Domingo, 21 de Setembro de 2025
Follow Us

Domingo, 21 Setembro 2025 21:42

Investigadores acusam elite política e económica portuguesa de conivência com regime angolano

Académicos e ativistas disseram hoje que a elite política e económica portuguesa tem ajudado Angola a manter-se como um Estado "cleptocrático", numa relação alimentada pelo lucro e que tem enfraquecido a democratização do país.

O debate online, promovido pelo Observatório da Imprensa Angolana, tinha como tema "o papel da elite política e económica portuguesa na manutenção e continuidade da ditadura em Angola".

Para a socióloga e jornalista Luzia Moniz, a relação de Portugal com Angola tem sido movida pelo lucro, que "faz falta a Portugal".

"Por outro lado, sabemos que é a lavandaria dos dinheiros que são saqueados aos angolanos, os tais dinheiros que deviam ser investidos na educação. Portugal é conivente com uma prática de empobrecimento, de tirar dignidade aos angolanos, porque a única preocupação são os milhões que consegue tirar de Angola para proteger a sua economia e o seu modelo de sociedade", criticou.

Para Luzia Moniz, "existe uma vassalagem do poder angolano em relação ao poder português", em particular "uma ascendência" de Marcelo Rebelo de Sousa sobre o seu homólogo angolano, João Lourenço.

Sublinhando que "nenhuma ditadura sobrevive sem apoio externo", a ativista acrescentou que o regime angolano tem "mais preocupação com a sua imagem externa do que interna" porque "o poder está-se marimbando para o que pensam ou deixam de pensar os angolanos".

A diretora e fundadora da organização EthosGov, Karina Carvalho, defendeu "o fim da completa promiscuidade entre política e negócios", lembrando que também os portugueses ainda estão a pagar "a fatura, por exemplo, do descalabro do BESA".

Quanto ao facto de Angola ser uma ditadura, afirmou que "o MPLA usa os mecanismos formais da democracia para se perpetuar no poder e que Angola possui para todos os efeitos instituições democráticas", apesar de estarem "sistematicamente minadas pelo partido do poder".

"Não é uma ditadura no sentido clássico, mas tem elementos e mecanismos de características coercivas que fazem com que o país tenha esse espetro autoritário", disse a também socióloga, apontando como principal causa "a corrupção endémica que existe muito pelo papel de Portugal e da CPLP".

Para Karina Carvalho, "o papel de Portugal na democratização tem sido historicamente muito ambíguo", marcado por uma narrativa de "apoiar os nossos irmãos angolanos", enquanto se vai minando ou enfraquecendo a transição democrática porque a prioridade da política externa portuguesa é garantir a estabilidade económica nas relações Angola-Portugal.

"Isso faz com que sucessivos governantes coloquem acima dos direitos humanos, transparência e boa governação, os seus interesses económicos", comentou.

Sobre a ligação de Marcelo Rebelo de Sousa com Angola, disse que o Presidente português "corporiza uma relação sistemática e permanente de altos quadros públicos portugueses que mantiveram essas relações sobretudo com Angola", salientando que as empresas portuguesas têm laços estratégicos com empresas angolanas com ligação ao poder político.

"Mas não se pense que o Estado português está a apoiar o Estado de Angola, não, os sucessivos governos estão a apoiar o MPLA e isso tem de ser dito", realçou.

"Angola é provavelmente o mercado não europeu mais importante para Portugal, as empresas portuguesas dependem do MPLA para poderem lucrar", continuou Karina Carvalho, sublinhando que "a política negocial de Portugal com Angola é criminosa".

"Portugal concorre para que Angola se torne ainda mais um Estado cleptocrático, capturado pela corrupção. Em Angola existe uma elite política e económica com um partido que domina todos os setores e Portugal, ao ser cúmplice do MPLA, provoca ou proporciona o enriquecimento ilícito e esse enriquecimento tem origem criminal", referiu a socióloga.

Ainda assim, apesar do papel da elite político-económica, assinalou que há portugueses "que têm todo o interesse que Angola seja um país democrático e livre": "A elite tem responsabilidade massiva na manutenção deste 'statu quo', mas também há muita gente em Portugal que quer apoiar Angola e, se não criarmos pontes, não se consegue chegar lá".

O professor universitário de ciência política e relações internacionais Raul Tati considerou que "há uma vassalagem recíproca entre Portugal e Angola", recordando que "em certos momentos Portugal ficou agachado diante Angola, diante do MPLA", como aconteceu no caso do ex-vice-presidente e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, que criou um célebre "irritante" na diplomacia entre os dois países.

O especialista e deputado independente eleito pela UNITA (maior partido da oposição angolana) falou também da "conivência e cumplicidade ativa de Portugal na manutenção do 'statu quo' em Angola", sublinhando que "Portugal não tem interesse em perder de vista o que ganha em relação a Angola".

O moderador do debate, o escritor e académico Domingos da Cruz, assinalou que não vê "qualquer possibilidade de Portugal apoiar a democratização de Angola" e afirmou que Marcelo Rebelo de Sousa "se colocou ao lado do simulacro eleitoral das últimas eleições, em 2022, e está sempre pronto a vir dar os parabéns a Angola".

Rate this item
(0 votes)