poder e pelos interesses dos Estados dominantes. Dentro dessa logica de observação, o Direito Internacional, formado pelas normais, tratados, convenções e outras formas de princípios reguladores do comportamento dos Estados não é um sistema neutro de regras universais, mas sim um conjunto de normas manipuláveis conforme a correlação de forças vigente.

3 - Impactos no sistema internacional

Analisar o comportamento dos EUA façe aos recentes ataques ao nível das consequências, podemos ilustrar 3 factores ladeados no dilema da instabilidade e desconfiança.

Primeiro, no âmbito regional, os ataques intensificam o risco de retaliações assimétricas por parte do Irã ou dos grupos aliados que se encontram no Iraque, Líbano, Síria ou Iémen, criando cada vez mais um cenário de instabilidade contínua no na região do Médio Oriente.

Segundo, a nível global, há um crescente agravamento da erosão da confiança nas instituições internacionais, sobretudo entre potências médias e emergentes que veem, com crescente ceticismo, os mecanismos multilaterais de resolução de conflitos como instrumentos de contenção seletiva e não de justiça equitativa.

Terceiro e talvez mais grave, está a normalização do uso da força fora do marco legal internacional conforme estabelece a Carta das Nações Unidas nos Capítulos VI e VII, acaba por fragilizar os mecanismos de dissuasão e encoraja comportamentos semelhantes por parte de outras potências, como Rússia ou China, em seus próprios contextos geopolíticos.

Portanto, fica claro aqui que estamos diante de uma continuidade do fracasso histórico das normas e instituições internacionais em conter o unilateralismo das potências. O ataque dos EUA ao Irã não representa apenas uma violação isolada, mas uma confirmação da assimetria estrutural do sistema internacional. Enquanto o realismo político insiste que a força continua a ser o árbitro final das disputas internacionais, o liberalismo institucional perde força frente à sua incapacidade de garantir o cumprimento das normas e a eficácia das Organizações Internacionais.

Esse episódio reafirma uma verdade incômoda: a ordem internacional baseada em regras só é válida para os fracos. Para os fortes, como demonstram os EUA, o Direito Internacional é apenas uma ferramenta de conveniência, e as organizações internacionais, quando não se alinham aos seus objectivos estratégicos, são simplesmente ignoradas.

POR: JUVENAL QUICASSA, Especialista em Relações Internacionais

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